Tática patronal na reforma sindical
30/03/2005
- Opinión
Enquanto os trabalhadores se apresentam divididos na batalha da reforma
sindical – as cúpulas da CUT e da Força Sindical defendem, mas parcelas
de suas bases e o restante do sindicalismo criticam o projeto do governo
–, os empresários estão coesos e já definiram uma ardilosa estratégia de
ação para fazer vingar os seus interesses de classe. Em síntese, ela
consiste em bombardear os poucos pontos positivos da “proposta de
consenso” elaborada no Fórum Nacional do Trabalho (FNT) e, aproveitando-
se das brechas, em exigir a imediata discussão da flexibilização das
leis trabalhistas. A jogada é matreira e pode causar estragos!
Em 15 de março, cerca de 350 empresários participaram do seminário “A
indústria e a reforma sindical”, patrocinado pela Confederação Nacional
das Indústrias (CNI) e por sua seção paulista, a Fiesp. O evento
unificou posições e traçou o plano de ação desse milionário lobby no
parlamento. Como revela a própria Fiesp, “a indústria brasileira uniu-se
para conquistar um objetivo comum: quer que as reformas sindical e
trabalhista aconteçam concomitantemente. O governo elegeu a reforma
sindical como prioritária, mas a implementação em separado pode gerar
desequilíbrio e distorção nas relações de trabalho” [1].
Manobra astuta
Habilidoso, o capital elogia o “projeto de reforma sindical apresentado
pelo governo”, destacando “como pontos positivos a quebra do monopólio
decorrente da unicidade, o fim do imposto sindical, o estímulo à
negociação coletiva e a simplificação do sistema de resolução de
conflitos”. Mas centra seus ataques em cinco dos 238 artigos do projeto:
a substituição processual que permite ao sindicato acionar judicialmente
as empresas em nome dos trabalhadores; a proposta da regulamentação
futura da representação nos locais de trabalho; a ampliação do número de
dirigentes sindicais com estabilidade no emprego; as alterações na
Comissão de Conciliação Prévia; e o poder do sindicato de questionar os
acordos coletivos [2].
No caso da substituição processual, argumenta que ela “vai estimular
mais conflitos, criar mais passivos e desvalorizar as empresas
brasileiras. Poderá até afugentar investimentos, quando o investidor
estrangeiro tomar conhecimento de que o sindicato pode,
independentemente de quem represente, acionar a empresa sobre qualquer
assunto”, chia Armando Monteiro, presidente da CNI [3]. Já no tocante à
organização nos locais de trabalho, o capital não quer nem ouvir falar.
Nem a confusa redação do projeto, que postergou a regulamentação desse
direito e distorceu seus objetivos, é tolerada. “As empresas precisam de
operários profissionalizados e não de funcionários politizados”,
esbraveja Jorge Gerdau, o magnata da siderurgia.
Sob o falacioso argumento de que esses dispositivos reforçam o poder
sindical no Brasil, os empresários exigem uma compensação imediata: a
flexibilização das leis trabalhistas. Para impor essa mudança, que é
essencial para seu projeto de redução dos custos operacionais e de
aumento da lucratividade, o capital está disposto a comprar briga com o
governo e pressionar intensamente os deputados federais e senadores. “A
nossa estratégia passa por uma ação forte no Congresso no sentido de
mostrar que sem reforma trabalhista não pode ter reforma sindical. Se
chamam isso de abortar, então é abordar”, revelou o presidente da Fiesp
(Federação das Indústrias de São Paulo), Paulo Skaf, o “lulista” que não
relega seu instinto de classe [4].
Para fazer vingar essa astuta manobra, o patronato já conta com o
entusiástico apoio da imprensa venal e dos seus intelectuais orgânicos.
A campanha midiática será implacável. Para a revista Exame, “o governo
deveria ter centrado esforços não para mudar os sindicatos, mas para
tocar a reforma trabalhista, muito mais importante para o país”. Mesmo
elogiando a “novidade positiva do fim da unicidade”, este panfleto
empresarial conclama o parlamento a “aproveitar os pontos positivos da
proposta e, espera-se, a se livrar de tudo o que tem de ruim” [5]. Até o
ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, o sinistro Almir
Pazzianotto, já saiu do limbo para dizer que a reforma sindical é
“inadmissível” sem a extinção da CLT.
Gosto de sangue
Na verdade, o patronato nunca concordou com a opção do FNT de iniciar a
reforma pela questão sindical. Desde a montagem do fórum tripartite, em
julho de 2003, exigiu que ele tratasse primeiro das alterações na
legislação trabalhista. Seu objetivo declarado era flexibilizar direitos
e enterrar de vez a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Diante da
aliança pontual entre os representantes do governo e das centrais
sindicais, as entidades empresariais até ameaçaram deixar o FNT. Só
recuaram porque o governo, naquela ocasião, jogou duro. Lembrou que não
há no mundo nenhuma experiência de sindicalismo patronal e até ameaçou
cassar o registro legal das entidades empresariais que se ausentassem do
fórum [6].
Diante do risco do fim da mamata das contribuições financeiras, elas
mudaram de tática. Tentaram de todas as formas inviabilizar uma reforma
sindical progressista e, no final do processo, conseguiram vários recuos
do governo. Agora, entretanto, aproveitando-se da cisão no sindicalismo
e da confusão nas hostes governistas, o capital quer mais sangue! Como
observa o sociólogo Ricardo Antunes, ele não aceita ceder absolutamente
nada. “De 238 artigos, é evidente que existem alguns pontos,
relativamente, positivos para os trabalhadores, mas eles são pífios
frente ao que tem de negativo. O patronato está recusando apenas quatro
ou cinco pontos do projeto porque percebeu que, no seu conjunto, a
reforma é boa para ele” [7].
Além disso, o empresariado sabe que conta com esmagadora maioria no
parlamento, que a vida é sererina para os trabalhadores no terreno
institucional. Por isso, ele não vacila em exigir a “limpeza” do projeto
da reforma sindical e ainda quer emplacar a tão sonhada reforma
trabalhista. Tem consciência de sua força para chantagear o governo com
os seus “300 picaretas”, bloqueando a própria reforma sindical desenhada
pelos apologistas da “livre negociação” no Ministério do Trabalho. A
batalha no Congresso Nacional não será nada fácil para o sindicalismo.
Ou ele intensifica a pressão contra os retrocessos da reforma sindical e
desmascara a ardilosa manobra patronal, ou depois não adiantará chorar o
leite derramado. Já será tarde!
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB,
editor da revista Debate Sindical e organizador do livro “A reforma
sindical e trabalhista no governo Lula” (Editora Anita Garibaldi).
Notas
1- Fernanda Cunha. “Empresários querem que reformas caminhem juntas”.
Agência Fiesp, 15/03/05.
2- Sérgio Prado. “Empresários criticam reforma sindical”. Jornal Gazeta
Mercantil, 14/03/05.
3- Claudia Rolli. “Reforma sindical vai aumentar custos, diz industria”.
Folha de S.Paulo, 16/03/05.
4- César Felício. “Empresários temem república sindical”. Folha de
S.Paulo, 16/03/05.
5- Gustavo Paul. “Toda força aos sindicatos”. Revista Exame, 11/03/05.
6- Altamiro Borges. “A batalha da reforma sindical”. Portal Vermelho,
01/02/05.
7- Luís Brasilino. “Reforma sindical é um desastre para os
trabalhadores”. Correio da Cidadania, 03/05.
https://www.alainet.org/es/node/111704?language=en
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