Grito dos Excluídos
Ás vezes, governo Lula não é patriótico", diz Stedile
07/09/2004
- Opinión
Em entrevista concedida a jornalistas durante o Grito
dos Excluídos, em Aparecida do Norte (SP), no 7 de
setembro, Dia da Independência, o membro da Coordenação
Nacional do MST acusou determinados setores do governo
federal – principalmente a área econômica – de
antipatriotismo.
Aparecida do Norte (SP) – O Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra integra a organização do Grito dos
Excluídos desde seu início. Presente ao ato deste ano em
Aparecida do Norte (SP), João Pedro Stedile, membro da
Coordenação Nacional do MST, conversou com alguns
jornalistas. Nesta entrevista, ele fala da importância do
protagonismo da população para as mudanças sociais e, em
Dia de Independência, critica o pagamento da dívida
externa, as negociações da Alca e a falta de patriotismo
de determinados setores do governo Lula. Leia a seguir os
principais trechos desta conversa feita no pátio do
Santuário de Nossa Senhora Aparecida.
O presidente exaltou nos jornais a importância do
patriotismo do brasileiro. É possível ser patriota quando
o país ainda enfrenta tantos problemas sociais. Isso não é
contraditório?
João Pedro Stedile – São duas coisas diferentes. O
patriotismo e a soberania nacional nós temos que defender
todos os dias. E o governo deveria dar o maior exemplo
disso em todos os momentos. O que posso criticar é que
várias áreas do governo Lula estão afetando a soberania
nacional, como é o caso dos leilões dos poços de petróleo,
que entregaram nossa riqueza para as multinacionais. Está
na Constituição que o petróleo é nosso. Mas o governo fez
uma licitação e o entregou para empresas multinacionais.
Isso não é patriotismo. Em outros momentos, nossa política
econômica é de uma total subserviência aos interesses do
Fundo Monetário Internacional. O representante do Fundo,
que representa na verdade o interesse dos banqueiros
internacionais, veio aqui e o governo bateu palma. Isso é
antipatriotismo. O governo deveria fazer auto-crítica.
Patriotismo não é só cantar o hino e reverenciar a
bandeira. Patriotismo é defender em primeiro lugar os
interesses do povo brasileiro. E cada vez que o governo
atende antes aos interesses da banca internacional, das
multinacionais, do que os interesses do povo, ele não está
sendo patriótico.
Outra coisa são os problemas sociais, que temos que
resolver entre nós. Não adianta apelar para a auto-estima.
O problema social a gente resolve mudando a política
econômica e discutindo um novo modelo de desenvolvimento
para o país.
Por que o MST é contra a Alca?
JPS – A Alca significa entregar a nossa economia, nossa
moeda, nossa cultura. Até as universidades vão ser
privatizadas pelo capital estrangeiro se a Alca acontecer.
Felizmente, para vocês verem como não sou tão sectário, o
próprio governo está dividido em relação à Alca. A área
econômica quer a Alca, mas o Itamaraty, não. Então faço um
elogio e agradeço a coragem do nosso ministro e do
negociador brasileiro lá na Alca, que tem sido um firme
defensor dos interesses do Brasil. Neste campo da
negociação nós temos que cumprimentar a atitude do
Itamaraty. A Alca vai afetar inclusive os interesses da
burguesia industrial. A nova chapa que venceu as eleições
da Fiesp já disse que não pode aceitar negociações que
abram as exportações de produtos agrícolas em troca de
abrir o mercado brasileiro de produtos industriais.
Como deve atuar a campanha Meu Voto é Contra a Alca
(lançada durante o Grito dos Excluídos por diversos
movimentos sociais) daqui até as eleições?
JPS – O principal objetivo da campanha é levar informação
para o povo. Essa é a nossa missão. Então vamos aproveitar
o dia da eleição, quando as pessoas naturalmente param
para pensar e discutir política para distribuir panfletos
que expliquem as consequências do acordo. Além de exercer
o direito cívico de votar, depois que sair das urnas cada
brasileiro poderá ir para casa lendo essas informações.
Além de você escolher um bom vereador e um bom prefeito,
você tem que participar de outros problemas nacionais
também. Então vamos usar esta data como um momento de
trabalho pedagógico, para que a população tenha mais
informação, já que os patrões de vocês (dos jornalistas)
sonegam sistematicamente as informações sobre a Alca na
grande imprensa.
Outro ponto colocado pelo Grito dos Excluídos é o não
pagamento da dívida externa. Que avaliação você faz desse
processo?
JPS – A dívida externa é um dos mecanismos que o capital
internacional tem para sugar parte da riqueza do povo
brasileiro. Hoje o capitalismo é dominado pelo capital
financeiro internacional. Todo mundo sabe que o Brasil não
precisa de capital estrangeiro. O Brasil é exportador de
capital. Todos os anos saem do Brasil 50 bilhões de
dólares de várias formas: uma é o pagamento de juros da
dívida externa, outra é através do envio de lucro das
multinacionais, outra é a própria remessa da poupança
nacional pela burguesia brasileira. Essa burguesia é tão
nojenta e antipatriótica que a Receita Federal revelou, no
início do ano, que apenas 12 mil brasileiros têm
depositados no exterior 82 bilhões de dólares. Então tem
brasileiro que também é antipatriótico, que em vez de
deixar o seu dinheiro na poupança nacional para financiar
a moradia manda depositar no exterior.
Você ainda tem esperança de que a reforma agrária aconteça
neste governo?
JPS – Se o povo não tiver esperança ele se suicida. O
trabalho do movimento social é pregar a esperança. Não a
esperança retórica: "fique rezando apenas para a Nossa
Senhora Aparecida que aí você vai solucionar o nosso
problema". Você pode rezar, claro, mas vamos nos
organizar. O papel dos movimentos sociais é organizar o
povo, não só para não perder a esperança, mas porque
mudanças só vão acontecer se o povo se organizar.
Qual a sua avaliação sobre os dez anos do Grito dos
Excluídos?
JPS – O Grito dos Excluídos se transformou num verdadeiro
patrimônio do povo pobre do Brasil, porque conseguiu
unificar, de uma maneira plural, através das pastorais
sociais, todas as formas de organização social do nosso
povo, desde o movimento sem terra, a CUT, os partidos e as
pastorais. Em segundo lugar porque o Grito dos Excluídos,
nesses dez anos, foi uma grande escola itinerante, uma
escola de civismo, de conscientização social. Ele levou
formação e informação, porque é disso que o nosso povo
precisa. É ter conhecimento das causas dos seus problemas
para, com essa consciência, poder se organizar e lutar.
Então o Grito dos Excluídos é um pequeno grande professor
que, ao longo do ano e nessa Semana da Pátria, ensina o
povo a se conscientizar e a lutar.
No início, o Grito perguntava para a população se o Brasil
era independente ou não. Hoje há uma bandeira contra a
Alca no Grito. O Brasil está mais independente?
JPS – A economia brasileira continua cada vez mais
dependente. As instituições governamentais continuam cada
vez mais dependentes. Um exemplo foi a visita do
representante do FMI essa semana. Ele se comportou como um
vice-rei visitando a colônia e cobrando prestação de
contas. Mas o povo está mais consciente, o povo está mais
brasileiro, mais corajoso, mais confiante de que é preciso
mudar e de que essa mudança depende dele. No início do
Grito faltava até consciência de soberania, da necessidade
da independência. Agora nós já temos essa consciência como
povo. Falta ainda melhorar nossa organização para
enfrentar os problemas.
Essa organização precisa acontecer porque o governo não é
popular?
JPS – O governo é meio popular e meio burguês. A área
econômica do governo Lula é claramente favorável ao
neoliberalismo, e me poupem de dar o nome dos ministros
porque vocês sabem mais do que eu. E metade do governo é
popular, naqueles ministros que vieram de origem social e
que estão com os ministérios sociais. Eu acredito, torço e
espero que daqui pra adiante – ou seja, daqui até o
próximo Grito, e depois das eleições – haja um processo de
definição desse governo. Qual dos dois modelos ele quer?
Ele quer continuar com o modelo neoliberal, que só vai
aumentar os problemas do povo, ou ele vai discutir com o
povo um novo projeto de desenvolvimento para reorganizar a
economia brasileira em favor da solução dos problemas do
povo? Esse é o grande desafio que vai estar colocado a
partir de outubro para o governo brasileiro.
Enquanto isso não acontece o Grito dos Excluídos continua?
JPS – Enquanto houver povo brasileiro, enquanto houver
gargantas, exerceremos nosso direito de gritar e de nos
expressar. Espero que os problemas diminuam, para que o
nosso grito possa diminuir também.
* Bia Barbosa. Carta Maior, 8.9.2004
https://www.alainet.org/es/node/110536?language=en
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