O fato e a calúnia
24/07/2003
- Opinión
Dizem que em jornalismo existe o fato e a versão do fato.
No caso do fotógrafo assassinado, porém, fica difícil
distinguir o que é fato, versão do fato ou calúnia.
Imediatamente alguns parlamentares - José Carlos Aleluia,
do PFL e o governador Geraldo Alkmin, do PSDB -
vincularam a morte do fotógrafo às ocupações de terra no
campo, que agora estariam transpondo-se para as cidades.
A Globo não tardou a dar guarida a esse tipo de
insinuação. Numa linguagem montada, entre falas, imagens
e opiniões, havia a clara intenção de responsabilizar o
Movimento dos Sem Teto, vincular essa luta aos Sem Terra,
responsabilizar esses movimentos pela violência que vive
a sociedade brasileira. Ficou difícil para a população
discernir o que é fato, versão, opinião ou até mesmo a
calúnia.
Esse tipo de atitude, tanto dos políticos como da Globo,
trai os interesses mais escabrosos de uma parcela da
sociedade que insiste em manter a sociedade brasileira de
ponta cabeça, montada sobre a injustiça e a miséria. É a
recusa permanente de ver o Brasil pelo avesso, por suas
vísceras, por suas vítimas históricas. Para eles, os
pobres, principalmente os organizados em movimentos, são
a causa da violência e não sua mais exata conseqüência.
A Comissão Pastoral da Terra registra os mortos no campo
desde 1985. De lá para cá, aproximadamente 1500
trabalhadores rurais foram assassinados por policiais,
pistoleiros ou fazendeiros. Não é prática dos
trabalhadores matar fazendeiros ou policiais. Esses
registros, caso existam, são ínfimos. Por isso, vincular
imediatamente o assassinato do fotógrafo ao MTST,
estendendo-o diretamente ao MST, fere os brios de quem
tem um mínimo de ética e decência.
É preciso apurar o fato, como tantos outros, onde as
vítimas são pessoas pobres e anônimas. Talvez fique mais
claro para esses políticos e para a Globo quem são os
violentos e quem são os violentados dessa injustiça
chamada Brasil.
* Roberto Malvezzi (Gogó) é membro da Coordenação Nacional
da CPT.
https://www.alainet.org/es/node/107988
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