Luta, dignidade e conquista marcam a história de resistência do
maior movimento social da América Latina
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra está em festa. São 20
anos de luta pela Reforma Agrária e pela busca de igualdade e
justiça social. Trabalhadores rurais de 23 estados brasileiros estão
reunidos em São Miguel do Iguaçu, no Paraná por ocasião do XII
Encontro Nacional do MST, que teve início no dia 19 e segue até 24.
O encontro está sendo realizado no assentamento Anatônio Tavares,
ex-fazenda do extinto Banco Bamerindus. Este período marca o
aniversário do Movimento que teve sua fundação em Cascavel, no
Paraná, em 1984. Cerca de 1200 pessoas, entre militantes e
colaboradores do Movimento, vão avaliar a luta pela reforma agrária
e os desafios que se apresentam na atual conjuntura.
Hoje (22/1) às 20h será realizada uma celebração para comemorar os
20 anos do MST. O evento vai contar com as presenças do Secretário-
Geral da Presidência da República, Luiz Dulci; do Desenvolvimento
Agrário, Miguel Rossetto; do presidente do Incra, Rolf Hackbart; do
ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral; do secretário de
Inclusão Educacional do MEC, Osvaldo Russo; presidente da usina
Itaipu Binacional, Jorge Samek; além de parlamentares como o senador
Eduardo Suplicy e a senadora Heloísa Helena.
Na cerimônia de abertura uma celebração relembrou a dura histporia
da luta pela terra de milhares de sem terra no decorrer dos 20 anos.
Lideranças históricas do Movimento e representantes de entidades
nacionais e internacionais reafirmaram os princípios e objetivos da
luta do povo, além de homenagear os lutadores e organizações dos
quais o MST é fruto.
O evento contou com a presença de personalidades como Anita Freire,
viúva do pedagogo Paulo Freire, um dos maiores colaboradores e
defensores na construção do MST; a lendária Elizabete Teixeira,
dirigente das Ligas Camponesas, hoje com 79 anos e esposa do líder
assassinado João Pedro Teixeira, reprensentou as lutas que
antecederam o Movimento; bispo D. Orlando Dotti, da CPT; o belga
Dirk Habib, representando os comitês de apoio internacional; Luiz
Marinho, da CUT; Maurício de Andrade, da Ação Cidadania; Luiza
Kurrín, da Via Campesina Internacional; representante da Pastoral
Luterana e UNE; Nalú Faria, da Marcha das Mulheres e João Pedro
Stédile, da Coordenação Nacional do MST. Na ocasião todos reforçaram
a solidariedade e o apoio à luta dos trabalhadores rurais.
Durante o discurso de abertura, João Pedro Stedile, enfatizou que só
se faz Reforma Agrária por meio da luta coletiva e de massa, "a
única coisa que pode mudar a sociedade é povo organizado.
Ele mostro que, na trajetória do MST no início os trabalhadores
achavam que bastava conquistar a terra. Depois perceberam que que
existem outras cercas no caminho. "Não basta derrubar as cercas e
conquistar a terra. É preciso derrubar as da ignorância, do capital
e, de dois anos para cá, descobrimos que é preciso também derrubar
mais uma cerca: a da tecnologia das multinacionais que nos impõe as
sementes transgêncicas. Se perdemos o patrimônio das sementes, de
nada adiantará conquistarmos a terra e o capital. Aqui no Brasil, o
camponês tem que lutar contra os transgênicos, nem que tenhamos que
ir à guerra."
Para finalizar, Stedile reforçou que o Encontro deve servir para
compreender o momento político atual e afirmou que MST está diante
de desafios muito maiores, sendo preciso ajustar cada vez mais, as
lutas do Movimento com a agenda de outros setores da sociedde.
A história do assentamento onde está sendo realizado o Encontro
acentua mais a simbologia da evolução do Movimento. A área de 1098
hectares era uma antiga propriedade que pertencia ao dono do Banco
Bamerindus e que foi ocupada pelo MST para evitar que a fazenda
entrasse com preço sobrevalorizado como parte do pagamento da dívida
do banco à União, quando este faliu em 1997.
A desapropriação só veio definitivamente em 2002, quando o Banco
Central transferiu a fazenda para o Incra, disponibilizando a terra
para a Reforma Agrária. Idelmar Gonçalves da Silva, morador do
Assentamento, comemora a desapropriação da fazenda. "O assentamento
é uma conquista e uma referência para quem nos apoiou, ainda mais
depois de oito anos de governo Jaime Lerner, quando os sem terra
eram liquidados".
Para João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, o retorno
à região sudoeste do Paraná, tem uma carga simbólica muito forte.
"Retornar a esse local após 20 anos simboliza conquistas da luta
pela terra. Para se ter uma idéia, hoje, nos nossos quase cinco mil
assentamentos nenhuma criança passa fome. Poder completar 20 anos
aqui nos anima para a lutar por mais 100", comemora Rodrigues.
História
Em 1984 um grupo de 80 representantes de organizações camponesas de
13 estados brasileiros se reuniram em um igrej próxima à cidade
paranaense de Cascavel entre os dias 20 e 24 de janeiro. Nessa
reunião foi decidida a criação de um movimento nacional que reunisse
os camponeses que desde o fim dos anos 70 vinham se organizando para
reivindicar o acesso à terra que lhes havia sido tirada pelo
processo de mecanização que vinha transformando a agricultura
brasileira ao longo da última década. Esses camponeses, que já
vinham sendo chamados de "sem terra" pela imprensa decidiram
incorporar a expressão aonome do movimento e assim fundaram o MST.
Hoje, depois de 20 anos o Movimento conta com cerca de 350 mil
famílias assentadas e, aproximadamente 150 mil vivem em
acampamentos. Considerando que a média da família brasileira é de
quatro pessoas, os militantes do MST chegam quase dois milhões de
pessoas.
Geração de trabalho e renda com a Reforma Agrária
"Os números mostram que a reforma agrária é uma solução para o
desemprego no Brasil", afirma o professor da USP Ariovaldo
Umbelino e doutor em Geografia . Para ele "o cumprimento da meta
estabelecida pelo presidente Lula no segundo Plano Nacional de
Reforma Agrária (PNRA) de assentar 500 mil famílias até o final de
2006 poderá gerar 2,5 milhões de empregos no campo." A relação do
custo entre a geração de emprego na indústria moderna e na Reforma
Agrária é de um por 30. " De acordo com dados do IBGE o custo para
se gerar um emprego numa indústria automotiva é de 50 mil dólares e
o custo para a geração de um posto de trabalho no campo é de 1500
dólares. Além disso, ainda segundo o IBGE, a Reforma Agrária
elevaria a renda do trabalhador rural que hoje vive com menos de um
salário mínimo para três salários mínimos.
Além dessas vantagens, o professor Umbelino lembra ainda que a
pequena propriedade (até 200 ha) é responsável por mais de 70% dos
suínos, aves, leite, ovos, cacau, banana, feijão, mandioca de toda a
produção nacional. "As pequenas propriedades respondem por 35% da
produção nacional mesmo da soja – que é o primeiro produto da pauta
de exportação no Brasil." Enquanto isso dados do IBGE apontam a
improdutividade das grandes propriedades (mais de 2 mil ha). O
latifúndio produz apenas 22% da carne bovina, 9% dos ovinos, 2%dos
suinos, 1% das aves, 15% do algodão, 33% da cana-de-açucar, 22% da
soja, 2% do café, 11%do cacau, 5%do feijão e 1% da mandioca.
Umbelino ressalta a importância da renda gerada nas pequenas
propriedades. "Do total da renda gerada por toda a agropecuária
brasileira, 56% é gerada na pequena propriedade, 30% na média e
apenas 14% na grande."
No MST existem mais de 500 associações de produção, comercialização
e serviços; 49 Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA), com 2299
famílias associadas; 32 Cooperativas de Prestação de Serviços com
11174 sócios diretos; duas Cooperativas Regionais de Comercialização
e três Cooperativas de Crédito com 6521 associados.
São 96 pequenas e médias agroindústrias que processam frutas,
hortaliças, leite e derivados, grãos, café, carnes e doces, além de
diversos artesanatos. Tais empreendimenos econômicos do MST geram
emprego, renda e impostos beneficiando indiretamente cerca de 700
pequenos municípios do interior do Brasil.
Educação
Aliada à produção está a educação: cerca de 160 mil crianças estudam
no Ensino Fundamental nas 1800 escolas públicas dos acampamentos e
assentamentos. São cerca de 5 mil educadoras/es pagos peos
municípios ou estados que desenvolvem uma pedagogia específica para
as escolas do campo. O setor de educação atua ainda na educação
infantil (de 0 a 6 anos), contando hoje com aproximadamente 500
educadores/as. O MST desenvolve um programa de alfabetização de
aproximadamente 30 mil jovens e adultos nos assentamentos e
acampamentos. Para desenvolver todo esse trabalho o MST conta com o
apoio do Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária),
do INCRA/MDA e do Programa Brasil Alfabetizado, do MEC. Além desses,
o Movimento é apoiado pela Unesco, pelo Unicef e por mais de 50
universidades.
Atualmente existem 1500 estudantes do MST em cursos de ensino médio
e superior. Há também a formação de técnicos em administração de
assentamentos, cooperativas e em magistério para colaborar com o
trabalho desenvolvido nos assentamentos através do Instituto de
Educação Josué de Castro, e Veranópolis (RS). 750 militantes do MST
estudam em cursos universitários. Desses 58 cursam medicina em Cuba.