Entrevistas cascas de banana
19/12/2003
- Opinión
Vira e mexe sou cercado por repórteres à cata de entrevistas. A
maioria quer obter informações concernentes ao meu trabalho e às
áreas de meu interesse, como Fome Zero, literatura e religião.
Outro dia, em Belo Horizonte, reencontrei um tipo de repórter que
sempre se faz presente quando se trata de entrevistar políticos ou
funcionários do poder público: o que traz, junto à pauta, uma penca
de bananas. Enquanto ouve as perguntas de seus colegas, o repórter
come, uma a uma, as bananas e, cuidadosamente, separa as cascas. Na
sua vez de indagar, não lhe interessa se o Fome Zero beneficia mais
de um milhão de famílias ou erradicou a mortalidade infantil em
vários municípios. Quer pôr lenha na fogueira: saber o que penso da
viagem da ministra, da expulsão da senadora, da frase infeliz do
ministro. Não está preocupado em cumprir sua missão jornalística,
que consiste em bem informar ao público. Seu objetivo é jogar mais
gasolina no incêndio, contrapor figuras públicas, captar uma
afirmação que lhe possa assegurar uma intrigante chamada de alto de
página. Sobretudo, levar o entrevistado a escorregar na casca de
banana.
Se o entrevistado foge das cascas de banana e não oferece o prazer
do tombo aos olhos do repórter, este se enfurece. Então, a suposta
objetividade se esvai de seu rosto, que se crispa. E de
entrevistador, transforma-se em agressor, fazendo afirmações
descabidas, como a de que "o Fome Zero visa favorecer a vitória do
PT nas eleições de 2004". Frente à resposta - "o ônus da prova cabe
a quem acusa" - ele se enraivece ainda mais. Empanturrado de
bananas, parece não admitir que o entrevistado consiga driblar todas
as cascas. Então, parte para aquele tipo de pergunta sinuca de bico:
"Na polêmica dos transgênicos, o senhor fica do lado do ministro da
Agricultura ou da ministra do Meio Ambiente?" E se irrita ainda mais
quando escuta a resposta: "Fico do lado do presidente da República".
Com freqüência, a entrevista casca de banana recorre à área
econômica. "O senhor acha que o Brasil vai retomar o crescimento
econômico, honrando os juros da dívida pública?" Se respondo sim ou
não, melindro o deus mercado. Como todos sabem, ele é sensível como
os deuses do Olimpo. Jamais acreditará que, ao opinar sobre
economia, não detenho, como assessor presidencial, informações
privilegiadas. Prefiro me omitir. Não quero contribuir para fazer
subir ou descer a pressão arterial do deus mercado. Pois todos sabem
que ele habita o cume de uma montanha e, lá do alto, acompanha tudo
o que ocorre no mundo dos mortais. Madrugador, antes que o Sol
emerja na linha do horizonte ele liga para o celular dos
comentaristas econômicos e despeja suas emoções. Logo seus oráculos
nos comunicam, por rádio ou TV, que o mercado não reagiu bem à
entrevista do ministro ontem à tarde e ficou de mau humor. Ou que
reagiu bem ao discurso do Presidente e fechou em alta a Bolsa de
ValoresŠ
Outro dia uma repórter perguntou se tenho críticas ao governo.
Diante da resposta positiva, ela se ouriçou: "Quais?" Dei a mesma
resposta, mantida na ponta da língua, dirigida a quem insiste em
conhecer minhas críticas ao poder eclesiástico: "Amigos, eu critico;
inimigos, denuncio". Roupa suja se lava em casa. Ingênuo quem
alimenta a espetacularização da notícia expondo para o público
contradições da instituição em que se encontra inserido. É por isso
que os dissidentes têm voz cativa na mídia quando se trata de
desprestigiar o grupo social do qual que se distanciaram.
O bom jornalismo se faz com objetividade, no intuito de informar.
Essa, porém, é uma jóia rara. Basta ver certas revistas semanais que
editorializam todas as matérias. A opinião dos editores torna-se, no
texto, mais evidente que a notícia. A adjetivação se sobrepõe às
informações substantivas. Tudo com boa dose de mágoa e ira, quando
se trata de focar pessoas ou situações opostas à linha ideológica da
publicação.
Entrevista não pode se confundir com interrogatório, nem jornalismo
com tiro ao alvo. Por respeito ao público, que tem direito à
informação e ao discernimento crítico.
* Frei Betto é escritor, autor de "Comer como um frade - divinas
receitas para quem sabe por quem temos um céu na boca" (José
Olympio), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/109010
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