Novembro: Morelos, a décima primeira estela. (A história, cansada de andar, se repete em cima e em baixo)
20/02/2003
- Opinión
A história pega a mão e o olhar. Com ambos vira outra
folha do já magro calendário. Aí está novembro do Dia de
Finados e Morelos de Emiliano Zapata.
No Estado de Morelos (mais de um milhão e meio de
habitantes e mais de 60 mil indígenas), uma velha
história se repete: no governo mandam a reação e a
corrupção levadas à estupidez, e no povo caminha uma
inteligente rebeldia.
No papel da reação e da corrupção: o governador Estrada
Cajigal e seu Secretário de Governo, Becerra. Ambos estão
vinculados ao roubo de veículos e ao narcotráfico.
Repetindo a história do início do século, há uma lista
negra de pessoas que serão "eliminadas" por um valentão,
contratado por Montiel, o procurador de justiça do
Estado. Enquanto isso, na Assembléia Legislativa se
discute a destituição de Estrada e o chefe da polícia
ministerial, Pimentel, iniciou uma investigação contra o
procurador e os que forem responsáveis.
Amigo de farra, Sergio Estrada Cajigal tem uma contenda
com o governo de Cuernavaca. O motivo? Um antro no centro
da cidade. Em janeiro, o governo estadual expediu o
alvará de funcionamento, mas o municipal o negou. O antro
foi aberto e, durante a semana, a prefeitura, com a
polícia municipal, realizou uma blitz. O governo estadual
voltou a emitir os alvarás e o municipal limitou o
funcionamento a uma determinada hora. Um longo vaivém,
até que a Agência Federal de Investigação (AFI) o fechou.
Além de promover antros, roubar carros e fazer negócios
com o narcotráfico, Estrada Cajigal acha tempo para
pilotar pessoalmente o helicóptero de propriedade do
Estado. Nele, em companhia do Firulais Loyola, leva a
passear as mulheres da vida. "Aí vai o helicóptero do
amor", dizem os morelenses quando vêem o seu governador
passear pelos céus.
O governo de Morelos, como na época de Porfírio Diaz,
está fazendo o melhor que pode para agradar os
empresários. No leste do Estado, na região do feijão e da
cana-de-açúcar de Tenextepango, Ahuehueyo, Ocuitoco e
Temoac, estão pressionando os ejidatários para que cedam
à construção de uma rodovia que facilitaria justamente a
passagem para as maquiladoras de Guerrero. O plano é o de
expropriar suas terras "por utilidade pública", como reza
o artigo 27 da Constituição reformado no mandato de
Salinas. Se isso for feito, dizem os camponeses, "Terão
que nos dar uma pensão vitalícia tanto a nós como a
nossos descendentes, porque nunca vão nos pagar o que a
terra produz".
Assim, o problema a ser mais freqüentemente enfrentado
pelas comunidades da região leste do Estado, e de outras
regiões de Morelos, é a venda ou a expropriação da terra.
É como se estivessem dando o primeiro passo para a
implantação das indústrias maquiladoras e dos projetos
faraônicos. A isso se somam os projetos relacionados ao
turismo, usados como pretexto para a expropriação das
terras e das águas.
Além da pressão externa que os camponeses sofrem para
ceder sua terra, em Morelos, que, tradicionalmente,
produz cana-de-açúcar, vive-se a crise oriunda da
introdução da frutose de milho na indústria de doces e de
refrigerantes (que é respaldada pelas "cláusulas
secretas" do Tratado de Livre Comércio da América do
Norte, onde se permite a entrada massiva deste
edulcorante em prejuízo da produção açucareira nacional).
O cálculo é perverso: empobrecidas pela queda do açúcar
de cana, as comunidades se verão obrigadas a venderem
suas terras ejidais para a instalação de maquiladoras e
centros de lazer. Mas isso não é tudo. Agora se negam a
pagar algumas comunidades que têm sido obrigadas a
venderem suas terras (é o caso de Zacatepec).
Na lógica do grande capital, a produção de alimentos não
é prioritária. Dá mais dinheiro a produção de flores
ornamentais. Por isso pode-se ver que em Morelos há cada
vez mais viveiros. Mas, como nos tempos das fazendas
porfiristas, o povo que trabalha nelas é superexplorado.
Ficam no viveiro em turnos de 12 horas, ou mais, sem
pagamento extra. E os abusos são contínuos porque há
muita oferta de mão-de-obra em função da crise agrícola e
da falta de terras.
A "coordenação" dos "esforços" entre governo e empresas é
criminosa. Os programas governamentais (Progresa e
Procampo) outorgam, quando muito, uns 800 Pesos mensais
por família. Isso prepara o pessoal a conformar-se nas
maquiladoras com ordenados de 350 Pesos semanais. Isso
ocorre nos municípios de Tecajé, Tenextepango, Ahuehueyo,
Las Piedras, Temoac, Potlán, Xalostoc, Tlayecac.
Parece um exagero apontar semelhanças com a época de
Porfírio Diaz? Bom, vamos ver as condições de trabalho do
Invernadero Internacional localizado a dois quilômetros a
norte da rodovia Cuautla-México, perto do posto policial
de Oacalco. O proprietário é um senhor de procedência
alemã. O principal produto que ele gera são plantas
ornamentais de exportação para Canadá e Estados Unidos
com um valor aproximado de cinco dólares estadunidenses
por planta. A maioria dos trabalhadores é composta por
mulheres, com idades que variam de 15 a 50 anos. Em
segredo, há momentos em que dizem haver menores de idade.
Todas elas moram nas vizinhanças, vêm dos povoados como
El Golan, Santa Catarina, El Empalme, Las Vivianas,
Oacakci, El Capulín, entre os mais importantes.
Aí trabalham cerca de 400 pessoas. O horário de trabalho
é das 7.00 às 18.00 horas de segunda a sábado, com
descanso no domingo (ou seja, seis dias por semana).
Durante a jornada têm 30 minutos para comer. Dependendo
da produção a ser entregue, este horário pode se
prolongar até às 20.00 hs. Uma jornada de trabalho de 11
a 14 horas! As horas extras não são pagas em dinheiro,
mas sim em tempo, ou seja, com horas de descanso. Apesar
disso, permanecem as irregularidades quanto ao registro
das horas extras, pois não há checagem na saída, o que
gera um trabalho extra não recompensado de forma justa,
já nem vamos dizer legal. No que diz respeito ao
pagamento dos salários existem também diversas
irregularidades. De um lado, está o fato de que o salário
é de 500 Pesos semanais (isto é uns 90 Pesos por dia),
mas, de outro, se tem a informação de que um dia não
trabalhado é descontado na base de 120 pesos, além do
fato de que se o trabalhador chega com 5 minutos de
atraso se vê castigado com um desconto de 25 Pesos. Mas
isso não é tudo. O relógio de ponto está adiantado 5
minutos na hora da entrada, e quando toca uma sirene a
primeira vez significa que faltam 5 minutos para a hora
da entrada, e é tocada por uma segunda e última vez para
indicar assim que o trabalho começa.
Isso significa que o trabalhador tem que estar lá pelo
menos 15 minutos antes do início dos trabalhos para poder
se equipar com todos os apetrechos necessários para
trabalhar. O equipamento não é para proteger os
trabalhadores, mas sim para que não "contaminem" as
plantas. No momento da fumigação das plantas, os
trabalhadores não têm sequer máscaras de papel, muito
menos máscaras contra gases.
Agora venha comigo para Cuautla, à colônia Iztaccíhuatl.
Aqui se permitiu o funcionamento de umas 16 maquiladoras.
Ainda que algumas delas funcionem como pequenas empresas
familiares, na realidade trabalham como maquiladoras para
as grandes empresas. Cada membro da família está sujeito
a um pagamento de acordo com as tarifas das maquiladoras
do lugar, ou seja, são pagos como qualquer outro
trabalhador. Dizem que estas maquiladoras são
clandestinas porque se encontram no interior das casas
que não estão acondicionadas para funcionarem como
indústrias têxteis. Aqui se fabricam produtos que são
exportados para Japão e Canadá, além de abastecer a
Comercial Mexicana.
Os salários? Para as pessoas adultas da área de costura o
vencimento varia de 350 a 400 Pesos semanais, na área de
corte vai de 250 a 300 Pesos por semana e no
empacotamento vai de 150 a 200 Pesos semanais. Por sua
vez, as crianças que trabalham no corte das rebarbas, dos
fios que se soltam e na classificação do tipo de tecido
recebem um salário de 100 a 150 Pesos semanais. Todos os
trabalhadores, crianças, jovens e adultos, têm um horário
de trabalho das 7.00 às 18.00 horas de segunda à sexta-
feira e das 7.00 às 14.00 horas aos sábados. Neste
horário contam com 15 minutos para o café da manhã e uma
hora para comer (não há refeitório, por isso ou levam
marmita ou comem lanches). Se o trabalhador usar um tempo
maior do que é estabelecido para comer, deve repô-lo no
fim da jornada. A respeito das horas extras, vai de 10 a
14 Pesos, contudo, o seu pagamento efetivo é determinado
pela vontade do patrão, ou seja, se ele quiser pagar,
paga, senão, não.
O pagamento do salário é atrasado em uma semana, já que,
não são pagos na primeira semana em que trabalham. Desta
forma, garantem a presença deles na semana seguinte.
Também tem sido detectado que nem sempre se paga a semana
completa e, melhor, se abona a eles uma parte do salário
na forma de empréstimo.
Por outro lado, os dias festivos são trabalhados e pagos
como dias normais e não conforme a lei. Os trabalhadores
não contam com os benefícios legais, não estão inscritos
na Previdência Social, não há divisão dos lucros, nem
décimo terceiro, nem férias (o que mais se aproxima disso
é que quando não há trabalho a fazer mandam-nos descansar
de uma a duas semanas, ainda que sem direito a salário).
Em caso de doença ou acidente de trabalho não se dá
assistência médica, e se desconta o dia quando não se
apresentam para trabalhar por doença. No que diz respeito
às obrigações trabalhistas, se registram também várias
irregularidades. Por exemplo, quando uma trabalhadora
sabe operar vários tipos de máquinas, é colocada numa
máquina conforme as necessidades da produção do dia, ou
seja, pode ser colocada pra operar tanto uma máquina
simples como uma que oferece maior risco, sem que para
isso seja retribuída com um pagamento mais elevado em
função do risco presente no seu trabalho. Além dos
trabalhos em suas áreas, devem realizar outras atividades
alheias, como lavar utensílios, varrer, limpar, etc., já
que não se tem pessoal para a arrumação e a limpeza.
É nestas condições que se trabalha no "modernizado"
Estado de Morelos. E o ministro do Trabalho, Abascal?
Repartindo bênçãos.
Mas também, como nos tempos de don Porfírio, os
morelenses se rebelam. A luta do povo de Tepoztlán contra
a construção de um clube de golfe (agora há um projeto
parecido para Anenecuilco) e a de Tetelcingo contra a
instalação de um aeroporto, são alguns dos exemplos.
O enfrentamento entre o governo panista e o povo camponês
e urbano de Morelos aumenta. Na indústria têxtil
Confitalia ocorreu uma forte luta por parte do seu
sindicato (composto em sua maioria por mulheres). Em
resposta, vieram as demissões e as ameaças. O mesmo
ocorreu com os trabalhadores do Hospital da Criança.
Aí está a luta dos camponeses ejidatários dos povoados de
Popotlán, Huazulco e Amilcingo, pertencentes ao município
de Temoac, a leste de Morelos, pelo cumprimento da
convenção assinada entre os governos de Morelos e Puebla
sobre o reconhecimento das terras na divisa dos Estados.
Apesar do acordo final, se emitiu um decreto pelo qual
algumas terras destes três povoados passam a ser parte de
San Marcos, município do Estado de Puebla. No caso de
Popotlán esta divisão implica em separar Popotlán Viejo.
Por outro lado, os mesmos povoados têm lutado pelo
cancelamento do projeto rodoviário chamado Milenium, cuja
construção se daria com a expropriação de parte de suas
terras, já que a rodovia atravessaria seus ejidos.
O problema da rodovia já tem cerca de 6 anos; antes, o
projeto passava, supostamente, por outros terrenos
ejidais. Os povoados atingidos, entre eles Tenextepango e
Popotlán, se juntaram numa organização chamada Ejidos
Unidos do Oriente de Morelos Emiliano Zapata (EUOMEZ). Os
camponeses tiravam os marcos que os engenheiros colocavam
para assinalar os lugares por onde a rodovia passaria em
seus terrenos ejidais de Huazulco e Amilcingo. Um
problema, o da rodovia, se somou a outro, o da linha
divisória.
Em Amilcingo está a sede da Normal Rural Feminil Emiliano
Zapata, que é bastante combativa. Huazulco trata de se
unir internamente. A assembléia ejidal de Popotlán optou
por não ficar com os partidos; além da representação
ejidal, em Popotlán e nos três povoados tem muito peso um
camponês chamado don Lorenzo, ex-prefeito independente de
Temoac. Don Lorenzo, talvez lembrando os ensinamentos de
Emiliano Zapata, sempre esteve com os ejidatários e com
os moradores de Popotlán, nunca esteve em nenhum partido
político e participou das lutas da assembléia ejidal para
defender as terras. E, como Zapata, é um homem respeitado
e sua palavra é ouvida. Assim que, a nuvem se faz pedra
de novo e ouve com atenção:
O problema destas terras vem de longe, desde os anos 40,
conforme conta don Lorenzo, e em outras épocas já houve
enfrentamento entre ambos os povos. Este se reavivou com
a assinatura do convênio, que foi conseguida graças à
insistência dos de Popotlán e de alguns de Amilcingo.
San Marcos (Puebla), de acordo com sua ficha de dotação,
tem cerca de 3 mil hectares, sem contar os de Popotlán
Viejo (que são os que estão em disputa); por si só,
Popotlán tem pouco mais de 500. E há gente que não tem
onde semear e trabalhar.
O problema em Popotlán é que o ex-representante de
Popotlán, Francisco Aragon, assinou supostamente a
concessão de terras a favor de San Bartolo e San Marcos,
em Puebla, e agora é candidato do PRD à prefeitura de
Temoac, que desta vez cabe a Popotlán (o cargo de
prefeito é rotativo entre os quatro povoados: Amilcingo,
Huazulco, Popotlán e Temoac; a prefeita atual é de
Temoac, e, por este acordo, esta é a vez de Popotlán;
sobre esta estrutura rotativa se montam as eleições).
Com os camponeses de Popotlán estão os de Tenextepango,
que foram fundamentais para parar a construção do trecho
rodoviário.
Depois de ouvir e aprender com don Lorenzo, a pedra vai a
Amatlán de Quetzalcoatl, para aprender de don Aurélio e
da história do seu povoado quanto à defesa da terra, da
água e dos recursos comunais.
Mais pra lá está Ocotepec. Aí a loja Soriana tirou
terrenos da comunidade para construir um centro
comercial. A mobilização do pessoal e o apoio de
advogados honestos (que ainda existem) permitiram deter a
construção que está em juízo. Apesar de ter tudo contra
(autoridades, meios de comunicação, empresas e
tribunais), os moradores de Ocotepec se mantêm firmes.
O caso de Ocotepec, junto a outros, é parte da estratégia
do governador Estrada Cajigal para apoderar-se das terras
comunais. Recentemente, o governador mudou a utilização
do solo em toda Cuernavaca, para que se possa construir
de tudo (ou seja, um bom negócio para as construtoras de
centros comerciais e coisas deste tipo).
Agora a pedra vai à colônia Ahuehuetitla, em Cuernavaca.
As mulheres, organizadas nas Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs), contam o problema de uma invasão ocorrida
recentemente: uma pessoa fora do povoado tentou dividir
os comuneiros e se juntou a uma minoria para invadir
terras sem apoio da assembléia do povoado; uma parte das
terras que pretendiam tomar é comunal e outra parte é
propriedade privada cedida e acordada pela assembléia. O
representante de bens comunais avisou estas pessoas que o
povoado não apoiaria a invasão, a esta foi realizada de
qualquer jeito. Então, a polícia municipal entrou,
desalojou e levou presas várias pessoas, entre elas a que
encabeçava a invasão. Os comuneiros vêem esta situação
como uma tentativa do governo estadual de dividir o
povoado diante do problema da concessão das terras à loja
Soriana, que o povo rechaça, que está suspensa e em
disputa.
Um momento! Você disse Comunidades Eclesiais de Base?
Estas não desapareceram quando faleceu Don Sergio Méndez
Arceo? Não, não desapareceram. Apesar dos ataques
sofridos por parte da hierarquia eclesiástica que sucedeu
a Méndez Arceo, as CEBs resistem e mantêm o seu trabalho
comprometido com o povo. Como na colônia Santa Maria, ao
norte de Cuernavaca. Ou na colônia Lomas de Cortés e,
perto desta, uma colônia irregular de refugiados que
vivem nas vias do trem. A colônia se chama Ahuehuetitla e
muitas das crianças daí trabalham na rua, roubam e quase
todos se drogam e estão envolvidos na distribuição da
droga. A violência familiar é muito elevada: maus-tratos,
estupros suicídios. Com eles trabalha uma ONG chamada
Caminhando Unidos que tem uma escolinha de artes e
ofícios, cujo objetivo é resgatar a infância.
Agora a pedra se dirige ao setor Ahuehuetes do povoado de
Santa Maria. O povoado está geograficamente dividido em
duas partes, a leste da rodovia federal para o México. O
setor Ahuehuetes está no lado oeste do povoado, a norte
de Cuernavaca. Aqui, como em muitos lugares do México
rebelde, há muitas mulheres lutadoras. Em Ahuehuetes,
Ocotitla, Emaús, Monastério e El Sector as mulheres se
organizam para resolver os problemas que o governo não
atende. Os de Ahuehuetes têm o problema da luz. Há mais
de 10 anos lutam contra a Companhia de Força e Luz que
exige deles até 10 mil Pesos por poste além de outra
cobrança pela instalação em cada casa. As mulheres não se
conformam com isso e procuram organizar-se ainda que sem
o apoio de seus maridos, pois estes dizem: "se você luta
contra o governo depois não vai ter escola para seus
filhos".
No setor Ocotitla, os donos e senhores são os japoneses
Watanabe, proprietários de laboratórios fotográficos em
Cuernavaca; estes neocaciques compraram, de forma
irregular, muitas das terras do setor Ocotitla, e hoje
exigem que os moradores pobres deste lugar se mandem de
"suas terras".
Alguns anos atrás, os colonos ganharam uma ação contra o
Hotel Del Prado, um monstro cinzento que lhe dá as costas
e contrasta com as casas de madeira e papelão, ou com as
construções irregulares dos moradores de Ahuehuetes,
encravadas na parte mais alta do vale que flanqueia o
setor oeste de Cuernavaca, o mesmo onde foram construídas
as Casas Geo quando era prefeito o atual governador do
estado Sergio Estrada Cajigal. Os comuneiros venderam
suas terras a preços baixos e foram reassentados nos
terrenos onde, supostamente, havia serviços básicos, mas
os serviços nunca chegaram. O então prefeito também
retirou os moradores da encosta para criar a ponte viária
que une o lado oeste com o centro de Cuernavaca, para que
os compradores das Casas Geo tivessem uma via de acesso e
sua venda fosse mais rápida. Os donos do Hotel Del Prado
protestaram contra a "má aparência" que Ahuehuetes
oferecia a seus clientes, de tal forma que pediram o
desalojamento: os habitantes se organizaram para resistir
e o hotel teve que cancelar os quartos que davam para o
vale.
A expropriação neoliberal não é só de terras, é também de
história e de cultura. Mas, felizmente, também encontra
resistências.
Ao projeto de transformar o Casino de la Selva em centro
comercial se opõe a Frente Cívica em Defesa do Casino de
la Selva. Integrada, entre outras organizações, pelo
coletivo La Neta, pelos Guardiões das Árvores, pelo
SERPAJ-Morelos e pelo Conselho Cidadão dos Artistas e
Intelectuais em Defesa da Cultura do Estado de Morelos, a
Frente Cívica enfrentou com firmeza as investidas do
governador Estrada Cajigal, apesar da repressão.
Com requinte de violência, os membros da Frente Pro
Casino de la Selva foram atacados por forças do governo
no mês de agosto de 2002. Resultados: presos e gente que
apanhou. Renderam-se? Não. A sociedade civil morelense se
organiza e realiza uma das maiores passeatas de protesto
da história recente de Morelos.
Mais pra cá no calendário, o ato mais recente que fizeram
foi quando seis deles entraram no Salão Verde da Câmara
dos Deputados e se despiram em sinal de protesto. Além
disso, mantêm um plantão-jejum na entrada do palácio do
governo estadual.
Mas o espírito rebelde de Emiliano Zapata não está só nos
camponeses, indígenas, operários, CEBs e intelectuais
morelenses. Ele ilumina também o passo dos jovens.
Aí está, por exemplo, o Coletivo Anarco Punk CLAT
(Coletivo Libertário Anti Tudo). Alguns jovens integram a
rede Punk RIVAL (Rede Informativa de Vozes Autônomas
Libertárias) e da Coordenação Estadual Anarco Punk. O
projeto dos jovens punk está vinculado ao trabalho
comunitário nas colônias populares. Apesar de serem
seguidamente hostilizados pela polícia, estes jovens, sem
deixar de ser o que escolheram ser, se vinculam a outras
lutas. Talvez porque entendem bem que o amanhã se
constrói com muitas rebeldias.
A nuvem acredita que o meu general Zapata estaria
satisfeito ao ver a rebeldia que, apesar de tudo, resiste
e floresce em Morelos. Por isso, a pedra sorri quando
coloca uma nuvem azul, em forma de flor, no túmulo do
chefe do Exército Libertador do Sul e Comandante Supremo
do Exército Zapatista de Libertação Nacional.
E, animadas pela memória de Emiliano Zapata, pedra e
nuvem dirigem seu passo rebelde para Milpa Alta, solo
indígena e digno às margens da cidade que cresce para
cima, a Cidade do México.
Das montanhas do sudeste mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos.
México, janeiro de 2003
https://www.alainet.org/es/node/108134
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