As lições dos EUA

19/07/2003
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O ministro de relações exteriores do Brasil, Celso Amorim, sintetizou o que Lula quis dizer quando falou que os EUA só pensam em si mesmos: "os EUA sabem defender os seus interesses e que é isso que devemos fazer". Os EUA têm uma trajetória extraordinária como país. Derrotaram a então maior potência colonial, a Inglaterra, e fundaram o primeiro modelo de democracia liberal no mundo – mesmo convivendo com a escravidão -, enquanto a Europa, que havia elaborado esse modelo, continuava dominada por regimes monárquicos. Muito rapidamente, no entanto, foi se impondo a tendência expansionista dos EUA, com a anexação de parte significativa do território mexicano, de Porto Rico, de Filipinas, das ilhas Gwan e de Cuba, depois da guerra hispano-americana. Ao longo das duas guerras mundiais do século XX, os EUA conseguiram se impor, primeiro como potência hegemônica no bloco capitalista, conforme a Alemanha era derrotada e a Inglaterra entrava em decadência e, ao final da "guerra fria", como única superpotência no mundo atual. Em pouco tempo os EUA passavam de colônia a maior potência imperial da história. Nessa trajetória, os EUA pensaram sobretudo em si mesmos, nos seus interesses, tratando ademais de impô-los aos outros, imbuídos como sempre estiveram da idéia de que possuem uma missão civilizatória no mundo – a de levar sua forma de vida, considerada superior, ao resto do mundo. Que escolhessem seu modo de vida não poderia se desdobrar na dimensão imperial que o projeto hegemônico norte- americano passou a ter. Isto está na raiz de sua dinâmica imperial. Os sucessivos governos dos EUA defendem ferreamente os seus interesses. Não da dinâmica expansionista, mas dessa tenacidade temos que aprender. Os governos norte- americanos se valem alternada e simultaneamente, de políticas de livre comércio e protecionistas, conforme o momento ou conforme o setor, para defender os investimentos e os empregos dos distintos ramos da economia dos EUA. Não nos enganemos sobre isso. Quando têm condições de competição favoráveis, pregam o livro comércio. Quando não as dispõem, colocam em prática o protecionismo. Essa forma tenaz e firme de defender os interesses do seu país pode ensinar lições ao Brasil. Nosso governo não tem por que assumir as teses do livre comércio. Pode criticar governos como os dos EUA e da Europa ocidental pela incoerência de defender o livre comércio e de praticar o protecionismo, mas nunca pode se esquecer que países como o Brasil, que chegaram mais tarde ao mercado internacional, só puderam dar os saltos formidáveis que deram suas economias, pela proteção de suas economias. O Brasil teria continuado a ser uma economia primário exportadora, não fosse essa proteção. Pregar a abertura mútua de economias com capacidade competitiva desigual, como a brasileira, por um lado, e as norte-americana e européias por outro – como tem feito Lula -, não implicaria em benefícios mútuos, mas em resultados muito mais favoráveis às economias centrais, muito mais desenvolvidas, do que as nossas. Pela maior exportação de sapatos, aço e suco de laranja ao mercado norte-americano, por exemplo, teríamos que abrir as compras governamentais, o direito de patentes e outras áreas estratégicas do Brasil. Inclusive porque os processos de integração regional – como o Nata, a unificação européia e o Mercosul – só são possíveis mediante formas de protecionismo. Caso reinasse realmente o livre comércio, elas não seriam possíveis e no entanto são estratégicas para que os países de cada região possam conseguir reinserções internacionais mais favoráveis. O livre comércio foi e continua sendo a regra que permite a reprodução e a consolidação da hegemonia das grandes potências centrais do capitalismo, em detrimento da periferia e da semi-periferia. Do que se trata é de nos valermos da proteção dos setores estratégicos para nossa economia – que é uma das chaves do salto tecnológico, econômico e social dado pela Coréia do Sul -, para sabermos defender nossos interesses e, ao mesmo tempo, avançarmos na integração regional e na construção de um mundo multipolar.
https://www.alainet.org/es/node/107931?language=en
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