Usina de idéias
12/02/2003
- Opinión
A instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social abre
um precedente histórico no diálogo do governo com a sociedade civil.
Pela primeira vez na vida republicana recente, a maior instância de
poder do país contará com um fórum permanente para ouvir as demandas
e sugestões dos diferentes segmentos que compõem a nação.
O fato é significativo. O Brasil vive um momento decisivo. As
reformas estruturais, imprescindíveis para que possamos reencontrar o
caminho do crescimento e da justiça social, exigirão a acomodação de
interesses distintos e muitas vezes conflitantes. Somente o diálogo
exaustivo e o confronto positivo de idéias poderão garantir
legitimidade a este processo de composição.
Os exemplos da França, que conta com um conselho desta natureza desde
1958, de Portugal e da Holanda, que também adotaram o modelo no
esforço de aperfeiçoamento das instâncias democráticas, nos mostram
que a iniciativa do governo pode render bons frutos para a sociedade
brasileira.
Para que isso ocorra, o Conselho deve assumir suas funções com o
espírito aberto. O fórum não deve se comportar como uma trincheira
para a defesa de interesses corporativistas, mas sim como um ambiente
de discussão dos interesses nacionais. As reformas, não podemos
esquecer, só se materializarão se houver concessões e a predominância
do espírito público.
Os sindicalistas, religiosos, empresários e outros representantes da
sociedade, convidados a compor o órgão, têm que assumir suas funções
cientes de que o futuro do país depende da eliminação de entraves que
hoje corroem as finanças públicas, obstruem a competitividade de
nossas empresas e perpetuam a pobreza.
A instalação do Conselho também poderá contribuir para a eficácia das
funções legislativas. O órgão funcionará como "uma usina de idéias"
para a presidência da república, usando uma expressão formulada pelo
ministro Tarso Genro. As decisões políticas acontecerão no Congresso,
pela atuação dos deputados e senadores, que em última instância
condensarão o debate sobre os rumos do país, respaldados nos votos
depositados nas urnas pelos eleitores brasileiros. Espera-se que as
sugestões do conselho toquem não só o chefe de Estado, mas sirvam de
inspiração para o colegiado político no momento das votações que
ocorrerão ao longo deste e do próximo ano.
A ampliação do debate público sobre as questões nacionais chega num
momento fundamental de nossa história. A sociedade aguarda há
décadas pelas reformas tributárias e da previdência e reconhece que
não há mais condições estruturais para postergar decisões nestes
campos. A sociedade também já percebeu que a pobreza e todas as
mazelas a ela inerentes não devem mais ser toleradas, sob pena de
vivermos em dois países distintos, um alicerçado sobre os cânones da
cidadania e outro entregue à própria sorte.
O governo Lula soube captar esta nuance. A sociedade quer expressar
suas expectativas, suas demandas, suas diretrizes. Quer, enfim,
participar ativamente da construção do novo modelo que precisamos
viabilizar no futuro próximo.
Ao abrigar no núcleo do Conselho representantes de interesses
diversos, o governo Lula dá uma demonstração inequívoca de que
pretende governar democraticamente, ouvindo a sociedade para formular
a condução de sua política pública. Não resta dúvida de que, após a
instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social,
estaremos dando um salto substancial na qualidade de relacionamento
entre governo e sociedade no Brasil contemporâneo.
* Milú Villela, presidente do Faça Parte/Ibravo
https://www.alainet.org/es/node/106962?language=en
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