Março: Veracruz, a terceira estela. (Um vice-rei modernizado ou o PRD, uma esquerda agradável à direita).
01/02/2003
- Opinión
Agora é o vento, e não a mão, que vira as folhas do
calendário. Depois de uma momentânea desordem, como é de lei,
aparece feliz março soprando uma palavra: VERACRUZ. Sobre a
palavra vão a mão e o olhar.
Veracruz. De acordo com o INEGI, no ano 2000, este estado
contava com quase 7 milhões de habitantes, deles, três quartos
de milhão eram indígenas. Neste território moram indígenas
huastecos, tepechuas, otomíes-ñañúes, totonacas, popolocas,
mixtecos, zapotecos, mixes, nahuas, mazatecos e mayozoques.
Março: a nuvem cede o tempo à águia-sol e esta, com azul
elegância, abandona os céus de Puebla para adentrar-se nos de
Veracruz. A águia voa bordando de história e resistência as
margens da Serra Madre Oriental. Lá em baixo, nas proximidades
do rio Tecolutla, se levanta El Tajín. A ave plana sobre a
praça do Arroyo, os jogos de bola, a praça da Pirâmide dos
Nichos. Aí a águia-sol desce à terra na cabeça dos valores.
Não para contar uma história passada, mas sim para testemunhar
uma presente.
A Pirâmide dos Nichos, o antigo calendário, agora quebrado e
rejuntado para marcar os dias do Poder de hoje... com o apoio
da polícia e do Exército.
Em Veracruz, o vice-rei acha que se modernizou, mas sua forma
de governo é a mesma daquela com a qual os governos do PRI têm
ferido, por décadas, as terras do México. Aqui, os trabalhos
do governo não são feitos pelo senhor Miguem Alemán. Ocupado
que está em proporcionar imagens e anedotas para as páginas
das sociais, o senhor Miguel Alemán cedeu, de fato, o governo
a um capitão do Exército: o Secretário da Segurança Pública. É
ele o encarregado de atender as queixas dos veracruzanos e
resolver suas demandas. Para umas e outras tem sempre uma
resposta: a repressão.
Enquanto o governador Alemán toma decisões importantes (como
escolher de que festa vai participar, que fato sairá nos
jornais, que traje colocar para o próximo baile), outras
coisas acontecem: os produtores de batata do estado perdem a
maior parte de sua colheita. A isso se soma o descumprimento
da compra por parte da empresa Sabritas. Resultado: Camponeses
sem produtos e sem preços para seus produtos. Em Córdoba e em
outras regiões do Estado, os produtores de café se mobilizam.
Em Tezonapa, os camponeses não pedem subsídios, mas sim o
reconhecimento do preço real do café. Nas lojas, o aromático
alcança os 40 Pesos por quilo, enquanto aos camponeses é pago
a um Peso ou a cinqüenta centavos.
Homem de imagem pública (e, portanto, preocupado com a
aparência pessoal), o vice-rei encheu de cabeleireiros as
regiões indígenas de Veracruz. Mas estes cabeleireiros usam
uniforme verde-oliva e fuzis G-3, e, além de cumprir sua
missão estética, fazem negócios com narcotraficantes e
cortadores de madeira. Dessa forma as montanhas ficam rapadas
e novamente penteadas com plantios de narcóticos, e, depois de
"acertar-se" com o senhor governador, engordam os bolsos do
general de plantão.
Os "bons governos" federal e estadual (quando o seu trabalho
nos meios de comunicação o permite) levam adiante uma política
de sucesso: Veracruz já não produz café, alimentos e gado;
agora, este estado (como muitos outros da República mexicana)
tem nas pessoas o principal produto de exportação. Sim, a cada
semana, saem até 3 ônibus, cheios de mexicanos, rumo à
fronteira. Destino? A União Americana. Vão a procura do
alimento que sua terra, rica como poucas, lhes dá, mas que
lhes é tirado pela voracidade que assume a forma de empresa e
governo.
Famílias inteiras devem deixar tudo, muitas vezes por uma
fraude. Freqüentemente, os "recrutadores" prometem-lhes casa e
bons salários. Mas, ao chegarem, se deparam com alojamentos
coletivos e salários miseráveis. E, ainda assim, vão embora.
Qualquer coisa é melhor do que a média de 8 Pesos diários que
ganham com o seu trabalho nas terras veracruzanas. A crise dos
pequenos produtores de café beneficiou os fazendeiros, que
encontram assim mão-de-obra abundante e a um preço ridículo.
Resultado: há menos ricos, mas mais ricos; e há mais pobres,
ainda mais pobres.
Na Serra Norte de Veracruz, nem a cana-de-açúcar, nem o
abacaxi, nem as frutas cítricas têm preço. Devido aos cortes
no orçamento, o que o campo tem produzido em quantidade maior
são os migrantes. Além disso, têm sofrido forte repressão por
parte do governo de Miguel Alemán. Contudo, a organização
transnacional de nahuas, tepehuas e otomíes avança; do mesmo
modo que o município de Texcatepec com a organização de
comuneiros otomíes: Comitê de Defesa Camponesa. Nesta região,
confluem as rebeldias de ñañúes, tepehuas e nahuas com o
Comitê de Direitos Humanos da Serra Norte de Veracruz, Rádio
Huayacocotla, o Grupo de Direitos Humanos Xochitépec e a União
Camponesa Zapatista. A região tem a enorme vantagem de contar
com a única rádio comunitária independente do país: Rádio
Huayacocotla, que transmite (a contragosto da Secretaria de
Governo, que tentou fechá-la várias vezes) em nahua, tepechua
e ñyuhú. Texcatepec é o município número 23 quanto ao grau de
marginalização no país, é o menor município da região e,
apesar de ser muito pobre, é onde o povo mais tem resistido ao
PROGRESA e ao PROCEDE.(1)
Ilamatlán é outro município sempre em resistência... como
podem, pois é um pouquinho mais pobre de Texcatepec. É o 24º
município em marginalização no país e o quarto a nível
estadual. Os números oficiais apontam que mais de 95% da
população do município de Ilamatlán está desempregada. Este
município está prestes a inverter a porcentagem nacional entre
empregados e desempregados, o que significa que para cada 20
pessoas em idade de trabalho, só uma tem chance de obtê-lo.
Em Ixhuatlán de Madero, a partir da repressão ocorrida em 14
de junho de 2001 (quando foi atacado o contingente de mais de
700 homens e mulheres que, naquele dia, marchava para Xalapa
para reivindicar a construção de um hospital em Campo la Mata,
perto de suas cidades, e não no corredor urbano - como queria
o governador), as comunidades indígenas deste município
decidiram formar a Frente Indígena Ixhuateca para lutar contra
as respostas brutalmente repressoras do governo de Miguel
Alemán Velasco.
O problema na área rural de Veracruz pode se resumir a três
palavras: exploração, repressão e corrupção.
Porque os que não vão embora resistem e lutam. Aí está o
Conselho Popular Indígena da Serra Zongolica que, unindo
professores bilíngües e outros lutadores sociais, procura
transformar-se em alternativa de luta civil e pacífica.
Ao sul de Veracruz, as cidades nahuas reunidas na Frente
Popular do Sul de Veracruz resistem e se organizam.
Em Coyutla, habitada em 90% por indígenas totonacas, a
corrupção, a discriminação e a repressão produziram algo
lógico: rebeldia. Aí nasceu e se mantém o Movimento Cidadão
Coyuteco, formado pelo povo. Sim, pelo povo, ponto. Aí, sem
distinções de partidos políticos, os cidadãos se organizam,
discutem, chegam a acordos e levam adiante suas
reivindicações. Desde o final do ano 2000, suas exigências de
pôr fim à corrupção e à discriminação têm encontrado como
respostas ameaças, cacetadas e tiros. Os coyutecos, de
conseqüência, formaram um Conselho Municipal Autônomo. Quando
uma de suas reuniões foi atacada por pistoleiros do governo,
as mulheres saíram para enfrentá-los e os puseram pra correr.
Estas são algumas de suas palavras:
"A gente está disposta a continuar lutando, já não temos medo
porque estamos organizados. Temos demonstrado que somos mais
fortes do que os que compram as consciências e os que têm
saqueado o nosso povo. Nossa causa é a justiça com dignidade e
o respeito à nossa autonomia. Nós totonacos temos muitas
maneiras de resistir através da dança, da música, da festa,
através do trabalho comunitário (que aqui chamamos de "mão
virada"). A roupa, os rituais, mitos e narrações são parte da
resistência. Tudo isso nos ajuda a manter viva a nossa
cultura, e a defender nossos direitos como povo totonaco".
E continuam:
"As linhas de ação que nós vemos são: obter a solução dos
problemas de Coyutla, que se retome o projeto da Lei COCOPA,
que se cancele definitivamente o evento Cúpula de Tajín para
comercializar o símbolo da nossa cultura, e fazer com que seja
reconhecido o nosso Conselho Municipal Autônomo".
Um momento! Disseram El Tajín? Não é aqui que o vice-rei
Alemán se gaba de ter conseguido a moderna comercialização da
história?
Sim. O senhor Miguel Alemán faz gozação, não sem um pouco de
pesar, daqueles que vivem da venda do artesanato. Ele não
vende artesanatos, ele vende regiões arqueológicas inteiras.
Ainda que, claro, não faltem desmancha-prazeres:
Na região de Totonacapan, em Papantla, se realizam atividades
em defesa do patrimônio cultural mexicano e, em particular, da
região arqueológica de El Tajín. Tudo isso, contrariando o
governo de Miguel Alemán, que se propõe a privatizar a região.
O objetivo de Alemán tem a cor verde-dólar. Os caros eventos
em El Tajín têm o estrangeiro como público e principal
cliente. Mas a Frente pela Defesa do Patrimônio Cultural
(integrada por várias organizações) denunciou, em diversas
ocasiões, que o projeto governamental pretende desmontar a
área para erguer um hotel cinco estrelas e um cassino para o
turismo internacional.
A comercialização de El Tajín é, também, sua destruição. Toda
vez que o senhor Alemán monta seus "shows", se rompem bases
pré-hispânicas para colocar palanques e suportes de
refletores. O INAH é cúmplice porque leva uma fatia.
Como parte da sua luta, a Frente pela Defesa do Patrimônio
Cultural entrou com uma ação penal contra o vice-rei, a mesma
que a "justiça" arquivou na estante da "i" de "impossíveis",
"inconvenientes, "desrespeitosas". Mas, lá em baixo, os que
lutam continuam com a "r" de "resistência" e "rebeldia".
Nas áreas urbanas, se farão necessários também trabalhos de
recuperação estética, pois as regiões marginalizadas aumentam.
Em Poza Rica, terra ferida pelos poços de petróleo e o
sindicalismo pelego, se preserva a memória passada e presente
da resistência. Desde as lutas de 1934 e 1958, até a luta e a
morte (manchada pela suspeita mesquinha) de Digna Ochoa.
Assim, trabalhadores da Pemex, professores, empregados do
setor de saúde, donas de casa e religiosos se reúnem, discutem
e combinam atividades de informação e defesa da cultura.
Nas áreas têxteis como Rio Blanco, Nogales e Cidade Mendoza há
muito descontentamento por falta de emprego. Em Nogales, os
operários conseguiram tirar a fábrica do patrão, mas não têm
recebido ajuda governamental para fazê-la andar. Em Cidade
Mendoza, há operários que continuam cobrando sua liquidação já
faz mais de dez anos. Em Rio Blanco há incerteza quanto ao
emprego, porque a fábrica trabalha uma temporada e fecha em
outras, mudaram o contrato dos trabalhadores e agora têm
condições como as da época de Porfírio Diaz. Em Nogales, como
resposta à luta dos cidadãos para que a água de seus
mananciais não fosse levada aos parques industriais, o governo
de Miguel Alemán acusou-os de "sedição" e colocou-os na
cadeia.
Na região de Tezonapa, não querem reconhecer as concessões
feitas aos caminhoneiros do vale de Tuxpango, apesar de serem
eles a levarem serviço às comunidades. Em Ixtaczoquitlan, há
tempo lutam contra a contaminação provocada pela Cimentos
Apazco, enquanto nos arredores da fábrica de cimento aumentas
as doenças congênitas e os abortos involuntários.
Na região de Orizaba, o povo enfrenta o desemprego, pois o
corredor industrial está deteriorado (das 5 fábricas têxteis,
só uma trabalha), e as empresas, como a cervejaria, de
cimentos e a Kimberly, têm cortado muitos postos de trabalho.
Os aposentados protestam devido às aposentadorias ridículas
que recebem, que não dão pra nada, e dizem que não irão votar,
porque enquanto os funcionários têm bons salários, a eles dão
uma miséria por 30 ou 40 anos de trabalho. O transporte urbano
prepara um aumento dos preços. A falta de moradia é um negócio
lucrativo para as construtoras privadas, que contam com o
apoio do governo estadual e dos municípios.
Contudo, aqui se realiza um trabalho de apoio aos migrantes
(Comitê de Apoio aos Migrantes "Ricardo Zapata"), às mulheres
que sofrem violência e às trabalhadoras do sexo
(Cihuatlahtolli - Palavra de Mulher), além da organização das
Mulheres de Jalapilla. Estas mulheres são as que se
encarregaram da comida e da segurança da Marcha Zapatista em
sua passagem por Orizaba.
A marcha zapatista... Orizaba...
Se nos dissessem que poderíamos voltar a um lugar dos que
visitamos, mas só a um, escolheríamos Orizaba. Aqui
coincidiram várias circunstâncias afortunadas: organizadores
abertos, tolerantes e includentes, ONGs ativas e
comprometidas, comunidades indígenas lutadoras, meios de
comunicação locais particularmente sensíveis à causa indígena
e um povo (formado por jovens estudantes, operários, donas de
casa, colonos e funcionários públicos) especialmente nobre.
O resultado? O que ia ser uma saudação rápida da Marcha da Cor
da Terra se tornou um dos atos mais festivos e combativos de
todo o percurso. Não só na praça, mas também na rua.
Estiveram, e vivas, todas as cores.
Todas, até o cinza...
Antes de dezembro do ano 2000 e depois do EZLN anunciar
publicamente sua intenção de marchar até DF, numa das reuniões
onde a bancada dos legisladores do PRD discutia os acordos de
San Andrés, a deputada Rosario Tapia pediu a palavra e disse
assim: "Companheiros, é indispensável que façamos um acordo
com o PRI e com o PAN para tirar os Acordos de San Andrés,
para evitar que o comando do EZLN chegue à Cidade do México.
Isso será mortal para o PRD e, por outro lado, seria um
triunfo para eles e não para o Congresso. Muito menos para
nós".
Um pouco depois, quando a marcha estava prestes a iniciar, na
reunião do Comitê Executivo do CEN perredista, o porta-voz do
PRD (e hoje secretário geral nacional deste partido),
Navarrete, declarou: "O principal perigo para o PRD é a
transformação do EZLN em partido político, ao mesmo tempo em
que, quanto mais tardar a aprovação da lei, mais chances temos
de que o zapatismo se isole".
O que naquele momento se viabilizou como uma proposta isolada,
se transformou em decisão em Orizaba.
Orizaba, ano 2001, a praça cheia...
Duas personagens da política estavam num canto: os senadores
Jesus Ortega (líder da bancada perredista no Senado) e
Demetrio Sodi de la Tijera (membro perredista da COCOPA). A
praça de Orizaba tem sido sempre um lugar difícil para as
manifestações políticas, e os dois senadores estavam aí para
testemunhar o fracasso da convocação dos zapatistas. De queixo
caído e com o rosto cinzento viam e ouviam as pessoas. Então
se olharam, entendendo que deviam fazer o possível para que
esta força não saísse definitivamente para a luta aberta...
nunca.
De um lado, Jesus Ortega, nativo de Aguascalientes, ex-
seguidor fiel de Rafael Aguilar Talamantes no Partido
Socialista dos Trabalhadores, deputado de 1979 a 1982, expulso
do PST em 1987, membro do PSM e depois do PSUM, é novamente
deputado em 1988 e 1991, em 1989 se une à corte mais próxima,
a Cuauhtémoc Cárdenas, desde 1993 o seu trabalho no IFE lhe
permite vincular-se aos órgãos do PRD nos estados, de novo
deputado de 1994 a 1987 (então coordenador do grupo de
deputados do PRD), foi membro da corte de Cárdenas até o ano
2000, quando, inclusive, o aconselhou a retirar-se (hoje é um
de seus principais detratores), agora é senador da República e
coordenador da bancada do seu partido nesta câmara.
Sem ter dirigido nenhum setor social, sem nenhuma produção
intelectual, sem as qualidades do tribuno, sem carisma algum,
o senador Jesus Ortega é um rebento da grande amostra de
dirigentes do Partido da Revolução Democrática.
À sua direita, Demetrio Sodi de la Tijera, originário do
Distrito Federal, ex-gerente de empresas públicas e privadas,
coordenador geral do DDF nos tempos de Ramón Aguirre, entra no
PRI em 1975, deputado federal pelo PRI quando se concretiza a
fraude de Salinas contra Cárdenas, deputado estadual - com a
benção de Salinas - do PRI na segunda assembléia local do DF
(91-94), integrava o grupo de Manuel Camacho Solis até que
este não é escolhido candidato a presidente pelo PRI, sai do
PRI em 1994 depois do assassinato de Colosio, dirigente da
Aliança Cívica em 1994 e membro do Grupo San Angel no mesmo
ano, em 1996 participa do Fórum para a Reforma do Estado
(organizado pelo EZLN) com uma exposição na qual previa que o
PRI se manteria no poder por muito tempo e que só as
candidaturas unidas de PAN e PRD poderiam derrotá-lo, entra no
PRD - animado pelo triunfo de Cárdenas no DF em 1997, deputado
do PRD em 1997-2000, agora senador de 2000 a 2006. Como
senador, além de impulsionar a contra-reforma indígena, tem
procurado chegar a acordos com o PAN quanto à privatização do
setor elétrico, votou contra a renegociação da entrada em
vigor do capítulo agropecuário do TLC, e, em não poucas
ocasiões, se manifestou contra os camponeses rebeldes de San
Salvador Atenco.
Dias atrás, o analista político Armando Batra fazia uma
espécie de balanço dos 9 anos de TLC e da presença pública do
EZLN. Não irei me deter em criticar a análise frívola e
superficial das iniciativas zapatistas, mas sim num ponto: o
mestre Batra dizia que não devíamos procurar caras de "Lula"
(em referência ao atual presidente do Brasil) para os nossos
políticos, mas que teria que se lutar, não só a partir de
baixo, também a partir "de cima" (ou seja, nas Câmaras) pela
transformação do México. Concordo em não prover cara de "Lula"
aos políticos. Mas também parece um erro dotar o PRD mexicano
do rosto do PT brasileiro. E onde está o equivalente ao MST
(Movimento dos Sem Terra) carioca?
Parece que o único argumento para sustentar que se deve apoiar
o PRD é que não há outra coisa, que se não o se apóia, então o
PRI, o PAN e a mãe do morto, o sectarismo e todas as desgraças
irão cair sobre nós. Recentemente, como resposta às críticas
ao PRD feitas pelos 7 comandantes e comandantas do EZLN, em
primeiro de janeiro deste ano, a presidenta deste partido,
Rosário Robles, chamava a não lutar entre "amigos", e insistia
sobre o fato de que a votação da lei indígena havia sido um
erro e como tal havia sido reconhecido.
"Amigos?". "Erro?".
Pelo que sai das seguidas defesas que os senadores Ortega e
Sodi fizeram da contra-reforma indígena (quando já nem
Bartlett e nem Cevallos a defendiam, pois era grande o repúdio
nacional e internacional), não se tratou de um "erro tático".
Na visão de Ortega e Sodi realmente não é muito importante que
não se reconheça às comunidades seu caráter de "entidades de
direito público", tampouco que não se fale do "aproveitamento
coletivo dos recursos naturais" (segundo Ortega, isso é
desnecessário!); inclusive na questão da terra enquanto
"habitat que abrange o território".
Com tudo isso, as queixas e a oposição dos povos indígenas do
México contra a lei, que os senadores quiseram e querem
limitar ao "pessoal próximo ao EZLN e ao Subcomandante", são
reduzidas ao fato de que os povos indígenas não compreendem a
"sabedoria" dos legisladores perredistas.
Mas o caso é que os senadores da esquerda mexicana defenderam
uma lei que é de direita. E quando o senhor Cárdenas Solórzano
indicou o voto pela contra-reforma indígena ("Es um senador do
EZLN ou do PRD? Vote pela unidade do partido!", teria dito
isso esquecendo que os senadores não são do EZLN, mas tampouco
do PRD, do PRI ou do PAN, e sim senadores da REPÚBLICA), o faz
por uma lei de direita.
A alternativa era clara: ou com os povos indígenas (e os
milhões de mexicanos não indígenas que apóiam suas
reivindicações) ou com a contra-reforma indígena de Cevallos-
Bartlett-Ortega. E o PRD escolheu, e escolheu de acordo com o
perfil que constrói para si: o de uma esquerda agradável e
cúmplice da direita.
A aprovação da lei Cevallos-Bartlett-Ortega (diga-se de
passagem, nenhum deles foi eleito pelos votos - entraram no
Senado com a quota do partido), ou seja, do PRI-PAN-PRD foi,
de fato, um triunfo da classe política mexicana contra os
povos indígenas (e não só contra o EZLN), mas um triunfo de
Pirro, que já desvanece diante do avanço dos processos de
autonomia e de resistência não só entre os indígenas.
Os deputados perredistas se "salvam"? Bom, o voto contra a
contra-reforma foi acordado no grupo parlamentar da Câmara dos
Deputados com apenas 3 votos de diferença. E os deputados do
PRD estão aprovando várias coisas que têm a ver com dita
contra-reforma.
Mas, já no campo das suposições, pensando que sim, que foi só
um "pequeno erro" que devemos nos perdoar como "amigos",
então, que significado tem o que segue?
1) O PRD está votando há três anos seguidos a favor do
orçamento federal. Eles justificam sublinhando que não têm
sido os projetos originais de Fox. A verdade é que na Fazenda
se manda um orçamento que já sabem deverá ser "modificado"
pelos deputados (aumentando um pouquinho a educação, a saúde,
etc.), com o qual se garante o seu voto. Se for verdade, como
diz a teoria econômica, que o orçamento representa o modelo
econômico em andamento, então o PRD está votando há três anos
a favor do neoliberalismo e contra os mexicanos, e seu voto
tem significado votar a favor da dívida externa, de limitar o
crescimento, de seguir fielmente os ditados do Fundo Monetário
Internacional e do banco Mundial.
2) Os deputados do PRD estão colocando em prática os acordos
sobre a lei indígena votados majoritariamente, tanto no que
diz respeito às leis complementares, como nas verbas
orçamentárias. Votaram contra, mas são garantes da
implementação desta lei.
3) No Senado, o PRD votou a favor das modificações à Convenção
Internacional sobre os Desaparecidos, com os quais se garantiu
o foro militar (os soldados só serão julgados por tribunais
militares) e a não retroatividade, com a qual se garantiu a
impunidade.
4) Em dezembro do ano passado, vários legisladores do PRD
(entre outros, o senador Sodi) votaram com o PAN e o PRI sobre
a não exigência da suspensão da aplicação do capítulo
agropecuário do TLC.
5) Apenas para dar uma idéia dos gastos que implicaram as
eleições internas do PRD, um anúncio de 20 segundos no
noticiário e López Dóriga, na Televisa, custa 465 mil Pesos.
Aos membros das brigadas (muitas vezes integrantes de facções
de várias colônias pobres) se pagavam 60 Pesos por hora para
afixar a propaganda durante o dia e 80 Pesos por hora para
tirar a do adversário durante a noite. Calcula-se que o custo
da campanha prévia do PRD foi de cerca de 80 milhões de Pesos.
6) O senhor Ramírez Cuellar, de El Barzón, um dos "líderes" do
atual movimento camponês, não foi pré-candidado do PRD à
delegação Venustiano Carranza do DF que está supostamente
povoada de camponeses? Quantos entre os candidatos do PRD a
vários postos têm sido alguma vez líderes sociais? Quantos
pré-candidatos do PRD às delegações nem sequer apareceram nas
fichas da pesquisa? Quanto foi gasto pelos pré-candidatos que
colocaram anúncios no rádio e na televisão? Quanto se gastou
com o aviãozinho que promovia um dos pré-candidatos?
7) Um partido de esquerda recorre às pesquisas para escolher
seus candidatos e dirigentes? Um partido de esquerda promove
nomes e rostos no lugar de princípios e programas? Não é
verdade que 67% dos municípios que o PRD ganha, perde-os na
eleição seguinte por governar como o PRI e o PAN? Não é
verdade que o discurso do PRD não "chega" aos jovens, aos
indígenas, aos ecologistas, às mulheres, ao movimento
camponês? Qual é a posição clara do PRD nas questões
internacionais?
Uma vez, é verdade, o PRD foi um partido de esquerda. Já não é
mais. Optou por unir-se (à fila) à lógica da classe política e
só aspira a ser o peso que altere a balança, esquecendo que
para o dono da balança isso é de pouca conta. Já se vinculou
organicamente ao aparelho do Estado e depende economicamente,
ou seja, politicamente, dele. No seu interior já se formou uma
nova classe de políticos que vive do orçamento e faz tudo o
que é possível para manter-se nele. Já não há princípios, nem
programa... e, de conseqüência, nem partido.
A nós zapatistas não escapa o fato de que há muita gente
honesta e coerente no PRD (a saudamos). Mas não é ela que
decide o rumo ou o perfil deste instituto político.
Vez por outra, nos dizem que, ainda assim, não há outra coisa.
Mas, como disse o comandante Tacho no dia primeiro de janeiro,
há outra coisa SIM...
Das montanhas do sudeste mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos.
México. Janeiro de 2003.
__________________________________
(1) PROGRESA: Programa de Saúde, Educação e Alimentação.
PROCEDE: Programa de Certificação de Direitos.
Texto publicado no La Jornada de 04 de fevereiro de 2003.
Obs.: Em resposta aos comentários de Cuauhtémoc Cárdenas,
Pablo Gomes e Miguel Alemán, divulgados após o aparecimento
deste texto, o La Jornada de 7 de fevereiro de 2003 publicou
os três comunicados do EZLN que seguem.
EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
MÉXICO.
Fevereiro de 2003.
Para: Cuauhtémoc Cárdenas Solórzano.
De: Subcomandante Insurgente Marcos.
Senhor Cárdenas:
O texto publicado no dia 4 de fevereiro no jornal La Jornada
não diz que você indicou aos senadores do PRD de votar pela
contra-reforma indígena.
Vimos sim a sua carta de 7 de janeiro dirigida ao comandante
Tacho. Por isso, o texto atual diz "Es um senador do EZLN ou
do PRD? Vote pela unidade do partido", ou seja, está no
singular. Você indicou isso a UM senador. Nós não temos porque
dizer mentiras, não somos pré-candidatos a nada, por isso não
nos chame de mentirosos.
Seja como for, a quem você tem que se dirigir é ao então
senador da República, e hoje governador do estado de
Michoacán, Lázaro Cárdenas Batel, que foi quem disse, para
quem quisesse ouvir, o que aconteceu por ocasião do seu voto
no senado sobre a contra-reforma indígena. De tal forma que os
mentirosos seriam o senhor Cárdenas Batel e todos os que o
ouviram.
Caso interesse, a nós não importa se foi a um ou a cem, nem
sequer se lhe fizeram caso ou não (o senhor Cárdenas Batel
pode e deve responder de seus próprios atos). O que nos doeu é
que você, em quem acreditávamos ver uma pessoa comprometida
com a paz e a justiça com dignidade para os povos indígenas do
México e para todos os mexicanos, tenha pensado e dito isso.
É tudo.
Das montanhas do sudeste mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos
México, fevereiro de 2003.
EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
MÉXICO.
Fevereiro de 2003.
Para: Pablo Gómez.
De: Subcomandante Insurgente Marcos.
Assim você anda por aí "outra vez". Não é porque aspira a
alguma candidatura no próximo processo eleitoral, não é mesmo?
Aqui vão alguns comentários ao seu texto.
1. Sobre a questão de que "se Marcos concordasse com o
programa e a plataforma legislativa do PRD em matéria
indígena, isso quereria dizer que já tem um amigo ainda que
fosse só neste tema". Não, meu querido Pablo, se Marcos (ou
qualquer um dos zapatistas) concordasse com o programa ou a
plataforma do PRD, já seria pré-candidato para um cargo
eletivo e colocaria um "anúncio" no rádio com a música de
Roberto Carlos que diz "Eu quero ter um milhão de amigos e
assim mais forte poder cantar...". No lugar disso, oh pobres
de nós!, estamos cantando "Não sou moedinha de ouro para cair
bem a todos..."
2. Nunca dissemos que somos a única organização de esquerda,
nem que não há partidos políticos nacionais de esquerda. Temos
dito, e o repetimos, que o PRD já não é um partido de
esquerda. E, me perdoe, meu querido Pablo (já fiquei muito
musical), mas há partidos políticos que não tem registro.
3. Sobre sua qualificação de "tola" à gente honesta e coerente
do PRD, parece-se que assim você não vai conseguir muitos
votos na disputa pelas nomeações. Nós dissemos que a gente
honesta e coerente do PRD está neste partido porque pensa que
não há outra coisa e que talvez se possa fazer algo para mudá-
lo (recomendo-lhe que leia a entrevista que PROCESO faz, em
seu último número - 1370 - a Salvador Nava Calvillo).
4. Acuso o recebimento da reprovação por falar em "instituto
político". O que devo colocar, então? "Clube de amiguinhos"?
5. Sobre a guerra, recomendo que não dê ouvidos a Salinas e
nem a Zedillo. Na primeira parte dos enfrentamentos, em 1994,
os combates foram até depois do 12 de janeiro (quando Salinas
decretou o cessar-fogo) porque os federais queriam tomar
posições melhores para o que viria a ser o futuro cerco.
Nossas tropas destruíram um blindado perto de San Miguel
(próximo a Ocosingo) no dia 16 de janeiro, e no dia 17
derrubamos um pequeno avião militar a caminho de Toniná. Se
você souber somar isso já dá 17 dias. Em 1995, quando da
traição de Zedillo, tivemos enfrentamentos que duraram 3 dias,
na altura de Nuevo Momón, próximo a Las Margaritas (onde caiu
em combate o tenente coronel Manterola, ainda que os generais
tenham dito que foi executado pelos próprios soldados) e nos
arredores de Nueva Estrella, em Ocosingo (onde caíram sete
companheiros nossos). Em 1998, em junho, tivemos um choque com
o exército e polícia de Albores em San Juan de la Libertad, em
Los Altos de Chiapas e derrubamos um helicóptero. Assim,
somando os dias, já são 21. Isso saiu nos jornais (entre
outros, no que você escreve agora), não nos boletins da
presidência, e a reportagem televisiva do combate em San Juan
de la Libertad valeu ao repórter Juan Sebastián Solis, da
Televisa, prêmio nacional de jornalismo.
Sobre o fato de que o PRD não tem criticado o EZLN "porque não
quer dar armas aos inimigos dos zapatistas", digo que sua
generosidade me comove. Felizmente, o "acuamento físico", meu
nunca bem ponderado Pablo, não é acuamento mental.
Por último, digo-lhe que lemos seu artigo com prazer i-n-d-e-
s-c-r-i-t-í-v-e-l. É a primeira vez depois de muito tempo que
alguém descreve defendendo o PRD sem sequer ficar vermelho...
porque você não está vermelho?... ou sim?
Valeu. Saúde e um chá para a coragem
Das montanhas do sudeste mexicano.
O SupMarcos cantando, já seguidamente, "Desideratum", "Minha
mãe e eu o plantamos na beira do quintal..."
e " hoje cortei uma flor e chovia, chovia...".
México, Fevereiro de 2003.
EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
MÉXICO.
Fevereiro de 2003.
Para: Miguel Alemán Valdez.
Departamento de Páginas Sociais do Governo do Estado de
Veracruz.
De: Subcomandante Insurgente Marcos.
Senhor Alemán:
Por diversos veículos de informação fiquei sabendo do convite
que me faz para visitar o estado de Veracruz. Comunico-lhe que
aceito o seu convite. Em breve, lhe farei chegar a data da
minha chegada (março vai bem para você? Que tal entre o 19 e o
22?), e uma agenda dos lugares que me interessaria reconhecer,
e das pessoas e organizações com as quais iria querer
conversar.
Espero que você tenha tido o cuidado de informar deste convite
o governador em exercício, Alejandro Montano Guzmán (claro, se
já não tiver sido preso ou fugido pelas acusações contra ele
de ligações com o narcotráfico).
Oxalá que o convite não inclua nenhum desfile de moda ou
reportagens nas páginas sociais da imprensa, porque o
passamontanhas não sai bem nas fotos e a minha habilidade para
comer com faca e garfo é um desastre.
Valeu. Saúde e, se você também for pra prisão ou fugir, terá
quem faça valer o convite e me receba?
Das montanhas do sudeste mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos
México. Fevereiro de 2003
https://www.alainet.org/es/node/108136
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