Velhice: a melhor idade

10/03/2003
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Numa aldeia indígena toda a atenção é centrada nos dois pólos que, entre nós "civilizados", sofrem mais discriminação: crianças e idosos. Quando desaparece um idoso é a biblioteca ou, diríamos hoje, a memória do computador, que fica anulada. É ele quem guarda a história, a tradição, os ensinamentos da comunidade. Faz bem a CNBB em centrar a Campanha da Fraternidade deste ano no cuidado dos idosos. Eles são cada vez em maior número no Brasil, graças à cultura da longevidade que nos induz a hábitos mais saudáveis. No entanto, não têm sido bem tratados, como se representassem um peso na sociedade. Hoje, em muitas cidades do interior do país, os velhos merecem mais atenção porque são eles que, graças à minguada aposentadoria que recebem, movimentam a economia local. Porém, 30% dos aposentados brasileiros são obrigados a continuar lutando pela sobrevivência ou a abrir mão do descanso a que têm direito, após anos de labuta, para cuidar dos filhos de famílias sem pais ou de pais que cumprem rotina incensante de trabalho. Uma boa notícia são os clubes de terceira idade que se multiplicam pelo Brasil. Ali os idosos encontram seus pares, promovem festas e jogos, clubes de leitura e música, dedicam-se ao artesanato ou atuam como voluntários em obras sociais. Quem dera os mais jovens se empenhassem em ampliar esses espaços, favorecendo aqueles que são as nossas raízes e têm muito a nos ensinar. Um velho é como uma árvore: só agasalhando-se à sua sombra descobrimos como está carregada de frutos para nos alimentar. A reforma da Previdência virá, sem dúvida, corrigir uma injustica que, hoje, divide os aposentados em nobres e plebeus. São cerca de 20 milhões de aposentados no país, dos quais 14 milhões ganham um salário mínimo, enquanto o restante absorve mais da metade dos recursos. A Bíblia ensina que os velhos são cheios de sabedoria e merecem respeito e cuidado. "Honrar pai e mãe", um dos dez mandamentos, é uma exigência de jamais deixar ao abandono aqueles que nos geraram. No entanto, muitos velhos são marginalizados, sobretudo nos grandes centros urbanos. Quase não há quem queira ficar com eles em casa e tenha paciência com as suas dores, o seu ritmo lento, as suas queixas e caprichos. Entrar no espírito da Campanha da Fraternidade é dispor-se a amar os idosos, cuidar deles, ouvir o que têm a nos contar e ensinar, tratá- los como esperamos ser tratados ao chegar à idade deles. Se não criarmos essa cultura do cuidado, da compaixão, da solidariedade, então correremos o risco de repetir aqui o que ocorre em cidades da Europa, onde os velhos, considerados um estorvo, vivem isolados em abrigos, sem que a família sequer se lembre de cumprimentá-los no aniversário. A velhice é uma dádiva de Deus. É quando, de certo modo, retornamos à infância, com muita liberdade de espírito. Desfrutá-la com dignidade e alegria depende de como a sociedade lida com os idosos. É uma questão política. Mas, sobretudo, é uma exigência evangélica ver naqueles que atingiram a melhor idade a face de Jesus, que não teve a chance de morrer saciado de anos. * Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto ­ Autobiografia Escolar" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/107084?language=en
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