A eleição do Papa
08/12/2003
- Opinión
Há 1.000 anos os papas são eleitos pelos cardeais nomeados por seus
antecessores. Nos primeiros séculos da era cristã, os fiéis de Roma
escolhiam os sucessores de Pedro, em especial através do voto dos
diáconos, que cuidavam das obras sociais. Considerava-se que os
bispos, casados com as suas respectivas igrejas, não deveriam
intervir na escolha do bispo de uma outra igreja, a de Roma, que
serve de referência à unidade católica. Vive em comunhão com a
Igreja católica quem se mantém em sintonia com a sé romana.
Outrora, diáconos e presbíteros deslocados de suas paróquias para
auxiliar em outras eram chamados de cardeais-diáconos e cardeais-
presbíteros, ligados à nova função como a porta ao batente por uma
dobradiça ou "cardo". Assim, aos poucos se formou o Colégio dos
Cardeais.
No século IV, só os sacerdotes de Roma votavam na escolha do
pontífice. As mudanças se acentuaram à medida que as eleições
passaram a envolver dinheiro e concentração de poder. Depois que o
imperador Constantino reconheceu a Igreja, em 313, esta passou a
dispor de considerável patrimônio.
Em princípio, qualquer católico do sexo masculino pode ser eleito
papa, desde que disposto a abandonar família (se for casado),
abraçar o celibato e aceitar ser ordenado bispo. Gregório Magno era
prefeito de Roma quando o elegeram, em 604. Aos poucos, a
instituição se clericalizou e, em seguida, verticalizou-se. O último
papa que, ao ser eleito, não era cardeal foi Gregório XI, em 1370.
Desde que Leão III coroou Carlos Magno como imperador, na basílica
de São Pedro, na noite de Natal de 800, o papado passou a se
defender dos poderes temporais. Mas nos séculos IX e X os nobres
interferiam nas eleições, em especial as famílias Teofilato,
Crescenti e Tusculani.
Como evitar o nepotismo e a corrupção? Como assegurar que o eleito
seja um homem digno? Buscou-se, então, entre os monges, sobretudo no
mosteiro francês de Cluny e na Alemanha. Fortaleceu-se o Colégio dos
Cardeais. Desde 1059 só ele elege o papa. Quando ele se reúne para
assessorar o papa é convocado um consistório. Quando se reúne para
eleger o papa é convocado um conclave, que significa "debaixo de
chave".
No século XIII, os cardeais levaram um ano e meio para eleger
Inocêncio IV (1243-1254). Diante da demora, o povo romano, com apoio
do senado, trancafiou o colégio cardinalício, obrigando-o a decidir
a eleição. No entanto, após a morte de Clemente IV (1265-1268), a
demora na escolha do novo pontífice se alongou por dois anos e meio,
até a escolha de Gregório X, em 1271. A população de Viterbo, onde
os cardeais se reuniram, não só os manteve isolados, como os
submeteu a uma dieta de pão e água e arrancou o telhado do local do
conclave em pleno inverno, forçando-os a sair do impasse.
Hoje, quando morre o papa, o prefeito da Casa Pontifícia comunica ao
cardeal carmelengo (mordomo), que bate o martelo três vezes na
cabeça do defunto e, em seguida, declara-o oficialmente morto,
quebrando o Anel do Pescador. Logo, todos os cardeais são convocados
a Roma para o novenário - durante nove dias, eles se reúnem para
debater o estado da Igreja, acompanhados de teólogos e assessores.
No décimo dia, todos aqueles que têm menos de 80 anos e, portanto,
direito a voto, são recolhidos no conclave, sem direito a
acompanhante e a qualquer contato com o mundo exterior. Só quatro
cardeais podem, se necessário, quebrar a clausura: o vigário de
Roma, o penitenciário, o carmelengo e o prefeito do Vaticano.
Hospedados na Santa Marta, um conjunto de apartamentos dentro do
Vaticano, eles se dirigem em procissão à Capela Sistina, onde são
realizados quatro escrutínios por dia. Nos primeiros nove dias, o
eleito tem que merecer 2/3 dos votos mais 1. A partir do décimo dia,
basta a metade mais 1 dos votos.
Do atual Colégio do Cardeais, 60 podem participar da novena
introdutória, mas estão impedidos de entrar na Capela Sistina. É o
caso dos cardeais brasileiros Eugenio Sales e Paulo Evaristo Arns.
João Paulo II expandiu o número de cardeais. Durante 500 anos, eles
não passaram de 70. João XXIII ampliou para 80. Paulo VI, para 120.
Agora, são 195, dos quais 134 em idade de votar, pois há um in
pectore, ou seja, cujo nome só o papa conhece. Dos eleitores, mais
de 30 atuam na Cúria Romana e 101 são europeus. Mas isso não
significa que o próximo papa será um deles. Como diz o Evangelho, o
Espírito de Deus sopra onde quer, e não se sabe de onde ele vem nem
para onde ele vaiŠ
* Frei Betto é escritor, autor da biografia romanceada de Jesus
"Entre todos os homens" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/108918
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