Guerra e ética
21/02/2003
- Opinión
Toda guerra é perversa porque viola o mandamento da ética natural de "não
matarás". Mas há problemas: se um pais é agredido por outro, que fazer?
Tem direito de se defender por força defensiva? Como devem se comportar os
governantes dos povos que assistem à limpeza étnica de minorias por parte de
ditadores sanguinários que ainda violam sistematicamente direitos humanos,
eliminando seus opositores? Vale alegar o princípio da não intervenção em
assuntos internos de estados soberanos e assistir, passivos, a crimes contra a
humanidade? Como reagir ao fenômeno difuso do terrorismo que pode utilizar armas
de extermínio em massa e vitimar milhares de inocentes? Contra isso é legítima
uma guerra preventiva?
São questões éticas que ocupam mentes e corações nos dias atuais. Para não
desesperar temos que pensar. No mundo inteiro, dada a estratégia dos EUA de
usar a força para fazer valer seus interesses globais, gerou-se um debate
extremamente sério. Sobressaem várias posições. Um grupo numeroso sustenta a
tese: dada a capacidade devastadora da guerra moderna que pode até comprometer o
futuro da espécie e toda a biosfera, não há mais nenhuma guerra justa (ius ad
bellum). Outro grupo afirma: pode haver guerra justa, a "intervenção
humanitária", mas limitada para impedir o etnocídio e crimes de lesa-humanidade.
Outro grupo, representando o stablisment global, reafirma: há que se resgatar a
guerra justa como auto-defesa, como punição de países do "eixo do mal" e como
prevenção de ataques com armas de destruição em massa.
Façamos um juízo ético sobre estas posições: nas condições atuais toda guerra
representa altíssimo risco, pois dispomos da máquina de morte, capaz de destruir
a humanidade e a biosfera. A guerra é meio injusto. Dentro de uma política
realista, uma "intervenção humanitária" limitada é teoricamente justificável,
sob duas condições: não pode ser decidida por um pais singular, mas pela
comunidade das nações (ONU) e deve respeitar dois princípios básicos (ius in
bello): a imunidade da população civil e a adequação dos meios (não podem causar
mais danos que benefícios). A força empregada como auto-defesa não a torna boa,
mas se justifica dentro da estrita adequação dos meios. A guerra de punição,
como contra o Afeganistão, se baseia na vingança e não é defensável. Só
alimenta raiva, caldo de futuros conflitos. A guerra preventiva, contra o
Iraque, é ilegítima porque se baseia sobre o que ainda não é e pode não
acontecer. Nenhum direito, de qualquer natureza, lhe concede legitimidade por
ser subjetiva e arbitrária.
Tudo isso vale teoricamente, pois importa clarear posições. Praticamente porém,
se mostrou que todas as guerras, mesmo a de "intervenção humanitária" não
observam os dois critérios, da imunidade da população civil e da adequação dos
meios. Não se faz distinção entre combatentes e não combatentes. Para
enfraquecer o inimigo se destrói sua infra-estrutura, com muitas mortes de
inocentes (98%). As conseqüências da guerra perduram por anos e até por séculos
como no caso do urânio empobrecido. A guerra não é solução para nenhum
problema. Devemos buscar um novo paradigma, à luz de Gandhi e de Luther King
Jr, se não quisermos nos destruir: a paz como meta e como método. Se queres a
paz, prepara a paz.
* Leonardo Boff é Professor emérito de ética da UERJ e autor de A oração de São
Francisco, uma mensagem de paz para o mundo atual, Sextante, Rio 1999.
https://www.alainet.org/es/node/107005
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