Os impactos na subjetividade (3)

20/04/2005
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Em certa medida, a reestruturação produtiva desencadeada a partir da década de 60 nos países capitalistas centrais foi uma reação direta da burguesia à própria resistência dos trabalhadores. Os investimentos do patronato em novas tecnologias e métodos organizacionais objetivaram, entre outras vantagens, superar a crescente insatisfação nas fábricas naquele período histórico. A rebeldia nem sempre era organizada, mas contribuiu para a queda do ritmo de crescimento da produtividade nos EUA e na Europa e serviu de alerta para o capital! Nos EUA, por exemplo, ele caiu de 3,2% entre 1958/66 para 1,6% no período 1966/74. Essa “resistência informal” se manifestou no crescimento do absenteísmo (faltas ao trabalho) e do turn-over (abandono de emprego), no descaso crescente com a produção (refletido no aumento dos refugos e reparos) e mesmo nas sabotagens e greves espontâneas do final dos anos 60. Só para ilustrar, em 1969, diariamente faltavam 5% dos trabalhadores horistas da GM nos EUA; esse percentual pulava para 10% nas sextas e segundas- feiras. Já na Ford, o índice de turn-over foi de 25,2% no mesmo ano. Na Chrysler de Detroit, mais da metade dos funcionários não chegou a completar três meses de trabalho em 1969. Somado às falhas da organização taylorista e da linha de produção fordista e à crise do capitalismo, esse tipo de resistência influenciou a burguesia a procurar novas técnicas de racionalização do trabalho (CCQ, kanban, just-in-time e outras) e a investir na automação microeletrônica. Um de seus objetivos foi exatamente o de “moldar” a consciência operária para enfrentar os novos desafios econômicos. Nesse esforço, ela promoveu intensas mudanças nas normas de produção. Esse processo ainda não está concluído, mas as linhas essenciais desse novo paradigma produtivo já são bem visíveis. Rosa Maria Marques, no livro “Automação microeletrônica e os trabalhadores”, cita quatro normas que integrariam esse novo paradigma: “Produzir com estoque reduzido, em particular o de processo; capacitar o aparelho produtivo de flexibilidade; organizar a produção e o trabalho de forma a aumentar o controle sobre o processo produtivo; reduzir substancialmente o tempo necessário para produzir”. Essas normas resultam em sensíveis impactos na materialidade e na subjetividade dos trabalhadores. Temor e fascínio As máquinas-ferramentas com controle numérico computadorizado (CNC), os controladores lógicos programáveis (CLPs), os robôs e o CAD/CAM afetam a consciência operária. Além do “desemprego tecnológico”, eles alteram a qualificação profissional e mudam radicalmente o processo de produção, com a passagem da máquina- ferramenta tradicional para o sistema de máquinas-reguladas. Como ocorreu em outros períodos históricos de alteração brusca do processo produtivo, esses avanços tecnológicos jogam os trabalhadores numa certa defensiva, já que eles passam a enfrentar algo desconhecido e assustador. O efeito psicológico, pelo menos num primeiro momento, é de retração, expectativa e impotência. Com base em entrevistas feitas nos EUA, Graziela de Oliveira conclui que o conformismo e a resignação são características marcantes da atitude dos trabalhadores diante da automação microeletrônica. O psicanalista Emílio Rebecchi chega a conclusões idênticas ao analisar seus efeitos na Europa. Ele fala em sensações de isolamento, solidão, opressão e agressividade que angustiam os operários. Há um sentimento de perda real do conteúdo do trabalho, o que confunde e dificulta o desenvolvimento da consciência. Laís Abramo, no livro “Automação e movimento sindical no Brasil”, também observou tais sintomas nas montadoras de São Paulo. Para ela, a microeletrônica gera a robotização do trabalhador – o termo robô é de origem tcheca e significa escravo. Com base numa série de depoimentos, ela diz que os metalúrgicos “estranham as máquinas ‘que fazem tudo sozinhas’, sentem-se pequenos, frágeis e diminuídos frente a elas”. O curioso é que a sua pesquisa também aponta um fascínio dos operários pelo avanço tecnológico, que num outro modo de produção poderia superar a alienação e melhorar as condições de trabalho. Outro efeito relevante na consciência operária é que a desqualificação derivada da microeletrônica atinge principalmente os profissionais especializados que, até recentemente, detinham maior controle sobre o processo de produção, maior poder de barganha nas empresas e autovalorizavam o seu trabalho. É o caso dos ferramenteiros, em especial da indústria automobilística. Desde quando esse setor passou a ser o pólo dinâmico da economia, os ferramenteiros sempre estiveram na linha de frente da resistência. No Brasil, a retomada das greves no final dos anos 70 se deu a partir desses profissionais no ABC paulista. Por ser um trabalho não repetitivo e, por isso mesmo, não padronizado, o capital sempre teve dificuldades para controlar esses profissionais. Os métodos tayloristas-fordistas e as máquinas-ferramentas tradicionais não conseguiram moldá-los. Agora, com a microeletrônica, isso se torna possível. Através do CNC, por exemplo, o ferramenteiro deixa de ter o controle sobre a máquina. O seu conhecimento é repassado para o programa de computador (soft) e este, na maioria das empresas, inclusive, está localizado fora do setor de produção. “O trabalhador agora simplesmente aperta um botão e a máquina diz para ele se a operação foi certa ou não”, relata o operário de uma montadora de automóveis instalada em Taubaté (SP). Na Europa, essa abrupta mudança gerou, inclusive, uma forte queda na taxa de sindicalização desses profissionais. Gargalos do capital Na outra ponta, entre as poucas funções valorizadas com o advento da microeletrônica, estão os técnicos, principalmente os ligados à eletrônica e à informática. Esses trabalhadores sempre foram mais reticentes à luta classista. Estão mais próximos da hierarquia das empresas e até rejeitam a definição de operários (blue collors), considerando-se funcionários de escritório (withe collors). É verdade que a microeletrônica os aproxima dos produtores diretos, mas o que se observa é que eles ainda não têm consciência de classe, um sentido de pertencimento à classe, e que são mais facilmente envolvidos pela ideologia patronal. Nos cursos promovidos pelas empresas, eles são treinados unicamente numa visão tecnicista e individualista. Nesse sentido, a disputa pela hegemonia desse setor ganha destaque e é uma questão-chave na atualidade. Na maioria, eles são trabalhadores jovens, com certo nível de escolaridade, novas exigências culturais e entusiastas das novas tecnologias – porque, no momento, são beneficiados por ela. Como já se observa na Europa, o simples discurso sindical, economicista, não atrai essa parcela. O mesmo se dá com a retórica doutrinária, dogmática. Essa camada exige maior preparo da militância sindical e revolucionária para se engajar nas lutas da classe. Mesmo os instrumentos usuais do sindicalismo, como as assembléias, não atraem essa parcela, já que dificilmente permitem a sua efetiva participação e entendimento da realidade. A microeletrônica também valoriza certas funções de operação e de manutenção dos novos equipamentos. E aqui se encontra outro perigoso gargalo para a burguesia. Esses trabalhadores são responsáveis pela manutenção e otimização de máquinas avançadas, interligadas e caras. Esses equipamentos funcionam num sistema integrado que envolve toda a fábrica, garantindo rapidez e flexibilidade na produção. Além disso, esse novo paradigma produtivo, adaptado ao mercado em crise, exige que o estoque seja reduzido, diminuindo o capital circulante, e que não haja refugos e retrabalhos. E aí mora o perigo para o capital! Na era da microeletrônica, a parada de uma máquina ou a queda da qualidade do processo produtivo pode ter como conseqüência a paralisação do conjunto das operações numa fábrica. Uma greve numa central de computadores, por exemplo, afeta toda a produção. Na prática, o que a microeletrônica demonstra é que a fábrica moderna é mais dependente da ação coletiva dos trabalhadores. O capital fica mais vulnerável. Conscientizados, os trabalhadores desses setores de ponta detêm maior poder em suas mãos, mesmo com a diminuição do número absoluto de empregados. Daí a importância desse moderno proletariado! Não é para menos que alguns autores, mesmo reconhecendo a redução do número de operários fabris, polemizam com os apologistas do capital que dão “adeus ao proletariado” e afirmam que esta classe hoje adquire maior poder. Para Jean Lojkine, “o que hoje está prestes a desaparecer não é a classe operária, mas a secular divisão entre trabalhadores manuais (‘colarinhos azuis’) e colarinhos brancos”. Engenheiros politécnicos dirigindo, juntamente com técnicos especializados, instalações automatizadas; ‘operários’ programando, num microprocessador, um ciclo de produção – eis a nova classe operária deste século”. Gauzner também aposta nessa aproximação. “À medida que aumenta o número de engenheiros e técnicos, estes se vêem cada vez mais submetidos à hierarquia do poder capitalista. Na sua imensa maioria já não desempenham funções de controle e vigilância em relação aos operários. Estão a deixar de se identificar com a administração. A divisão capitalista do trabalho, que se torna cada vez mais profunda, priva o seu labor do caráter criador universal. Vai diminuindo a diferença entre o ordenado dos empregados e o salário dos operários qualificados... Nas condições atuais acentua-se a tendência para a sua aproximação da classe operária. A composição social do proletariado moderno é mais complexa e diversa”. É evidente que tal aproximação ainda ocorre apenas do ponto de vista objetivo. Subjetivamente, o pessoal técnico se mantém distante dos operários manuais. Essa mudança de composição nas fábricas, inclusive, cria problemas para o desenvolvimento imediato da consciência operária. De acordo com Benjamin Coriat, “passa-se de um tipo de operário (profissional-mecânico), que constitui a base do sindicalismo atual, a um outro tipo de operário (elétrico, ‘jovem’ e escolarizado), cujos comportamentos culturais e políticos, em particular frente ao sindicalismo, arriscam-se a ser claramente diferentes”. Mas, como alerta Lojkine, “a revolução informacional obriga o capitalismo a brincar incessantemente com fogo ao revolucionar suas próprias normas, sua cultura, na tentativa de salvar o essencial – ou seja, o seu sistema de exploração”. A conscientização desses trabalhadores, que já exercem funções produtivas nas fábricas modernas, coloca visíveis riscos para a manutenção do atual sistema de exploração. Para integrar à classe operária esses “quadros médios” (técnicos, engenheiros, projetistas e outros) é evidente que será necessário muito esforço e criatividade. Mas isso é possível e eis aqui um grande desafio do sindicalismo classista e da vanguarda revolucionária na atualidade. Tática patronal A burguesia está ciente desse perigo. Não é à-toa que ela tem combinado a introdução da microeletrônica com a difusão dos novos métodos de gerenciamento. Na maioria dos casos, estes até são implementados primeiro para garantir a plena utilização das novas tecnologias. Para o capitalista, torna-se vital o maior envolvimento desses trabalhadores, sejam eles operadores, técnicos em eletrônica, analistas de sistema, controladores ou operários da manutenção. A sofisticação dos equipamentos e a maior integração do processo produtivo exigem o aumento da sua “participação”, a sua corrupção ideológica. CCQ, just-in-time e outras técnicas “participativas” – verdadeiras ratoeiras do capital – alastram-se em função disso. Outra medida usada pelas empresas é a de isolar essas tarefas de ponta. O Centro de Processamento de dados da Volkswagen no Brasil, por exemplo, considerado o mais avançado da indústria automobilística, está dividido em duas unidades. Uma funciona na unidade de São Bernardo do Campo e a outra no bairro paulistano do Jabaquara. Essa duplicação decorre das rígidas normas de segurança da empresa. Em caso de greve, o CPD do Jabaquara entra imediatamente em funcionamento. A burguesia também procura afastar os quadros médios dos operários da linha de produção. Conforme alerta Benjamin Coriat, “para conduzir e manter as instalações automatizadas, as direções se orientam, na prática, para os ‘jovens com potencial’. Formação intensiva e constantemente atualizada, promoções específicas, mas também isolamento em determinadas partes da instalação, refeições tomadas em comum... servem para constituir um ‘espírito’ que pode se desenvolver com mais facilidade na medida em que o trabalho com os autômatos é específico, limitado, supõe cooperação e interesse pela tecnologia”. Além disso, as novas tecnologias permitem maior controle do capital sobre o trabalho. Surge o que está sendo chamado na Europa de “homem de vidro”, um operário mais transparente, mais facilmente vigiado pelos patrões através de computadores. Conseqüentemente, diminui a autonomia dos operários no interior das fábricas. Mesmo as tarefas de supervisão, que antes eram facilmente identificadas na figura do chefe, passam a ser desempenhadas pelos próprios trabalhadores com o auxilio da microeletrônica. O resultado é o acirramento da divisão no seio da própria classe, o estímulo à concorrência. Pode-se dizer, inclusive, que as novas tecnologias representam um salto de qualidade no que se refere ao controle do capital sobre o trabalho. Desde o nascimento do capitalismo que a burguesia visa aperfeiçoar esse domínio. Mas, como já foi dito, todas as técnicas anteriores de gerenciamento e mesmo os antigos instrumentos de trabalho nunca conseguiram estabelecer um controle mais rígido sobre uma parcela dos operários especializados e nem se expandir para outros setores da economia. Só a microeletrônica é que vai possibilitar esse salto qualitativo. Ela simplificará as tarefas mais complexas, menos repetitivas. Através da “revolução informacional”, o capital expande o controle para setores como comércio, bancos, escritórios e agricultura. “A tecnologia da informática é uma tecnologia de coordenação e controle da força de trabalho de trabalhadores do escritório, os quais a organização taylorista não consegue abranger”, reconhece o gerente da Olivetti, Franco Benedetti. Com o uso do sistema CAD/CAM, até mesmo tarefas de concepção, como a dos projetistas, são simplificadas, codificadas. O projeto de uma residência, que no sistema anterior demorava mais de dois dias, agora é feito em duas horas num terminal do computador. Rosa Maria Marques destaca ainda o fato da “microeletrônica possibilitar às multinacionais acompanhar, em tempo real, o que ocorre em cada filial. A maior integração, somada à homogeneização dos processos alcançados pela automação, permite que as empresas tenham maior possibilidade de alterar a produção e o envio de material, de acordo com as variações de preço, mercado e mesmo em decorrência de questões sindicais”. Henrique Rattner cita uma multinacional que dispõe de um serviço interno de comunicação com 500 computadores, espalhados por mais de 100 cidades em 18 países. Gonzalo Falabella revela que a Ford dos EUA “recebe dia e noite, a cada momento, informações sobre todas as suas fábricas no mundo”. Resistência sindical O sindicalismo europeu foi o primeiro a opor resistência a esse brutal poder do capital. Segundo Piercarlo Maggiolhi, autor do livro Negociações trabalhistas e introdução de inovações tecnológicas na Europa, os sindicatos da Noruega foram os pioneiros na assinatura de acordos sobre o tema no início dos anos 70. Hoje, várias centrais européias tomam iniciativas para contornar os efeitos devastadores da automação. Na Inglaterra, por exemplo, já existem centenas de acordos administrativos sobre novas tecnologias. Na França, a pressão sindical dos trabalhadores conseguiu que o governo introduzisse, em 1982, mudanças no código de trabalho, garantindo maior acesso às informações e o uso de peritos na discussão dos efeitos da automação. Na Alemanha, as leis sobre co-gestão, a partir de 1972, também prevêem a participação dos conselhos de empresas, dos sindicatos e da central sindical (DGB) na discussão do assunto. Levantamento feito pelo autor indica que a maior parte das reivindicações trata do direito de informação e participação no processo de introdução das novas tecnologias. Para garantir esse acesso, a Federação dos Sindicatos Nórdicos (NFS), por exemplo, conquistou o “delegado de informática”, que acompanha os projetos de implantação dos equipamentos microeletrônicos desde o seu estágio inicial. Como explica um documento da central inglesa (TUC – Trade Union Congress), “é na fase de projeto do novo sistema que serão tomadas decisões que se referem à influência da tecnologia sobre aqueles que trabalham com ela”. A preocupação básica do sindicalismo na atualidade é com a preservação dos empregos. Nesse sentido, a bandeira da redução da jornada de trabalho faz parte do grosso das pautas de reivindicação. Sem dúvida, é a exigência que mais corresponde ao estágio atual da automação. Há também outras propostas, como a da diminuição da idade de acesso à aposentadoria e da ampliação da idade de ingresso no trabalho. Há ainda a exigência da reciclagem profissional, garantindo cursos e o reaproveitamento em tarefas de qualificação comparável para os afetados pela automação. Outra preocupação é com o aumento assustador do controle do capital sobre os trabalhadores. O que se reivindica é a democratização dos locais de trabalho e a proteção dos dados individuais, proibindo que as empresas utilizem informações de caráter pessoal para interferir na produção. Esse perigo ficou patente na IBM da Itália, que montou um complexo sistema de informática em Segrate e Vimercate. Através dele, a multinacional registrava os horários de início e fim de uma operação, eventuais pausas e tempos mortos, quantidade de operações realizadas, erros eventuais e tempo empregado nas correções. A IBM tinha até códigos personalizados de cada funcionário, usando-os na sua política de recursos humanos. Todas essas reivindicações e mesmo os acordos firmados, porém, não tem conseguido barrar os efeitos nefastos da automação sob o domínio do capital. Apesar da pressão do sindicalismo mundial, que reflete o anseio das bases, há consenso entre os vários estudiosos do assunto de que nem na Europa e nem no resto do mundo ocorreram conquistas mais duradouras nesse terreno. Pela própria lógica do sistema, o capital entende a fábrica como lugar sacrossanto. Para garantir lucratividade, não permite que os trabalhadores interfiram no processo de produção e discutam a distribuição da riqueza produzida. A microeletrônica e os métodos de gerenciamento, como já foi dito, visam exatamente afastar o trabalhador dessas decisões. Como reconhece Piercarlo Maggiolini, o poder dos trabalhadores de influenciar na aplicação das novas tecnologias é limitado. “O direito à informação, consulta e negociação desde a projeção não raramente é frustrado pelas direções das empresas que temem dificuldades, atrasos ou vazamentos de informações sigilosas que as prejudiquem”. Mesmo a participação nas comissões “paritárias” de automação na Europa apresenta suas limitações. “Há o risco de que os participantes acabem se tornando uma espécie de ‘refém’ da direção e dêem cobertura a escolhas, na realidade, feitas totalmente pela empresa”, afirma o estudioso. Superar o capitalismo As restrições próprias do capitalismo se fazem sentir até quando os trabalhadores conquistam a almejada redução da jornada. Exemplo disso é que as reduções na Alemanha, França e Espanha não conseguiram reverter as taxas de desemprego – apenas amenizaram o problema, o que já é uma vitória na fase atual do capitalismo. A microeletrônica e as técnicas gerenciais permitem o aumento da produção com um número bem menor de trabalhadores. Quando a redução é conquistada, o capital intensifica o ritmo de trabalho. Esses limites, porém, não devem jogar os trabalhadores no imobilismo e na apatia. A experiência mundial indica que é possível obter avanços, mesmo que parciais e temporários, na luta contra os efeitos da automação. Além disso, deixar de apresentar propostas concretas que abordem o problema, levaria os que não se iludem com o capitalismo ao total isolamento. O seu discurso cairia no vazio, dando espaço para os que defendem apenas reformas no sistema. Reformas, inclusive, que o novo paradigma produtivo torna inviáveis, já que a exclusão de milhões do mercado de trabalho e de consumo lhe é algo intrínseco. Ao aprofundar a contradição entre apropriação privada e produção social, o avanço da automação indica que é cada vez mais necessário vincular as lutas imediatas às lutas por transformações revolucionárias – pelo fim do sistema capitalista. O discurso e prática reformistas, predominantes no sindicalismo europeu, só desarmam os trabalhadores diante da ofensiva do capital. Segundo documento da própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que se observa em vários países europeus é a generalização da concession bargaining – a concessão barganhada. Diante da difusão da microeletrônica, os sindicatos vinculados à socialdemocracia aceitam os cortes salariais e até mesmo as perdas negociadas do nível de emprego. Sem qualquer perspectiva de transformação do sistema, eles se submetem à lógica trituradora do capitalismo sem oferecer uma resistência mais global e combativa. Do ponto de vista do sindicalismo classista, o avanço da microeletrônica indica a necessidade de reforçar os sindicatos. Como atesta a Federação dos Metalúrgicos Italianos (Fiom), “nos países industrializados, inclusive na Itália, a nova fase tecnológica coincidiu com uma iniciativa empresarial avassaladora que destruiu relações industriais consolidadas. Foram e são instrumentos dessa ofensiva tanto as demissões em massa quanto um novo estilo gerencial caracterizado pela agressividade anti-sindical”. Mais do que nunca, também é preciso garantir a autonomia dos trabalhadores frente às políticas patronais de cooptação. É necessário ainda priorizar a organização de base, aumentando a representatividade sindical nos locais de trabalho. Outro grande desafio dessa nova fase é o da integração dos operários produtivos com técnicos, disputando ideologicamente esse setor e elevando a sua consciência de classe. Realidade brasileira Esses desafios já estão colocados para o sindicalismo brasileiro. Segundo Álvaro Dias, “o Brasil é o país latino- americano que mais rapidamente avança na produção e instalação de novas tecnologias”. É verdade que esse avanço ainda é limitado, principalmente em função do baixo custo do trabalho. Mas a questão salarial não deve ser absolutizada. É só lembrar o Japão, aonde o salário médio na indústria também é baixo (38% menor do que nos EUA e 33% menor do que na Alemanha), mas a automação foi meteórica. Com a maior integração do mercado capitalista, outros fatores forçam a rápida automação. O que se nota é que a microeletrônica está sendo intensificada no Brasil em função da concorrência internacional. Ela se vincula, por exemplo, à fabricação do carro mundial – seja o produzido num único país para exportação ou o fabricado de maneira integrada em plantas industriais espalhadas por todo o mundo. As exportações teriam, assim, papel predominante nesse acelerado processo de introdução de novas tecnologias. Se hoje, segundo cálculos parciais, somente 20% dos operários brasileiros estão em contato direto com a microeletrônica, a tendência é do seu crescimento. Para complicar, essa difusão ocorre exatamente aonde o sindicalismo tem mais força – nos setores de ponta da economia. “Em conseqüência”, diz Álvaro Dias, “os setores mais avançados dos trabalhadores se confrontam com um novo desafio. A grande maioria dos trabalhadores não se enfrenta ainda com as novas tecnologias, mas esta já é a vivência dos que trabalham nas grandes empresas e que constituem a base fundamental de apoio do sindicalismo brasileiro”. Como se observa, as profundas mudanças no mundo do trabalho afetam a materialidade e a subjetividade de classe dos trabalhadores. Não há como escapar dessa tendência, que faz parte da própria lógica do capital na busca incessante de maior produtividade e menor custo – visando o aumento da lucratividade. Essas mudanças colocam novos desafios para a luta sindical, operária e socialista. Elas requerem novas formas de luta, de organização, de linguagem e de abordagem da classe. O esforço é no sentido de superar a concorrência entre os trabalhadores, dando-lhes um sentido de pertencimento à única classe que pode cumprir a missão histórica de superar o sistema destrutivo e regressivo do capital. * Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro “A reforma sindical e trabalhista no governo Lula” (Editora Anita Garibaldi). Bibliografia - Marques, Rosa Maria. “Automação microeletrônica e o trabalhador”. Editora Becal, São Paulo, 1985. - Neder, Ricardo Toledo. (org.). “Automação e movimento sindical no Brasil”. Editora Hucitec, São Paulo, 1988. - Schmitz, Hubert e Carvalho, Ruy de Quadros. (org.) “Automação, competitividade e trabalho: A experiência internacional”. Editora Hucitec, São Paulo, 1988. - Oliveira, Graziela. “Do conformismo à reação: O trabalhador diante da automação do trabalho”. Mimeo. - Maggioloni, Piecarlo. “As negociações trabalhistas e a introdução de inovações tecnológicas na Europa”. Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1988. - Gauzner, N. “O capitalismo e as conseqüências sociais da revolução técnico-científica”. Editora Estampa, Lisboa, 1975. - Lojkine, Jean. “A classe operária em mutações”. Editora Oficina de Livros, Belo Horizonte, 1990. - Coriat, Benjamim. “A revolução dos robôs”. Editora Busca Vida, São Paulo, 1989. - Rebecchi, Emílio. “O sujeito frente à inovação tecnológica”. Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1990. - Braverman, Harry. “Trabalho e capital monopolista” Editora Zahar, Rio de Janeiro, 1980.
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