Lições dos migrantes
16/06/2004
- Opinión
No próximo Domingo, dia 20 de junho, se comemora o Dia do
Migrante. Ele culmina toda uma semana dedicada a eles pela CNBB.
Desta vez, a Semana do Migrante assumiu o mesmo tema da Campanha
da Fraternidade, relacionando água com migrações. A busca da água
simboliza a busca da vida, que é a motivação básica que explica a
existência das migrações.
Assim, o enfoque da Campanha da Fraternidade nos leva direto ao nó
central das migrações. Elas expressam a necessidade de
sobrevivência, e denotam o dinamismo dos que se põem a caminho,
dispostos a encontrar, seja onde for, um lugar para viver.
As migrações são, antes de mais nada, um sinal positivo. Denotam
vitalidade, expressam coragem, revelam iniciativa, e suscitam
transformações. Onde chegam, os migrantes trazem vida. Eles são
símbolo da energia que faz a humanidade ir em frente, abrindo
caminhos para o seu futuro.
Prova desta vitalidade são as transformações positivas deixadas
pelos migrantes em nosso país. O Brasil não seria o que é, sem a
expressiva contribuição dos migrantes, seja vindos de outros
países nas levas migratórias do final do século dezenove e início
do século vinte, seja os migrantes internos, que dinamizaram com
seu trabalho tanto as regiões industrializadas como as novas
fronteiras agrícolas no interior do país. E' por isto que os
migrantes merecem acolhida. Eles trazem vitalidade, e despertam
para transformações que se fazem necessárias.
O mundo está vivendo agora um novo surto migratório, de grandes
proporções.
Populações inteiras da África estariam dispostas a atravessar o
mediterrâneo em direção à Europa. Da mesma forma, uma multidão de
latino-americanos pressionam as fronteiras que separam os Estados
Unidos do México.
O próprio Brasil está se tornando um país de emigração. Calcula-se
em dois milhões os brasileiros vivendo em outros países, sobretudo
nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Mas como a maioria
deles estão em situação irregular, dificultando desta maneira o
seu recenseamento exato, é muito provável que seu número já seja
bem maior. Certas situações são sintomáticas. A região do Vêneto,
na Itália, por exemplo, conta com numerosos brasileiros
descendentes de italianos, que inclusive possuem dupla cidadania,
e deixam assim de ser contabilizados como migrantes.
Toda vez que acontece um grande fluxo migratório, a história o
comprova, é prenúncio de grandes transformações. Assim foi no
final do império romano, com a chegada dos "bárbaros", que na
verdade eram migrantes dispostos a revitalizar as estruturas
caducas da dominação romana. Assim foi na Europa com a chegada da
revolução industrial. As migrações apontam para a necessidade de
mudanças em profundidade, para que o mundo se torne de novo
habitável.
As tensões vividas hoje em torno das migrações, acabam denotando a
contradição maior que o sistema econômico está hoje impondo ao
mundo. Ele propugna a livre circulação do capital, e a restrição
de movimentação das pessoas. Não há flagrante mais evidente da
perversidade do sistema do que este contraste entre a liberdade
total do dinheiro, e a restrição das pessoas. O capital pode
circular à vontade, para auferir os ganhos proporcionados pela
especulação, favorecida pela extrema dependência financeira em
que caíram os países pobres com a arapuca do endividamento
externo. Ao passo que se restringe a circulação das pessoas, para
impedi-las de participar dos frutos do desenvolvimento,
sustentado em países privilegiados pelo ganho do capital.
Contra esta nova dominação se insurgem os migrantes. Eles se
constituem em profetas das mudanças. Eles são advogados do direito
à vida. São parceiros da luta por um mundo solidário, onde haja
espaço para todos viverem com dignidade.
* D. Demétrio Valentín e Bispo de Jales, SP
https://www.alainet.org/es/node/110100
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