Vida e morte do nacionalismo?
22/06/2004
- Opinión
Houve algo mais do que o simples elogio na morte, nas
palavras a respeito da morte de Brizola nesta semana. O
sentimento de perda de algo mais do que simplesmente de um
líder político isolado bateu em muitos, sem precisar com
clareza o que se perdia ali, algo mais do que simplesmente um
pedaço da vida de cada um.
Lembro-me do momento da morte de Perón, em 1974, na
Argentina. Choravam todos, convulsivamente, inclusive seus
maiores adversários. Em artigo para o jornal La Opinión, um
membro do Partido Radical, férreo e histórico inimigo de
Perón, dizia que "naquela carreta que leva o seu corpo, vai
metade da minha vida". Até mesmo os que haviam dado sentido à
sua vida política na luta contra Perón e o peronismo, se
sentiam órfãos com aquela morte. Porém, a massa de
trabalhadores argentinos sabia muito mais do que isso, sabia
que perdiam o governante essencial do país, aquele que lhes
haviam liderado na conquista de seus direitos fundamentais –
entre os quais o essencial direito ao pleno emprego.
Com Brizola não acontece algo assim - que sucedeu com
Getúlio -, porque ele não chegou a ocupar o lugar de
protagonismo em escala nacional que Perón e Getúlio tiveram.
Brizola acumulou inimigos, em geral por boas razoes, mas
mesmo não tendo chegado à presidência do Brasil, sua
trajetória foi tão significativa que deixou um vazio saudado
por alguns, chorado por outros, como o "fim de uma era".
Brizola representava a continuidade de uma corrente
fundamental na vida brasileira, aquela que mais contribuiu
positivamente na história do nosso país – o nacionalismo. A
transformação da fisionomia do Brasil, entre os anos 30 e 80
do século passado é produto, direto e indireto, do projeto
nacional formulado e posto em prática pelo governo de Getúlio
e pelo movimento que se gestou a partir dali. De país agrário
passamos a país industrializado, de país rural a país urbano,
de massa de trabalhadores atomizados pelo campo à existência
de uma massa de trabalhadores sindicalizados, no campo e na
cidade, de um Estado intermediador das elites exportadoras a
um Estado indutor do desenvolvimento, de um Estado que
considerava "a questão social como questão de polícia" a um
Estado que assumiu a responsabilidade na afirmação e
generalização de direitos.
Não por acaso, quando Fernando Henrique Cardoso assumiu
plenamente o projeto neoliberal no Brasil, disse que ia
"virar a página do getulismo". Porque só passando por cima do
cadáver do Estado regulador e indutor do desenvolvimento, do
Estado dos direitos sociais, do Estado responsável pela
produção e distribuição de bens essenciais e estratégicos,
dos empregos com contratos formais de trabalho, é que o
liberalismo poderia se afirmar.
A hegemonia neoliberal e seu projeto de globalização
decretaram a morte do nacionalismo? Da forma como havia
existido até ali, provavelmente sim. O enfraquecimento da
capacidade de intervenção dos Estados periféricos na economia
e no mercado mundial aponta nessa direção.
Porém, as novas necessidades dos países periféricos
impõem novas funções a seus Estados. A indispensável
integração regional para buscar uma inserção mais favorável
no plano internacional e ganhar melhores condições de
desenvolvimento interno – como o projeto do novo Mercosul,
por exemplo – solicita a nossos Estados assumirem a cabeça
desses processos de integração. Da mesma forma, a luta de
resistência contra a exclusão de direitos imposta maciçamente
pelo neoliberalismo precisa do Estado como instância que pode
garantir os direitos sociais e culturais da massa da
população vítima do neoliberalismo e suas políticas fundadas
no mercado.
Um projeto de desenvolvimento integrado seria a nova forma de
afirmação do nacionalismo, agora de caráter regional – como o
que o embaixador brasileiro na Argentina, José Botafogo
Gonçalves propõem e como os projetos que o Fórum Social
Panamericano discutirá em Quito no final de julho consideram.
Os valores e a estratégia nacional ganharam novos espaços e
novas feições na luta contra a globalização neoliberal.
A luta por um "outro mundo possível" passa por projetos de
integração supranacional, com participação democrática dos
movimentos sociais e populares, como continuação, atualizada,
da luta dos que se engajaram na construção da identidade
nacional brasileira – combate em que Brizola teve um lugar
destacado.
https://www.alainet.org/es/node/110134?language=en
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