A Disputa dos Transgênicos

02/10/2003
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O que está em disputa com os transgênicos na sociedade brasileira é muito mais do que a liberação de uma semente de soja. A sociedade brasileira vai decidir nos próximos anos quem vai controlar a produção de alimentos no Brasil: se uma agricultura nacional com forte base na agricultura de pequeno e médio porte ou grandes unidades produtivas e grandes latifúndios sob controle tecnológico, industrial e comercial de poucas grandes transnacionais. A liberação de transgênicos patenteados por estas multinacionais aponta para o segundo modelo. Caso este modelo seja vitorioso, aumentará a miséria no campo e o êxodo rural; aumentará a concentração de capital, terra e renda; a dependência tecnológica do país será ainda maior; aumentará o desemprego e o caos urbano; haverá uma ainda maior monopolização do mercado de alimentos. Todas as mazelas do modelo neoliberal que tanto tem desgraçado o povo brasileiro só se aprofundarão, como já aconteceu na agricultura da Argentina nos últimos cinco anos. Foi justamente contra isto que a esquerda lutou e deu o melhor de sua militância nos últimos anos. O PT, que transformou-se no grande desaguadouro dos sonhos da esquerda não pode, no governo, sob os primeiros bafos da pressão das transnacionais dos transgênicos, ceder em questões estratégicas. E vejam a ironia da contradição. O governo, apertado pelo fato consumado criado para impor os transgênicos sem nenhum controle em território brasileiro, cede. O governo poderia, pelo menos, apertar as indústrias de alimentos e forçá- las à rotulagem e não faz. Comportando-se assim o governo do PT contribuiu para uma derrota política da própria base petista - Movimentos Sociais do Campo, ambientalistas, consumidores, agricultores orgânicos e agroecológicos - enquanto deixa correr solto o grande capital que atua em todas as fases da cadeia produtiva agrícola e alimentar. O mundo está entrando numa nova fronteira da ciência, com a possibilidade de transferir em laboratório material genético entre espécies diferentes. O Brasil está também decidindo através de qual porta o país vai entrar nesta nova fase do desenvolvimento científico e tecnológico, cheio de possibilidades mas carregado de riscos. E com tecnologias de risco manipulando seres vivos, o que precisa é forte controle público, regras rígidas de biossegurança e aplicação estrita do princípio da precaução. Não se trata de negar a ciência e suas possibilidades, mas discutir e controlar democraticamente suas aplicações, especialmente quando seus produtos vão para a mesa de milhões de pessoas. O Brasil pode estar entrando nesta nova fronteira da ciência pela pior da portas: a porta do contrabando de sementes e herbicidas, do fato consumado, do descontrole público, da afronta à decisões judiciais, da submissão aos interesses das transnacionais, da negação dos direitos do consumidor, do descuido com a saúde pública, do desrespeito ao meio ambiente, da falta de pesquisas sobre biossegurança e da negação da empresa Monsanto em se submeter à avaliação independente de seu produto. Por isto que a Medida Provisória do Governo Federal é desastrosa. Mas não é o fim. A Europa também liberou os transgênicos no início da década de 90, mas os agricultores orgânicos e os consumidores os derrotaram ao longo de 10 anos de lutas e hoje estão praticamente banidos das mesas dos europeus. Um rastilho de cidadania vai evitar este modelo tecnológico e este alimento sem qualidade no Brasil. Não há nada mais moderno do que qualidade de vida - que começa pela mesa - e respeito à natureza - pois é dela que vem todas as nossas energias vitais. * Frei Sérgio Antônio Görgen é Frade Franciscano e Deputado Estadual PT-RS
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