Um ano entre a esperança e o medo (I)
28/11/2003
- Opinión
Começou a temporada de avaliações do primeiro ano do governo
Lula. Um único consenso: o anti-climax. Nem o descontrole com
fuga esbaforida de capitais, nem grandes transformações que
mudassem a cara do Brasil. Bom para uns, mal para outros, houve
muito de continuidade, um sabor de já conhecido, para alivio de
uns, para decepção de outros, para surpresa de uns e outros.
Como se julga o primeiro ano de um governo? Como introdução ao
que virá ou como amostra do que vão ser os outros anos?
No caso dos dois governos anteriores, a entrada foi em
grande estilo: confisco no caso Collor, Plano Real no caso de
FHC. O primeiro deu no que deu, o segundo ficou naquilo e só
piorou depois, demonstrando que tinha gasto toda a munição em
fogos de artifício de efeito imediato, dos quais tratou de viver
os sete penosos anos restantes. Mas FHC pôde exibir durante esse
período sua conquista inicial, aquilo ao que veio: estancar a
inflação e estabilizar a moeda. O resto foi o resto, aconteceu de
tudo, mas o zelo foi o de que não se perdesse a razão da eleição
e da reeleição – a estabilidade monetária –, não importando o
preço pago pelo pais.
No caso de Lula, o critério deveria ser outro, a julgar pela
trajetória do PT e até mesmo pelos acenos de campanha, que
incluiram a centralidade das políticas sociais e inclusive a
declaração reiterada de que não valeria a pena "se não fosse
para mudar, desde o primeiro dia, a política do Malan" . Fosse
ser julgado por essas duas referências, o juizo seria muito
negativo: o social continuou periférico, caudatário dos
congelamentos de recursos e, portanto, da política financeira, e
a política econômica foi não apenas mantida – e assumida como
tal, com ou sem estátua -, como aprofundada, com um ajuste mais
duro ainda – e a justificativa de Palloci de que o governo de FHC
não teria realizado políticas sociais porque teria feito um
ajuste não suficientemente duro (sic). Não houve a "mudança", em
nome da quaal votou a maioria dos brasileiros. A questão é:
preparou-se a mudanca? Ou ficou-se no conserto das avarias da
casa herdade, para ai então passar-se para as mudanças? Ou
trilha-se um caminho que pelo menos coloca em questão que
mudanças são essas para as que aponta o governo Lula.
Pode-se julgar o primeiro ano do governo Lula como introdução a
outra coisa ou como amostra do que serão os próximos anos? O
discurso de Lula aponta para a primeira hipótese, quando usa todo
o seu arsenal metafórico – futebolístico ou médico – para pedir
que seja julgado ao final do seu governo – ou da partida ou do
campeonato. O que parece supor a consciência de que nada do
essencial que foi prometido tenha sido realizado nestes primeiros
doze meses: nem a saida do modelo econômico, nem a prioridade do
social, nem a comida três vezes ao dia para todos os 170 milhões
de brasileiros e, provavelmente, até mesmo a consciência de que
pouco ou nada se avançou nessas direções.
A consciência de que nada mudou ou pelo na direção da justiça
social buscada nos levaria a buscar os indícios pelos quais se
poderia vir a julgar diferentemente o governo atual depois dos 90
minutos ou dos quatro anos. Essa é no fundo a questão central:
pede-se paciência, mas para se ter o direito a esse pedido, é
preciso mostrar os indícios de que a prioridade do social esteja
sendo produzido, mesmo que se ja nos seus prolegômenos. E a
prioridade do social esbarrou fortemente no aprofundamento do
ajuste operado pela equipe econômica, com a justificativa de que
seria a forma de diminuir a dívida e de preparar a retomada do
desenvolvimento. A dívida aumentou, produto das elevadíssimas
taxas de juros e o pais está mergulhado na sua pior recessao
desde o governo Collor. Em suma, nada indica que se prepara a
retomada do desenvolvimento – mesmo sem nenhuma espetacularidade
-, nem se aponta para a prioridade do social, em qualquer nível
que seja.
O juizo do primeiro ano do governo Lula esbarra centralmente na
política econômica atual: sendo assumidamente continuista – no
conteúdo e na constituição da equipe econômica, doutrinariamente
liberal, até mesmo sem nenhum economista histórico do PT -, ela
inviabiliza a retomada do desenvolvimento e a prioridade das
políticas sociais. Não haverá retomada consistente do
desenvolvimento com as prioridades elegidas pela equipe econômica
liberal do governo atual e tampouco recursos para a dimensão das
políticas sociais minimamente necessárias.
Em outras palavras, se quer preparar outra coisa, se quer
que se adie o julgamento de seu governo, Lula teria que estar
preparando a saida do modelo econômico atual – empecilho
histórico para a retomada do desenvolvimento, a criação de
empregos, a distribuição de renda, a prioridade das políticas
sociais. E nada indica que se esteja preparando a saida do
modelo; ao contrário: declarações e medidas apontam para a idéia
de que essa política econômica veio para ficar.
Fica então a principal pergunta deste primeiro ano do governo
Lula: não é necessário - e urgente – sair desse modelo de
política econômcia herdado para retomar o desenvolvimento e
promover a prioridade do social? Ou então, em termos mais crus e
diretos: o neoliberalismo é compatível com a prioridade do
social? Nesse dilema se joga o futuro do governo Lula.
* Um ano entre a esperança e o medo (II)
* Um ano entre a esperança e o medo (III)
https://www.alainet.org/es/node/108888?language=en
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