O PT no fio da navalha
28/07/2003
- Opinión
Ao: Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva e Presidente de Honra do Partido dos Trabalhadores
Ao : Presidente do PT, José Genoíno
De : Marcos Arruda
Em : 29/7/03
José Genoíno, presidente do Partido dos Trabalhadores,
diz que o Brasil está no fio da navalha. Mas suas
declarações, em grande parte dirigidas ao movimento
social, porém feitas para um público em nada
identificado com o povo trabalhador - a Associação
Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos
(Abimaq) - parecem indicar que é o PT quem está no fio
da navalha !
Pensemos juntos se as declarações do Genoíno,
aparecidas em O Globo de 25/7/03, são coerentes com o
sentido histórico do PT ou se contrariam esse caminho.
Minha mensagem ao Presidente da República em maio
passado, que não teve resposta nem dele nem de algum
assessor, também versou sobre o tema da relação do PT
com o Estado e a Sociedade Civil ; as observações que
proponho aqui são complementares àquelas. Tomo por base
as declarações apresentadas no jornal. Se este
interpretou mal as falas do presidente Genoíno, cabe
correção ou desmentido.
1.. « O governo Lula não é conivente com esses
movimentos (sociais), nem com ações de desrespeito às
leis. Mas o que eles estão fazendo deixa o clima
social num nível que nos preocupa. Eles precisam
entender que não vamos resolver os problemas sociais
no confronto, mas na negociação. » As falas do
Genoíno, como foram transcritas pelo jornal, revelam
que ele fala como Governo e não como Partido dos
Trabalhadores. Isto não é adequado para o Presidente
do Partido dos Trabalhadores, cuja maioria absoluta
de militantes não ocupa postos de governo, não fazem
parte da Sociedade Política, mas sim estão situados
na Sociedade Civil. Genoíno faz o erro de tomar a
parte pelo todo, erro grave pois ele toma a posição
da menor parte, para criticar a maior parte do Partido.
2.. « Não concordamos com este clima de invasões,
invasões, invasões, que dá insegurança à sociedade.
Não é bom nem para o movimento, nem para o país, nem
para as autoridades ». Segundo o jornal Genoíno critica
os movimentos sociais e apela para que deixem de
fazer «invasões». Adota o ponto-de-vista e a
linguagem da grande mídia e dos latifundiários para
falar das ocupações, legítimas em geral, daqueles que
vivem sem terra no campo e sem teto na cidade. «
Insegurança » de quem? Acaso a imensa população dos
sem terra, sem teto, sem direitos não é também
sociedade ? E que segurança têm eles na sua vida
familiar cotidiana ? Comparemos o seu índice de
desenvolvimento humana (IDH) com o da « República de
Ipanema », com seus 174 mil habitantes e seu IDH de
0,988, superior ao da Noruega (O Globo, 17/7/03) ...
Trata-se do mesmo Brasil ou de dois Brasis
diferentes, o da minoria rica e o da maioria destituída
de riquezas materiais e dignidade ? Elegemos o
Governo Lula justamente para integrar com equidade e
solidariedade esses dois Brasis numa só Nação justa e
feliz!
3.. É preciso que o governo e o PT institucional
acreditem, de uma vez por todas, que a grande massa
eleitora de Lula quer que o Governo Lula dê certo,
que ele efetivamente opte pelas mudanças. E está
disposta a dar seu apoio para que isto aconteça. Eu me
coloco, humildemente, entre estes, e tenho sido
defensor do Governo Lula em todos os espaços em que
tenho influência - palestras, cursos, debates,
seminários, aulas, entrevistas no Brasil e no exterior.
Mas se trata de um apoio crítico, que é o oposto de
apoio alienado ou manipulado.
4.. Segundo o artigo, Genoíno disse que o governo não
perdeu o controle da situação e « poderá promover
travessia tranquila para o crescimento ». É preciso
que fique claro que as críticas, pressões, ocupações
e ações do movimento social não são contra o Governo
Lula, mas sim a favor do projeto de mudanças ! Todos
sabemos que elas não virão de mão beijada nem mesmo
deste governo, que tem um caráter popular inconteste.
Todos sabemos que o Governo Lula sofre contínua pressão
dos grupos poderosos e privilegiados, que têm
usufruído da crise permanente que aflige a maioria do
povo brasileiro. Ao contrário do que diz Genoíno,
sabemos que o Governo Lula não poderá promover
travessia tranquila para o crescimento, justamente
porque até mesmo o crescimento econômico contraria
interesses dominantes no modelo atual, como o dos
grandes investidores e especuladores nacionais e
internacionais nos mercados de capitais do nosso
país. O discurso 'crescimentista' do próprio FMI é
contrariado por sua prática, confirmada pelas crises
dos países que seguem seus 'conselhos'. Os ajustes
que tem promovido e financiado têm caráter
cronicamente recessivo da economia interna dos países
que os aplicam. A travessia para as mudanças não poderá
ser tranquila, não porque o Governo e o povo não
queiram, mas porque os poderosos não aceitarão as
mudanças, sendo seu projeto o da continuidade
perpétua do modelo concentrador de riqueza e
privilégios.
5.. O Governo e o PT precisam compreender que, frente
a essa pressão contínua dos poderosos em favor da
continuidade do modelo neoliberal de capitalismo, a
única maneira que o povo tem de garantir que o projeto
de mudanças se torne efetivo é criticar, pressionar,
atuar enquanto Sociedade Civil, até para municiar
aqueles que no Governo desejam e trabalham pelas
mudanças. Será que isto não está claro para vocês ?
Imaginamos que sim, e por isso nos surpreendemos que
apareçam queixas e críticas ao movimento social como
as que faz Genoíno nessas declarações.
6.. Melhor faria o companheiro Genoíno se dirigisse
suas críticas aos que desejam a continuidade do
modelo neoliberal, e aos que produzem as políticas que
estão reproduzindo este modelo num rumo cada vez mais
perigoso para o país, agravador da vulnerabilidade da
nossa economia e danoso para a maioria : o FMI, os
grandes bancos estrangeiros e nacionais, o capital
volátil etc. Os indicadores dos primeiros seis meses de
governo são altamente preocupantes : e não é por
falta de admoestações, avisos, prognósticos de tantos
de nós, mulheres e homens empenhados na luta pela
transformação socioeconômica, economistas-militantes,
sociólogos, dirigentes trabalhadores e empresários
etc.
7.. Chegou a hora de o Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social dizer, alto e bom som, que o
Brasil precisa de
(1) uma verdadeira Reforma da Seguridade Social - que
faça retornar o seu superávit bilionário de volta às
atividades-fins para as quais está previsto na
Constituição de 1988, inclusive para cobrir, com
sobra, o déficit da Previdência. Que os brasileiros
não nos deixemos enganar : em países de alta incidência
de pobreza como o Brasil, não existe qualquer
possibilidade de um sistema público universal e
autofinanciado de Previdência ! E sua privatização só
pode aprofundar as desigualdades e os privilégios;
(2) uma verdadeira Reforma Fiscal, que envolva tanto
o campo da arrecadação, i.e. o tributário, quanto o
das despesas. Que esta reforma seja desenhada para
tornar viável o crescimento e o desenvolvimento
econômico e tecnológico, social e humano através de
uma ativa redistribuição da renda e da riqueza, do
saber e do poder;
(3) uma verdadeira Reforma Agrária, que efetive no
atual mandato Lula a inclusão sustentável, na produção
agropecuária e agroindustrial, de uma parcela
importante dos atuais excluídos ou subempregados do
campo e das cidades ; tal reforma terá um efeito
extraordinariamente dinamizador do crescimento interno
da economia brasileira, incluindo a satisfação das
necessidades alimentares da maioria a preços sempre
mais acessíveis, o aumento do índice de segurança
alimentar do país e a redução do excedente populacional
dos centros urbanos ;
(4) a auditoria pública das dívidas financeiras, a
articulação com outros países devedores do continente
visando uma negociação soberana com os credores, que
tenha como referencial o objetivo de saldar as
dívidas sociais e ambiental, dos quais é credora a
maioria trabalhadora, os pobres e os excluídos ;
(5) uma política consistente para com os povos
indígenas, incluindo o imediato atendimento das
reivindicações básicas desses povos, como a urgente
demarcação de suas terras, o suporte socioeconômico aos
seus empreendimentos e o reconhecimento na prática do
seu direito de autodeterminação e dos valores da sua
cultura ;
(6) uma inversão de prioridades e uma redefinição de
conceitos nas negociações com o FMI, que coloque como
prioridade a retomada do crescimento interno, um
montante significativo de investimentos e apoio
político à economia solidária, a redistribuição da
renda e da riqueza e o avanço na construção de uma
base produtiva adequadamente distribuída no plano das
regiões ;
(7) uma ofensiva na construção de uma integração das
economias, das culturas, dos conhecimentos e dos
recursos comuns aos países sul-americanos, sem a qual
qualquer acordo com os países altamente
industrializados resultará desigual e nocivo aos nossos
interesses e ao nosso projeto de desenvolvimento; esta
ofensiva passa pela realização, antes do final de
2004, de um plebiscito oficial sobre a ALCA, que
constitua uma consulta efetiva à população sobre um
acordo que afetará profundamente a soberania da Nação
e a vida do nosso povo.
Atenciosamente,
Marcos Arruda
PACS
PACS
https://www.alainet.org/es/node/107989?language=en
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