V Encontro Nacional do MAB: Carta de Brasília
12/06/2003
- Opinión
Reunidos no Encontro Nacional, 900 lideranças do
Movimento de Atingidos por Barragens, dos Estados de GO,
DF, RS, SC, PR, SP, MT, RJ, MG, TO, PA, CE, MA, SE, PB, BA
e RO, compartilhamos situações enfrentadas nos vales e
barrancas dos rios brasileiros pelas comunidades e famílias
atingidas. Deslocados compulsoriamente sem reassentamento
ou reparação, ou reassentados em condições precárias, vendo
nossas comunidades destruídas e nossas culturas e tradições
desrespeitadas, perdendo o lugar de trabalho e meios de
vida, sofrendo o ataque frontal ao território dos povos
indígenas, com os ribeirinhos obrigados a conviver com a
morte dos peixes assistindo à degradação do meio ambiente,
os atingidos somos as primeiras vitimas de um
desenvolvimento que se faz às custas da maioria e em
beneficio de um pequeno grupo de empresa privadas,
nacionais e internacionais, que se apropriam das riquezas
produzidas de todo um povo.
Ao analisarmos a conjuntura política nacional e a situação
do setor elétrico brasileiro, nós presentes ao Encontro
Nacional do MAB declaramos:
1. O MAB participou e comemorou com entusiasmo a eleição de
Lula para a Presidência da República. O entusiasmo vem
da certeza de que com a eleição do novo governo, abre-se
a oportunidade para iniciar uma nova história do país
com profundas transformações econômicas, políticas,
sociais e culturais, que alterem um modelo de
desenvolvimento perverso, que condenou o povo ao
desemprego, à miséria e fome, e a perda da soberania,
enquanto alimenta de altos juros e lucros as grandes
empresas capitalistas e banqueiros, nacionais e
estrangeiros .
O entusiasmo vem da certeza de questionamento dos velhos
chefes políticos locais e regionais que durante décadas -
antes, durante e depois da ditadura militar - dominaram e
oprimiram nosso povo, servindo de embaixadores regionais e
locais dos interesses dos grandes capitalistas, banqueiros
e latifundiários.
2. Temos clareza que a mudança do modelo de desenvolvimento
só vai acontecer se for enfrentada com firmeza a luta
pela mudança do modelo energético. Mais do que nunca é
necessário mudar radicalmente a forma de produzir,
distribuir e consumir energia elétrica em nosso país. O
modelo energético e o setor elétrico existentes foram
estruturados para alimentar, apoiar e reproduzir as
desigualdades regionais que caracterizam esta sociedade,
socialmente injusta e ambientalmente irresponsável.
O setor elétrico, além de ser responsável pela expulsão
de mais de um milhão de pessoas de suas terras e moradias,
de condenar a morte povos indígenas e suas culturas
seculares, de destruir rios e florestas, tem alimentado a
industria de barragens - as grandes empreiteiras, as
empresas de consultoria, as industrias estrangeiras de
equipamentos elétricos, as agencias financeiras.
3. Com a privatização do setor elétrico, levada a cabo pelo
governo Neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, a
situação se tornou ainda mais grave. Nossos rios estão
sendo entregues, de mão beijada à cobiça dos grandes
empresários: patrimônio público, nossas águas estão
sendo colocadas a serviço do lucro privado. As empresas
privadas elevam os preços da energia, não pagam suas
dividas e enviam para o exterior o resultado de suas
operações. Muitas concessões para industrias de
alumínio, que disfarçadas pelo apelido de autoprodutores
ou produtores independentes vão usar nossos rios, para
produzirem e exportarem alumínio para a Europa, EUA e
Japão, e o que é pior, este verdadeiro saque a riqueza
nacional vem sendo realizado com o apoio financeiro e
político dos órgãos do próprio governo. No mesmo
momento que as empresas privadas elevam as tarifas de
eletricidade pagas pelos pobres, a Eletronorte por
exemplo vende eletricidade subsidiada, abaixo do preço
de custo, para Alcoa e Albras.
4. A mudança no Setor Elétrico deve começar com a imediata
suspensão das concessões e licenciamento de novas
usinas. É também urgente a revisão de toda a legislação
de concessões do governo FHC e as normas de
licenciamento herdadas da ditadura militar. É
indispensável suspender os subsídios e favores as
empresas privadas. Mais nenhum tostão deve sair dos
cofres públicos, ou do BNDES, para apoiar as empresas
elétricas privadas e o governo tem a obrigação de
executar a dívida das empresas inadimplentes e retorná-
las ao controle publico.
5. Em direção ao novo modelo do setor elétrico, o MAB
simultaneamente luta por :
a) Políticas para o setor elétrico.
– Amplo e democrático debate, com a participação do MAB
para a elaboração e deliberação a cerca de um projeto
de reestruturação do setor elétrico.
– Execução da divida das empresas elétricas privatizadas
e retomá-las ao controle público e estatal sobre as
empresas que não cumprem os contratos.
– Suspensão de novas licitações, licenciamentos e
estudos até uma completa revisão dos procedimentos
para estudo, licitação, concessão e licenciamento de
empreendimentos hidrelétricos.
– Suspensão dos subsídios aos grandes consumidores, em
particular às indústrias eletrointensivas.
– Educação da população para o uso racional da energia.
– Priorizar investimentos e pesquisa do governo em
fontes alternativas de energia.
b) A mudança também exige o imediato resgate da dívida
econômica e social com os atingidos e ameaçados por
barragens. O MAB luta por:
Ajuda emergêncial para socorrer atingidos por barragens em
situação de calamidade.
Recuperação e desenvolvimento sócio-econômico das
comunidades atingidas por barragens, através de um Programa
para a Recuperação e Desenvolvimento Sócio-Econômico das
Comunidades Atingidas por Barragens e de um Fundo Especial
de Recuperação e Desenvolvimento Sócio-Econômico das
Comunidades Atingidas por Barragens.
Política de preços, com energia elétrica com baixo custo
para os atingidos por barragens, trabalhadores de baixa
renda e desempregados.
Resgate da dívida social e ambiental do setor elétrico nas
barragens já construídas e em construção, através da
reparação das perdas das populações atingidas.
Garantia de energia elétrica e água para todas as famílias
do país.
Desenvolvimento de um plano nacional de educação energética
e ambiental das populações atingidas ou ameaçadas por
barragens, sob a coordenação do MAB.
Criação de uma linha de crédito especial para os atingidos
e ameaçados pelas barragens.
6. O MAB sabe que a conquista destas reivindicações
dependerá sobretudo da consciência, luta e organização
dos próprios atingidos. Por isso, as lideranças
reunidos neste Encontro Nacional se comprometem e
convocam todos os atingidos do país a avançarem em suas
organizações de base, em suas mobilizações e lutas.
Convocam todos os atingidos a estreitarem seus laços de
solidariedade e cooperação com a Via Campesina e com os
demais movimentos populares, engajados na construção e
realização de um Projeto Popular para o Brasil.
7. O MAB igualmente reafirma sua identidade e unidade com
os movimentos atingidos de todo o mundo, que este ano
estarão reunidos no II Encontro Internacional de
Atingidos por Barragens, na Tailândia. As lutas dos
atingidos de todo o mundo tem os mesmos adversários: o
grande capital, a indústria internacional de barragens,
o imperialismo.
8. O MAB reafirma os compromissos assumidos juntamente com
outras organizações e entidades definidos na CARTA DA
TERRA , lançada no último dia 11 de junho, e entregue as
autoridades federais.
9. Nos posicionamos contra a ALCA e os trangênicos e pela
Soberania nacional.
10. Todo o apoio e solidariedade ao povo cubano e ao
Socialismo.
11. Nossa solidariedade aos povos que lutam junto conosco
por um mundo melhor.
AGUAS PARA VIDA, NÃO PARA MORTE
Brasília -DF. 13 de junho de 2003.
https://www.alainet.org/es/node/107694?language=en