Conferência do Presidente Lula na London School of Economics
12/07/2003
- Opinión
Londres, 13 de julho de 2003
É uma honra ser convidado pela LSI, uma Escola que teve importante
papel na história do socialismo na Inglaterra e continua a ser um
centro importante de reflexão para as ciências sociais.
Seus fundadores – o casal Beatrice e Sidney Webb -, membros da
Sociedade Fabiana, são autores de uma História das Lutas Sociais que
foi traduzida há décadas no Brasil e teve papel significativo na
formação de muitos militantes operários e socialistas em meu país.
Em tempos mais recentes, o sociólogo Ralph Milliband foi fonte de
inspiração para o socialismo democrático.
Outras personalidades estiveram, de alguma forma, associadas a esta
casa, como o grande intelectual e pacifista Bertrand Russell, a
quem tanto deve a humanidade.
Vim a Londres participar da cúpula da Governança Progressista, a
convite do Primeiro-Ministro Tony Blair. Vim aqui trazer a mensagem
pela qual fui eleito por 53 milhões de brasileiros e brasileiras
para governar nosso país. É uma mensagem que tenho levado a vários
outros foros nestes seis meses iniciais de meu governo.
Estive em Porto Alegre com meus amigos e companheiros do Forum
Social Mundial. Fui a Davos, no Forum Econômico Mundial. Compareci
ao diálogo ampliado com o G-8, em Evian; e agora vim para a reunião
com líderes da Governança Progressista.
Nesse mesmo período, entrevistei-me com quase todos os presidentes
da América do Sul, com os Presidentes Jacques Chirac, George Bush,
Vladimir Putin, Hu Jintao, M'Beki, com o Chanceler Gerhard
Schroeder, o Primeiro-Ministro da Índia, muitos chefes de Estado e
de Governo e destacadas personalidades internacionais.
Nas últimas eleições, o povo brasileiro deu mostras de coragem e de
maturidade. Sabia da grave crise e econômica e social e escolheu
mudar os rumos do país.
É grande a nossa responsabilidade.
Temos de resolver problemas de curto, médio e longo prazos.
Encontramos um quadro de dificuldades, alimentado pela especulação
política e financeira.
A economia estava fragilizada.
O dólar havia chegado a 4 reais. A inflação prevista para os 12
meses seguintes era superior a 40%. O risco Brasil estava em 2400
pontos.
O financiamento para o nosso comércio exterior havia sido cortado.
Era grande a vulnerabilidade externa da nossa economia.
Para reverter este quadro, adotamos uma política monetária e fiscal
rigorosa e estimulamos as exportações.
Já começamos a ver o resultado dessas políticas.
O dólar caiu de 4 para 2 reais e oitenta centavos. A previsão
inflacionária baixou de 40% para 7%. O risco Brasil recuou de 2400
para cerca de 700 pontos.
O crédito internacional ao nosso comércio exterior foi retomado.
As exportações têm aumentado e devem chegar a 20 bilhões de dólares
em 2003.
Nossa vulnerabilidade externa diminuiu consideravelmente
A reconquista da confiabilidade internacional e nacional no Brasil
estimula novos investimentos produtivos e cria condições para um
desenvolvimento sustentado.
As medidas que adotamos nesta fase de transição estão criando as
condições para um novo ciclo de crescimento com justiça social.
O povo brasileiro entende este processo e confia no nosso programa.
Por isso pudemos contar com sua compreensão neste período inicial,
necessariamente difícil.
Nosso padrão de crescimento não pode ser o mesmo do passado, quando
atingimos taxas médias de cerca de 7% entre 1930 e 1980 em cinqüenta
anos. O Brasil chegou a ser a oitava economia do mundo, mas
descuidou-se das condições de vida do povo.
O crescimento excepcional daqueles anos não foi acompanhado por
indispensáveis reformas sociais. A renda e o poder continuaram
concentrados. Enquanto os ricos se tornaram mais ricos, os pobres
ficaram mais pobres. Conseguimos remover o autoritarismo, mas não
superamos as desigualdades.
E nossa vulnerabilidade externa aumentou.
O programa de mudança que começamos a executar prevê a retomada do
crescimento com efetiva distribuição de renda, geração de empregos e
inclusão social.
Contempla o aprofundamento da democracia, com crescente participação
dos cidadãos. E a presença afirmativa do Brasil no mundo, de modo
coerente com nossos interesses e responsabilidades.
Necessitamos construir um grande mercado de consumo de massas que
incorpore os 40 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem à
margem da produção, do consumo, dos serviços públicos e do acesso
aos bens educativos e culturais.
Faremos uma reforma agrária de qualidade, acompanhada de políticas
agrícolas consistentes.
Estamos impulsionando políticas públicas nos âmbitos da saúde,
educação e cultura, habitação, saneamento, meio ambiente, transporte
e turismo. Ampliaremos a infraestrutura para garantir o novo ciclo
de expansão.
Estamos formulando políticas industriais não-paternalistas e
democratizando o crédito, tornando-o mais acessível para milhões de
pequenos produtores e consumidores, assim como para a pequena e
média empresa.
Mas temos desafios imediatos.
A fome não pode esperar.
O Programa FOME ZERO propõe soluções estruturais para o País, mas,
ao mesmo tempo, defende medidas de emergência.
O programa de Primeiro Emprego oferece oportunidade de trabalho a
centenas de milhares de jovens, que, do contrário, seriam
arregimentados pelo narcotráfico e o crime organizado.
Estamos aprofundando a democracia. A sociedade foi convocada a
ajudar a definir os rumos do governo. Criamos o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social e estamos estimulando outros
foros de participação. Temos ampliado a articulação política e
buscado somar forças em torno de nosso projeto de crescimento com
eqüidade.
Os 27 governadores de Estado foram convocados e deram apoio unânime
aos projetos de reforma Fiscal e da Previdência.
Com a reforma da Previdência, vamos tornar o sistema de
aposentadorias e pensões mais justo e sustentável. Com a nova
política tributária, a economia produtiva será fortalecida.
Estamos combatendo sem trégua a corrupção.
A nova política externa tem permitido ao Brasil buscar uma
integração soberana no comércio internacional. Através de uma
diplomacia afirmativa, estamos impulsionando a integração regional
sul-americana e estabelecendo novas parcerias.
Nossa prioridade é a América do Sul: a reconstrução do Mercosul
deverá ir além da União Aduaneira, articulando políticas agrícolas,
industriais, sociais, culturais, de ciência e tecnologia e
construindo instituições políticas, inclusive caminhando em direção
a um parlamento. Mais adiante, queremos chegar a uma moeda única.
Estamos atuando decididamente para aproximar o Mercosul dos países
andinos e unir a América do Sul. É indispensável construir a
infraestrutura que permita integrar fisicamente nossas economias.
A integração física do nosso continente exigirá recursos, inclusive
externos. Mas também abre oportunidades para investimentos, em
benefício das empresas de dentro e fora da região.
Estamos decididos a resgatar nossa dívida com a África, à qual
estamos ligados por fortes laços étnicos e culturais. No próximo mês
de agosto, estarei visitando cinco países do sul daquele continente.
Buscamos, para além da nossa região, estreitar contatos com os
grandes países em desenvolvimento, como China e Rússia, entre
outros.
Tivemos já a primeira reunião de chanceleres Brasil / África do Sul
/ Índia. Constituímos, assim, um G-3 do Sul. Obviamente esse grupo
pode ampliar-se.
A idéia é trabalhar com países que compartilham a aspiração por
uma ordem econômica e política mais justa e democrática e fazer tudo
isso em estreita coordenação com nossos sócios do Mercosul e da
América do Sul.
Queremos abrir novos horizontes para a nossa relação com o mundo
árabe. Estamos propondo – com excelente receptividade – uma reunião
de cúpula entre os países da América do Sul e os países árabes para
discutir comércio, investimentos e outras formas de cooperação
econômica e política.
Buscamos um relacionamento maduro com a Europa e com os Estados
Unidos, que permita a ampliação da cooperação em todas os terrenos,
com pleno respeito às diferenças que possamos ter.
Países em desenvolvimento como o Brasil têm feito um enorme e bem-
sucedido esforço para aumentar a competitividade dos seus produtos e
para desenvolver sua infra-estrutura. Mas essas conquistas são hoje
frustradas pela existência de medidas protecionistas por parte dos
países ricos. Esse verdadeiro "apartheid comercial" agrava a
exclusão social.
Precisamos combatê-lo com determinação.
O multilateralismo e o respeito ao direito internacional são pilares
que devem sustentar a ordem mundial. Favorecemos iniciativas para
fortalecer a ONU e os organismos multilaterais.
As soluções mais duradouras e justas para as questões que afetam a
paz e segurança internacionais, inclusive a ameaça do terrorismo,
são aquelas que surgem da concertação nos foros multilaterais e que
promovem o respeito aos direitos humanos.
Sustentamos que as crises internacionais podem e devem ser
solucionadas pela via pacífica. No s raros casos extremos em que
isso não é possível, a autorização do uso da força pelo Conselho de
Segurança da ONU é indispensável.
Para uma maior eficácia e real democratização dos organismos
internacionais, é fundamental reformar o Conselho de Segurança da
ONU.
Para ter maior legitimidade e representatividade, o Conselho de
Segurança deve ser ampliado, incorporando países em desenvolvimento
das várias regiões do mundo entre seus membros permanentes. Neste
contexto, países de diversas regiões, muitos deles da América do
Sul, têm expressado seu apoio ao ingresso do Brasil no Conselho de
Segurança.
Em todos os meus pronunciamentos em foros internacionais, tenho
conclamado os líderes mundiais a se engajarem na luta contra a fome.
São mais de um bilhão de seres humanos marginalizados da produção,
do consumo, da cultura e da cidadania. Em Davos e Evian, defendi a
criação de um fundo de combate à fome e apresentei sugestões para
constituí-lo.
Há outras propostas com objetivos semelhantes. Necessitamos proceder
a uma reflexão conjunta, envolvendo líderes políticos,
personalidades do movimento social, empresários, acadêmicos, para
conjugar o que há de melhor em todas essas propostas e estudar os
meios de concretizá-las.
Mas a condição essencial para que esse esforço tenha êxito é a
existência de forte vontade política por parte daqueles que têm
capacidade de decisão. Por isso, continuarei exortando os líderes da
comunidade internacional a assumir suas responsabilidades. Mais do
que um tema de política externa, este é um imperativo ditado pela
ética e o sentimento humano.
O mundo pode esperar determinação do povo brasileiro de construir
uma sociedade justa e mais próspera para todos.
Pode esperar de seu Governo vontade política para combater os
desequilíbrios sociais, a pobreza, as doenças, o analfabetismo, a
corrupção.
Estamos mudando o Brasil e queremos contribuir para que o mundo
também se transforme.
Queremos um novo pacto pela paz e o bem estar dos povos.
Queremos uma ação decidida em favor do desenvolvimento sustentável
com justiça social. Queremos fortalecer a democracia e a liberdade,
respeitando o pluralismo e a diversidade.
Muito obrigado.
https://www.alainet.org/es/node/107940?language=en
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