Dia das maes dua a dor esquecida

09/05/2004
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Para as jovens mulheres de hoje, a maternidade chega - quando chega - cada vez mais tarde. Bem após os trinta anos, às vezes com quarenta, já com uma carreira promissora e talvez alguma economia acumulada, elas se decidem a enfrentar a gravidez, que passa a ser a última das opções existenciais. Antes disso a vida terá que estar toda estruturada, organizada. O futuro assegurado, uma boa poupança bancária, não deixando brechas para surpresas indesejáveis. Só então virá o filho, que será apenas um, no máximo dois. Fui mãe pela primeira vez aos 20 anos de idade. Não havia lido muitos manuais de como cuidar de um bebê, até porque nem tive muito tempo para isso. Casei-me, após um ano de namoro, com um estrangeiro que me levou para viver fora do país durante dois anos. Após três meses, morando em um apartamento alugado de estudantes na França, soube que estava grávida. Não tínhamos um tostão e contávamos apenas com a ajuda de nossos pais até que meu marido terminasse seus estudos e pudesse começar a ganhar um salário. Era uma rematada loucura ter um filho naquelas condições. E, no entanto, não lembro de ter tido muitos dias tão felizes ao longo da vida como aquele em que fui buscar o resultado do exame, e era positivo. Saí andando pelas ruas chamando a mim mesma de "mamãe", sentindo-me habitada e realizada. É evidente que nem tudo são flores na jornada perene da maternidade. Noites em claro, doenças inexplicáveis, temores, terrores noturnos. E depois a adolescência, a preocupação, os namorados, o fantasma da droga, as notas baixas no colégio, a aflição do vestibular. Mas em meio a tudo isso, como é bela a dinâmica da vida e da fecundidade que caminha em movimento incessante, enchendo a casa de ruído e relações, sem muitos cálculos ou previsões, sempre surpreendendo, às vezes assustando, muitas vezes encantando. A cultura em que vivemos acabou com tantas coisas indispensáveis à saúde mental e espiritual nossa de cada dia. Conseguirá também acabar com a paixão instintiva e congênita que toda mulher tem pelo milagre da vida inscrito em seu corpo? Desde que o mundo é mundo, a mulher sente como seu maior tesouro, sua maior potência, a possibilidade de, em suas entranhas , gerar e dar à luz uma nova vida. O que se nota hoje, no mundo fragmentado e extremamente individualista em que vivemos, é que a chegada de um filho muitas vezes é vista como um estorvo: para a carreira, que no sistema neoliberal não perdoa a gravidez da mulher e a deixa desempregada após a licença-maternidade; estorvo para o corpo, escravo dos padrões de magreza ditados pela moda, que nunca mais será o mesmo depois do parto; estorvo para uma pretensa liberdade do casal, que bate a porta de casa e viaja incessantemente para terras do norte, enquanto não tem um bebê para cuidar. Estorvo para uma geração que odeia compromissos a longo prazo, que não suporta sentir-se tolhida em sua pretensa autonomia, que organiza o deserto em torno de si mesma ao tentar prever e prevenir tudo, mesmo o imprevisível. Estorvo talvez porque um filho custa caro e será preciso dividir o dinheiro que já não sobrará como antes, com a chegada do recém nascido. Vivemos num mundo onde o aborto vai sendo legalizado cada vez em maior número de países; onde as mulheres vão em massa para a frente da Casa Branca protestar porque o presidente Bush declarou-se contra o mesmo; onde a recusa do filho e da prole passou a ser uma constante para muitos casais, que optam por não procriar e em vez disso cuidar de um cachorro ou um gato. A vida humana já não é mais bem-vinda, querida, ansiosamente esperada. E, no entanto, o evangelho teima em contar-nos que Jesus, já próximo de sua paixão, consola os discípulos tristes com sua partida comparando seus sentimentos aos de uma mulher grávida que dá à luz. "Chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará. Mas depois a vossa alegria, ninguém mais vos poderá tirar. É como a mulher que quando vai dar à luz chora ao saber que chegou a sua hora, mas depois nem se lembra mais da dor, diante da alegria de ter posto um filho no mundo." Ao comemorar o dia das mães, é urgente procurar recuperar a fertilidade, a fecundidade da vida humana. Fomos criados para dar vida, para reproduzir-nos, para povoar a face da terra. Se nos negamos a isso, estamos nos condenando irremediavelmente à morte por esterilidade e por atrofia de nossas capacidades corpóreas e humanas. Em meio a uma cultura esterilizante e desumanizadora, celebrar a maternidade é celebrar a dor rapidamente esquecida que dá lugar à alegria que nunca passará. VISITE O NOSSO SITE - wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape.
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