Santos de pau oco
01/05/2003
- Opinión
Há dias caiu-me em mãos uma foto da Reuters que mostrava George
Bush, Collin Power e Donald Rumsfeld (para alguns o verdadeiro eixo
do mal) de olhos fechados, mãos entrelaçados em sinal de profunda
oração. Era antes de uma reunião do Gabinete na qual se tomariam
decisões importantes em vista da guerra contra o terrorismo e o
Iraque. Revelou-nos um editorial do Le Monde de 30 de março último
(Deus e a América) que George W. Bush é um "born again christian",
um renascido para fé depois de uma juventude de alcoólatra e cheia
de desvarios. Convertido, aproximou-se da extrema direita
evangélica especialmente dos pregadores mediáticos
ultraconservadores como Pat Robertson e Jerry Farwell, fazendo desta
direita um dos núcleos inspiradores de sua administração. Seus
discursos são recheados de referências bíblicas. Instaurou a praxe
de iniciar as reuniões de Gabinete com uma prece preparada por um
ministro em sistema de rodízio. É uma sinistra "comunidade de
base", com propósitos belicosos.
Essa piedade forneceu a Bush não só a linguagem com a qual
caracteriza sua guerra preventiva contra quem ameaçar os Estados
Unidos, mas também subministrou-lhe a mística para levar verdadeira
cruzada (palavra usada uma vez por ele) contra o derrotado Saddam
Hussein e o terrorismo mundial. Ele e seu círculo mais íntimo crêem
que não está longe a "batalha do grande dia", quando, segundo o
Apocalipse (16,16), os inimigos do Cristo serão exterminados no
lugar chamado de Armagedon. Então começará um reino de paz.
Sentem-se instrumentos desta estratégia. Dai o sentido de missão em
sua política externa.
Aqui cabe perguntar: de que Deus estamos falando? É o Deus-Pai e
Mãe, da experiência de Jesus, da ternura dos humildes e padrinho dos
pobres? Mas esse Deus é vivo e jamais ordenaria tirar a vida dos
outros. Não estaria Bush manipulando o nome de Deus (e pecando
renitentemente contra o segundo mandamento, o de "não usar o santo
nome de Deus em vão") para conferir chancela de legitimidade a uma
guerra dizimadora de inocentes e de instituições civis?
Importa reconhecer, porém, que, as religiões, de modo geral, e o
cristianismo, de modo particular, se deixaram, historicamente,
manipular em função de interesses dos poderosos, que nada têm a ver
com os interesses de Deus e do povo. Especificamente os filhos de
Abraão, judeus, cristãos e muçulmanos, com frequência, usaram a
crença de serem "povos escolhidos" (mito tribalista) para submeter
os demais pela violência doce do processo civilizatório ou pela
violência dura das guerras e do assujeitamento.
Mas quando deixamos Deus ser Deus, a religião ser religião e damos
centralidade ao cristianismo originário (as igrejas são traduções
culturais posteriores)então fica claro que a guerra e a
discriminação são contrários à natureza destas instâncias. Elas têm
tudo a ver com a busca da justiça que funda a paz, com o serviço
humilde aos deserdados e com a compaixão pelos caidos dos caminhos.
O Deus a quem Bush reza, é um ídolo. Ele e seus auxiliares diretos,
imbuidos de fundamentalismo religioso, são santos de pau oco. Tanto
os ídolos quanto esse tipo de santos são insensíveis e precisam do
sangue dos outros para se sentirem vivos. Dai o risco que
representam, pois acreditam piamente em suas próprias fabulações
religiosas e políticas.
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/es/node/107433?language=en
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