Os impactos na subjetividade (3)
20/04/2005
- Opinión
Em certa medida, a reestruturação produtiva desencadeada a
partir da década de 60 nos países capitalistas centrais foi uma
reação direta da burguesia à própria resistência dos
trabalhadores. Os investimentos do patronato em novas
tecnologias e métodos organizacionais objetivaram, entre outras
vantagens, superar a crescente insatisfação nas fábricas naquele
período histórico. A rebeldia nem sempre era organizada, mas
contribuiu para a queda do ritmo de crescimento da produtividade
nos EUA e na Europa e serviu de alerta para o capital! Nos EUA,
por exemplo, ele caiu de 3,2% entre 1958/66 para 1,6% no período
1966/74.
Essa “resistência informal” se manifestou no crescimento do
absenteísmo (faltas ao trabalho) e do turn-over (abandono de
emprego), no descaso crescente com a produção (refletido no
aumento dos refugos e reparos) e mesmo nas sabotagens e greves
espontâneas do final dos anos 60. Só para ilustrar, em 1969,
diariamente faltavam 5% dos trabalhadores horistas da GM nos
EUA; esse percentual pulava para 10% nas sextas e segundas-
feiras. Já na Ford, o índice de turn-over foi de 25,2% no mesmo
ano. Na Chrysler de Detroit, mais da metade dos funcionários não
chegou a completar três meses de trabalho em 1969.
Somado às falhas da organização taylorista e da linha de
produção fordista e à crise do capitalismo, esse tipo de
resistência influenciou a burguesia a procurar novas técnicas de
racionalização do trabalho (CCQ, kanban, just-in-time e outras)
e a investir na automação microeletrônica. Um de seus objetivos
foi exatamente o de “moldar” a consciência operária para
enfrentar os novos desafios econômicos. Nesse esforço, ela
promoveu intensas mudanças nas normas de produção. Esse processo
ainda não está concluído, mas as linhas essenciais desse novo
paradigma produtivo já são bem visíveis.
Rosa Maria Marques, no livro “Automação microeletrônica e os
trabalhadores”, cita quatro normas que integrariam esse novo
paradigma: “Produzir com estoque reduzido, em particular o de
processo; capacitar o aparelho produtivo de flexibilidade;
organizar a produção e o trabalho de forma a aumentar o controle
sobre o processo produtivo; reduzir substancialmente o tempo
necessário para produzir”. Essas normas resultam em sensíveis
impactos na materialidade e na subjetividade dos trabalhadores.
Temor e fascínio
As máquinas-ferramentas com controle numérico computadorizado
(CNC), os controladores lógicos programáveis (CLPs), os robôs e
o CAD/CAM afetam a consciência operária. Além do “desemprego
tecnológico”, eles alteram a qualificação profissional e mudam
radicalmente o processo de produção, com a passagem da máquina-
ferramenta tradicional para o sistema de máquinas-reguladas.
Como ocorreu em outros períodos históricos de alteração brusca
do processo produtivo, esses avanços tecnológicos jogam os
trabalhadores numa certa defensiva, já que eles passam a
enfrentar algo desconhecido e assustador.
O efeito psicológico, pelo menos num primeiro momento, é de
retração, expectativa e impotência. Com base em entrevistas
feitas nos EUA, Graziela de Oliveira conclui que o conformismo e
a resignação são características marcantes da atitude dos
trabalhadores diante da automação microeletrônica. O
psicanalista Emílio Rebecchi chega a conclusões idênticas ao
analisar seus efeitos na Europa. Ele fala em sensações de
isolamento, solidão, opressão e agressividade que angustiam os
operários. Há um sentimento de perda real do conteúdo do
trabalho, o que confunde e dificulta o desenvolvimento da
consciência.
Laís Abramo, no livro “Automação e movimento sindical no
Brasil”, também observou tais sintomas nas montadoras de São
Paulo. Para ela, a microeletrônica gera a robotização do
trabalhador – o termo robô é de origem tcheca e significa
escravo. Com base numa série de depoimentos, ela diz que os
metalúrgicos “estranham as máquinas ‘que fazem tudo sozinhas’,
sentem-se pequenos, frágeis e diminuídos frente a elas”. O
curioso é que a sua pesquisa também aponta um fascínio dos
operários pelo avanço tecnológico, que num outro modo de
produção poderia superar a alienação e melhorar as condições de
trabalho.
Outro efeito relevante na consciência operária é que a
desqualificação derivada da microeletrônica atinge
principalmente os profissionais especializados que, até
recentemente, detinham maior controle sobre o processo de
produção, maior poder de barganha nas empresas e autovalorizavam
o seu trabalho. É o caso dos ferramenteiros, em especial da
indústria automobilística. Desde quando esse setor passou a ser
o pólo dinâmico da economia, os ferramenteiros sempre estiveram
na linha de frente da resistência. No Brasil, a retomada das
greves no final dos anos 70 se deu a partir desses profissionais
no ABC paulista.
Por ser um trabalho não repetitivo e, por isso mesmo, não
padronizado, o capital sempre teve dificuldades para controlar
esses profissionais. Os métodos tayloristas-fordistas e as
máquinas-ferramentas tradicionais não conseguiram moldá-los.
Agora, com a microeletrônica, isso se torna possível. Através do
CNC, por exemplo, o ferramenteiro deixa de ter o controle sobre
a máquina. O seu conhecimento é repassado para o programa de
computador (soft) e este, na maioria das empresas, inclusive,
está localizado fora do setor de produção. “O trabalhador agora
simplesmente aperta um botão e a máquina diz para ele se a
operação foi certa ou não”, relata o operário de uma montadora
de automóveis instalada em Taubaté (SP). Na Europa, essa abrupta
mudança gerou, inclusive, uma forte queda na taxa de
sindicalização desses profissionais.
Gargalos do capital
Na outra ponta, entre as poucas funções valorizadas com o
advento da microeletrônica, estão os técnicos, principalmente os
ligados à eletrônica e à informática. Esses trabalhadores sempre
foram mais reticentes à luta classista. Estão mais próximos da
hierarquia das empresas e até rejeitam a definição de operários
(blue collors), considerando-se funcionários de escritório
(withe collors). É verdade que a microeletrônica os aproxima dos
produtores diretos, mas o que se observa é que eles ainda não
têm consciência de classe, um sentido de pertencimento à classe,
e que são mais facilmente envolvidos pela ideologia patronal.
Nos cursos promovidos pelas empresas, eles são treinados
unicamente numa visão tecnicista e individualista.
Nesse sentido, a disputa pela hegemonia desse setor ganha
destaque e é uma questão-chave na atualidade. Na maioria, eles
são trabalhadores jovens, com certo nível de escolaridade, novas
exigências culturais e entusiastas das novas tecnologias –
porque, no momento, são beneficiados por ela. Como já se observa
na Europa, o simples discurso sindical, economicista, não atrai
essa parcela. O mesmo se dá com a retórica doutrinária,
dogmática. Essa camada exige maior preparo da militância
sindical e revolucionária para se engajar nas lutas da classe.
Mesmo os instrumentos usuais do sindicalismo, como as
assembléias, não atraem essa parcela, já que dificilmente
permitem a sua efetiva participação e entendimento da realidade.
A microeletrônica também valoriza certas funções de operação e
de manutenção dos novos equipamentos. E aqui se encontra outro
perigoso gargalo para a burguesia. Esses trabalhadores são
responsáveis pela manutenção e otimização de máquinas avançadas,
interligadas e caras. Esses equipamentos funcionam num sistema
integrado que envolve toda a fábrica, garantindo rapidez e
flexibilidade na produção. Além disso, esse novo paradigma
produtivo, adaptado ao mercado em crise, exige que o estoque
seja reduzido, diminuindo o capital circulante, e que não haja
refugos e retrabalhos. E aí mora o perigo para o capital!
Na era da microeletrônica, a parada de uma máquina ou a queda da
qualidade do processo produtivo pode ter como conseqüência a
paralisação do conjunto das operações numa fábrica. Uma greve
numa central de computadores, por exemplo, afeta toda a
produção. Na prática, o que a microeletrônica demonstra é que a
fábrica moderna é mais dependente da ação coletiva dos
trabalhadores. O capital fica mais vulnerável. Conscientizados,
os trabalhadores desses setores de ponta detêm maior poder em
suas mãos, mesmo com a diminuição do número absoluto de
empregados. Daí a importância desse moderno proletariado!
Não é para menos que alguns autores, mesmo reconhecendo a
redução do número de operários fabris, polemizam com os
apologistas do capital que dão “adeus ao proletariado” e afirmam
que esta classe hoje adquire maior poder. Para Jean Lojkine, “o
que hoje está prestes a desaparecer não é a classe operária, mas
a secular divisão entre trabalhadores manuais (‘colarinhos
azuis’) e colarinhos brancos”. Engenheiros politécnicos
dirigindo, juntamente com técnicos especializados, instalações
automatizadas; ‘operários’ programando, num microprocessador, um
ciclo de produção – eis a nova classe operária deste século”.
Gauzner também aposta nessa aproximação. “À medida que aumenta o
número de engenheiros e técnicos, estes se vêem cada vez mais
submetidos à hierarquia do poder capitalista. Na sua imensa
maioria já não desempenham funções de controle e vigilância em
relação aos operários. Estão a deixar de se identificar com a
administração. A divisão capitalista do trabalho, que se torna
cada vez mais profunda, priva o seu labor do caráter criador
universal. Vai diminuindo a diferença entre o ordenado dos
empregados e o salário dos operários qualificados... Nas
condições atuais acentua-se a tendência para a sua aproximação
da classe operária. A composição social do proletariado moderno
é mais complexa e diversa”.
É evidente que tal aproximação ainda ocorre apenas do ponto de
vista objetivo. Subjetivamente, o pessoal técnico se mantém
distante dos operários manuais. Essa mudança de composição nas
fábricas, inclusive, cria problemas para o desenvolvimento
imediato da consciência operária. De acordo com Benjamin Coriat,
“passa-se de um tipo de operário (profissional-mecânico), que
constitui a base do sindicalismo atual, a um outro tipo de
operário (elétrico, ‘jovem’ e escolarizado), cujos
comportamentos culturais e políticos, em particular frente ao
sindicalismo, arriscam-se a ser claramente diferentes”.
Mas, como alerta Lojkine, “a revolução informacional obriga o
capitalismo a brincar incessantemente com fogo ao revolucionar
suas próprias normas, sua cultura, na tentativa de salvar o
essencial – ou seja, o seu sistema de exploração”. A
conscientização desses trabalhadores, que já exercem funções
produtivas nas fábricas modernas, coloca visíveis riscos para a
manutenção do atual sistema de exploração. Para integrar à
classe operária esses “quadros médios” (técnicos, engenheiros,
projetistas e outros) é evidente que será necessário muito
esforço e criatividade. Mas isso é possível e eis aqui um grande
desafio do sindicalismo classista e da vanguarda revolucionária
na atualidade.
Tática patronal
A burguesia está ciente desse perigo. Não é à-toa que ela tem
combinado a introdução da microeletrônica com a difusão dos
novos métodos de gerenciamento. Na maioria dos casos, estes até
são implementados primeiro para garantir a plena utilização das
novas tecnologias. Para o capitalista, torna-se vital o maior
envolvimento desses trabalhadores, sejam eles operadores,
técnicos em eletrônica, analistas de sistema, controladores ou
operários da manutenção. A sofisticação dos equipamentos e a
maior integração do processo produtivo exigem o aumento da sua
“participação”, a sua corrupção ideológica. CCQ, just-in-time e
outras técnicas “participativas” – verdadeiras ratoeiras do
capital – alastram-se em função disso.
Outra medida usada pelas empresas é a de isolar essas tarefas de
ponta. O Centro de Processamento de dados da Volkswagen no
Brasil, por exemplo, considerado o mais avançado da indústria
automobilística, está dividido em duas unidades. Uma funciona na
unidade de São Bernardo do Campo e a outra no bairro paulistano
do Jabaquara. Essa duplicação decorre das rígidas normas de
segurança da empresa. Em caso de greve, o CPD do Jabaquara entra
imediatamente em funcionamento.
A burguesia também procura afastar os quadros médios dos
operários da linha de produção. Conforme alerta Benjamin Coriat,
“para conduzir e manter as instalações automatizadas, as
direções se orientam, na prática, para os ‘jovens com
potencial’. Formação intensiva e constantemente atualizada,
promoções específicas, mas também isolamento em determinadas
partes da instalação, refeições tomadas em comum... servem para
constituir um ‘espírito’ que pode se desenvolver com mais
facilidade na medida em que o trabalho com os autômatos é
específico, limitado, supõe cooperação e interesse pela
tecnologia”.
Além disso, as novas tecnologias permitem maior controle do
capital sobre o trabalho. Surge o que está sendo chamado na
Europa de “homem de vidro”, um operário mais transparente, mais
facilmente vigiado pelos patrões através de computadores.
Conseqüentemente, diminui a autonomia dos operários no interior
das fábricas. Mesmo as tarefas de supervisão, que antes eram
facilmente identificadas na figura do chefe, passam a ser
desempenhadas pelos próprios trabalhadores com o auxilio da
microeletrônica. O resultado é o acirramento da divisão no seio
da própria classe, o estímulo à concorrência.
Pode-se dizer, inclusive, que as novas tecnologias representam
um salto de qualidade no que se refere ao controle do capital
sobre o trabalho. Desde o nascimento do capitalismo que a
burguesia visa aperfeiçoar esse domínio. Mas, como já foi dito,
todas as técnicas anteriores de gerenciamento e mesmo os antigos
instrumentos de trabalho nunca conseguiram estabelecer um
controle mais rígido sobre uma parcela dos operários
especializados e nem se expandir para outros setores da
economia. Só a microeletrônica é que vai possibilitar esse salto
qualitativo. Ela simplificará as tarefas mais complexas, menos
repetitivas.
Através da “revolução informacional”, o capital expande o
controle para setores como comércio, bancos, escritórios e
agricultura. “A tecnologia da informática é uma tecnologia de
coordenação e controle da força de trabalho de trabalhadores do
escritório, os quais a organização taylorista não consegue
abranger”, reconhece o gerente da Olivetti, Franco Benedetti.
Com o uso do sistema CAD/CAM, até mesmo tarefas de concepção,
como a dos projetistas, são simplificadas, codificadas. O
projeto de uma residência, que no sistema anterior demorava mais
de dois dias, agora é feito em duas horas num terminal do
computador.
Rosa Maria Marques destaca ainda o fato da “microeletrônica
possibilitar às multinacionais acompanhar, em tempo real, o que
ocorre em cada filial. A maior integração, somada à
homogeneização dos processos alcançados pela automação, permite
que as empresas tenham maior possibilidade de alterar a produção
e o envio de material, de acordo com as variações de preço,
mercado e mesmo em decorrência de questões sindicais”. Henrique
Rattner cita uma multinacional que dispõe de um serviço interno
de comunicação com 500 computadores, espalhados por mais de 100
cidades em 18 países. Gonzalo Falabella revela que a Ford dos
EUA “recebe dia e noite, a cada momento, informações sobre todas
as suas fábricas no mundo”.
Resistência sindical
O sindicalismo europeu foi o primeiro a opor resistência a esse
brutal poder do capital. Segundo Piercarlo Maggiolhi, autor do
livro Negociações trabalhistas e introdução de inovações
tecnológicas na Europa, os sindicatos da Noruega foram os
pioneiros na assinatura de acordos sobre o tema no início dos
anos 70. Hoje, várias centrais européias tomam iniciativas para
contornar os efeitos devastadores da automação.
Na Inglaterra, por exemplo, já existem centenas de acordos
administrativos sobre novas tecnologias. Na França, a pressão
sindical dos trabalhadores conseguiu que o governo introduzisse,
em 1982, mudanças no código de trabalho, garantindo maior acesso
às informações e o uso de peritos na discussão dos efeitos da
automação. Na Alemanha, as leis sobre co-gestão, a partir de
1972, também prevêem a participação dos conselhos de empresas,
dos sindicatos e da central sindical (DGB) na discussão do
assunto.
Levantamento feito pelo autor indica que a maior parte das
reivindicações trata do direito de informação e participação no
processo de introdução das novas tecnologias. Para garantir esse
acesso, a Federação dos Sindicatos Nórdicos (NFS), por exemplo,
conquistou o “delegado de informática”, que acompanha os
projetos de implantação dos equipamentos microeletrônicos desde
o seu estágio inicial. Como explica um documento da central
inglesa (TUC – Trade Union Congress), “é na fase de projeto do
novo sistema que serão tomadas decisões que se referem à
influência da tecnologia sobre aqueles que trabalham com ela”.
A preocupação básica do sindicalismo na atualidade é com a
preservação dos empregos. Nesse sentido, a bandeira da redução
da jornada de trabalho faz parte do grosso das pautas de
reivindicação. Sem dúvida, é a exigência que mais corresponde ao
estágio atual da automação. Há também outras propostas, como a
da diminuição da idade de acesso à aposentadoria e da ampliação
da idade de ingresso no trabalho. Há ainda a exigência da
reciclagem profissional, garantindo cursos e o reaproveitamento
em tarefas de qualificação comparável para os afetados pela
automação.
Outra preocupação é com o aumento assustador do controle do
capital sobre os trabalhadores. O que se reivindica é a
democratização dos locais de trabalho e a proteção dos dados
individuais, proibindo que as empresas utilizem informações de
caráter pessoal para interferir na produção. Esse perigo ficou
patente na IBM da Itália, que montou um complexo sistema de
informática em Segrate e Vimercate. Através dele, a
multinacional registrava os horários de início e fim de uma
operação, eventuais pausas e tempos mortos, quantidade de
operações realizadas, erros eventuais e tempo empregado nas
correções. A IBM tinha até códigos personalizados de cada
funcionário, usando-os na sua política de recursos humanos.
Todas essas reivindicações e mesmo os acordos firmados, porém,
não tem conseguido barrar os efeitos nefastos da automação sob o
domínio do capital. Apesar da pressão do sindicalismo mundial,
que reflete o anseio das bases, há consenso entre os vários
estudiosos do assunto de que nem na Europa e nem no resto do
mundo ocorreram conquistas mais duradouras nesse terreno. Pela
própria lógica do sistema, o capital entende a fábrica como
lugar sacrossanto. Para garantir lucratividade, não permite que
os trabalhadores interfiram no processo de produção e discutam a
distribuição da riqueza produzida. A microeletrônica e os
métodos de gerenciamento, como já foi dito, visam exatamente
afastar o trabalhador dessas decisões.
Como reconhece Piercarlo Maggiolini, o poder dos trabalhadores
de influenciar na aplicação das novas tecnologias é limitado. “O
direito à informação, consulta e negociação desde a projeção não
raramente é frustrado pelas direções das empresas que temem
dificuldades, atrasos ou vazamentos de informações sigilosas que
as prejudiquem”. Mesmo a participação nas comissões “paritárias”
de automação na Europa apresenta suas limitações. “Há o risco de
que os participantes acabem se tornando uma espécie de ‘refém’
da direção e dêem cobertura a escolhas, na realidade, feitas
totalmente pela empresa”, afirma o estudioso.
Superar o capitalismo
As restrições próprias do capitalismo se fazem sentir até quando
os trabalhadores conquistam a almejada redução da jornada.
Exemplo disso é que as reduções na Alemanha, França e Espanha
não conseguiram reverter as taxas de desemprego – apenas
amenizaram o problema, o que já é uma vitória na fase atual do
capitalismo. A microeletrônica e as técnicas gerenciais permitem
o aumento da produção com um número bem menor de trabalhadores.
Quando a redução é conquistada, o capital intensifica o ritmo de
trabalho.
Esses limites, porém, não devem jogar os trabalhadores no
imobilismo e na apatia. A experiência mundial indica que é
possível obter avanços, mesmo que parciais e temporários, na
luta contra os efeitos da automação. Além disso, deixar de
apresentar propostas concretas que abordem o problema, levaria
os que não se iludem com o capitalismo ao total isolamento. O
seu discurso cairia no vazio, dando espaço para os que defendem
apenas reformas no sistema. Reformas, inclusive, que o novo
paradigma produtivo torna inviáveis, já que a exclusão de
milhões do mercado de trabalho e de consumo lhe é algo
intrínseco.
Ao aprofundar a contradição entre apropriação privada e produção
social, o avanço da automação indica que é cada vez mais
necessário vincular as lutas imediatas às lutas por
transformações revolucionárias – pelo fim do sistema
capitalista. O discurso e prática reformistas, predominantes no
sindicalismo europeu, só desarmam os trabalhadores diante da
ofensiva do capital.
Segundo documento da própria Organização Internacional do
Trabalho (OIT), o que se observa em vários países europeus é a
generalização da concession bargaining – a concessão barganhada.
Diante da difusão da microeletrônica, os sindicatos vinculados à
socialdemocracia aceitam os cortes salariais e até mesmo as
perdas negociadas do nível de emprego. Sem qualquer perspectiva
de transformação do sistema, eles se submetem à lógica
trituradora do capitalismo sem oferecer uma resistência mais
global e combativa.
Do ponto de vista do sindicalismo classista, o avanço da
microeletrônica indica a necessidade de reforçar os sindicatos.
Como atesta a Federação dos Metalúrgicos Italianos (Fiom), “nos
países industrializados, inclusive na Itália, a nova fase
tecnológica coincidiu com uma iniciativa empresarial
avassaladora que destruiu relações industriais consolidadas.
Foram e são instrumentos dessa ofensiva tanto as demissões em
massa quanto um novo estilo gerencial caracterizado pela
agressividade anti-sindical”.
Mais do que nunca, também é preciso garantir a autonomia dos
trabalhadores frente às políticas patronais de cooptação. É
necessário ainda priorizar a organização de base, aumentando a
representatividade sindical nos locais de trabalho. Outro grande
desafio dessa nova fase é o da integração dos operários
produtivos com técnicos, disputando ideologicamente esse setor e
elevando a sua consciência de classe.
Realidade brasileira
Esses desafios já estão colocados para o sindicalismo
brasileiro. Segundo Álvaro Dias, “o Brasil é o país latino-
americano que mais rapidamente avança na produção e instalação
de novas tecnologias”. É verdade que esse avanço ainda é
limitado, principalmente em função do baixo custo do trabalho.
Mas a questão salarial não deve ser absolutizada. É só lembrar o
Japão, aonde o salário médio na indústria também é baixo (38%
menor do que nos EUA e 33% menor do que na Alemanha), mas a
automação foi meteórica.
Com a maior integração do mercado capitalista, outros fatores
forçam a rápida automação. O que se nota é que a microeletrônica
está sendo intensificada no Brasil em função da concorrência
internacional. Ela se vincula, por exemplo, à fabricação do
carro mundial – seja o produzido num único país para exportação
ou o fabricado de maneira integrada em plantas industriais
espalhadas por todo o mundo. As exportações teriam, assim, papel
predominante nesse acelerado processo de introdução de novas
tecnologias.
Se hoje, segundo cálculos parciais, somente 20% dos operários
brasileiros estão em contato direto com a microeletrônica, a
tendência é do seu crescimento. Para complicar, essa difusão
ocorre exatamente aonde o sindicalismo tem mais força – nos
setores de ponta da economia. “Em conseqüência”, diz Álvaro
Dias, “os setores mais avançados dos trabalhadores se confrontam
com um novo desafio. A grande maioria dos trabalhadores não se
enfrenta ainda com as novas tecnologias, mas esta já é a
vivência dos que trabalham nas grandes empresas e que constituem
a base fundamental de apoio do sindicalismo brasileiro”.
Como se observa, as profundas mudanças no mundo do trabalho
afetam a materialidade e a subjetividade de classe dos
trabalhadores. Não há como escapar dessa tendência, que faz
parte da própria lógica do capital na busca incessante de maior
produtividade e menor custo – visando o aumento da
lucratividade. Essas mudanças colocam novos desafios para a luta
sindical, operária e socialista. Elas requerem novas formas de
luta, de organização, de linguagem e de abordagem da classe. O
esforço é no sentido de superar a concorrência entre os
trabalhadores, dando-lhes um sentido de pertencimento à única
classe que pode cumprir a missão histórica de superar o sistema
destrutivo e regressivo do capital.
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do
PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro
“A reforma sindical e trabalhista no governo Lula” (Editora
Anita Garibaldi).
Bibliografia
- Marques, Rosa Maria. “Automação microeletrônica e o
trabalhador”. Editora Becal, São Paulo, 1985.
- Neder, Ricardo Toledo. (org.). “Automação e movimento sindical
no Brasil”. Editora Hucitec, São Paulo, 1988.
- Schmitz, Hubert e Carvalho, Ruy de Quadros. (org.) “Automação,
competitividade e trabalho: A experiência internacional”.
Editora Hucitec, São Paulo, 1988.
- Oliveira, Graziela. “Do conformismo à reação: O trabalhador
diante da automação do trabalho”. Mimeo.
- Maggioloni, Piecarlo. “As negociações trabalhistas e a
introdução de inovações tecnológicas na Europa”. Editora Vozes,
Rio de Janeiro, 1988.
- Gauzner, N. “O capitalismo e as conseqüências sociais da
revolução técnico-científica”. Editora Estampa, Lisboa, 1975.
- Lojkine, Jean. “A classe operária em mutações”. Editora
Oficina de Livros, Belo Horizonte, 1990.
- Coriat, Benjamim. “A revolução dos robôs”. Editora Busca Vida,
São Paulo, 1989.
- Rebecchi, Emílio. “O sujeito frente à inovação tecnológica”.
Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1990.
- Braverman, Harry. “Trabalho e capital monopolista” Editora
Zahar, Rio de Janeiro, 1980.
https://www.alainet.org/es/node/111805
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