A guerra terá fins humanitários, sabia? Propaganda de guerra
11/02/2003
- Opinión
Os planejadores militares do Pentágono estão agudamente conscientes
do papel central da propaganda de guerra. Engendrada pelo Pentágono,
pelo Departamento de Estado e pela CIA, já foi lançada uma Campanha
de Medo e Desinformação (CMD) [Fear and Disinformation Campaign
(FDC)]. A grosseira distorção da verdade e a sistemática manipulação
de todas as fontes de informação constituem uma parte integral do
planejamento de guerra. Em consequência do 11 de Setembro, o
Secretário da Defesa Donald Rumsfeld criou o Gabinete de Influência
Estratégia [Office of Strategic Influence (OSI)], ou Gabinete de
Desinformação" ["Office of Desinformation"] como foi rotulado pelos
seus críticos:
"O Departamento da Defesa disse que precisavam fazer isto, e estavam
realmente a caminho de plantar estórias falsas em países estrangeiros
- num esforço para influenciar a opinião pública por todo o Mundo.
[1]
E, de repente, o OSI foi formalmente desfeito após pressões políticas
e "perturbadoras" estórias na mídia de que "a sua finalidade era
mentir deliberadamente a fim de promover interesses americanos". [2]
"Rumsfeld recuou e disse que isto é embaraçoso" [3] Mas apesar dessa
aparente meia volta, as orwellianas campanhas de desinformação do
Pentágono continuam funcionalmente intactas: "O Secretário da Defesa
não está sendo particularmente honesto quanto a isso. A
desinformação em propaganda militar é parte da guerra". [4]
Rumsfeld confirmou posteriormente, numa entrevista à imprensa, que
apesar de o OSI não mais existir com esse nome, as "funções propostas
para o Gabinete estão sendo executadas" [5] (As palavras precisas de
Rumsfeld podem ser consultadas em http://www.fas.org/sgp/news/2002/
11/dod111802.html).
Um certo número de agências governamentais e unidades de inteligência
- com ligações ao Pentágono - estão envolvidas em várias componentes
da campanha de propaganda. As realidades são viradas de cabeça para
baixo. Atos de guerra são apregoados como "intervenções
humanitárias" destinados a uma "mudança de regime" e à "restauração
da democracia". A ocupação militar e o massacre de civis são
apresentados como "manutenção da paz". A abolição de liberdades
civis - no contexto da assim chamada "legislação anti-terrorista" - é
retratada como um meio para proporcionar "segurança interna" e
promover liberdades civis. E subjacentes a estas realidades
manipuladas, declarações sobre "Ussama ben Ladin" e "Armas de
destruição em massa", que circulam abundantemente nas cadeias de
notícias, são apresentadas como a base para um entendimento dos
acontecimentos mundiais.
Nos críticos "cenários de planejamento" que conduzem a uma invasão do
Iraque, a distorção da opinião pública interna e por todo o Mundo é
uma parte integral da agenda guerreira. A propaganda de guerra é
efetuada em todas as etapas: antes, durante a operação militar e
também após os seus cruéis resultados. A propaganda de guerra serve
para esconder as causas reais e as consequências da guerra.
Poucos meses depois de o OSI ter sido dispersado em meio a
controvérsias (Fevereiro de 2002), The New York Times confirmou que a
campanha de desinformação estava sendo executada com toda a força e
que o Pentágono estava:
".considerando emitir uma diretiva secreta aos militares americanos
para conduzirem operações cobertas destinadas a influenciar a opinião
pública e decisores políticos em países amigos e neutros... A
proposta disparou uma encarniçada batalha em toda a administração
Bush sobre se os militares deveriam executar missões secretas de
propaganda em países amigos como a Alemanha... A luta, disse um
responsável do Pentágono, é sobre 'as comunicações estratégicas para
o nosso país, a mensagem que queremos enviar para influência a longo
prazo, e como fazermos isso... 'Temos os meios e as capacidades e o
treinamento para penetrar países amigos e neutros e influenciar a
opinião pública. Podíamos fazer isso e escapar. Isso não
significava que o faríamos'. [6]
Fabricando a verdade
Para sustentar a agenda de guerra, essas "realidades fabricadas",
canalizadas numa base diária para dentro das cadeia de notícias devem
tornar-se verdades indeléveis, as quais tornam-se parte de um vasto
consenso político e da mídias. A esse respeito, a mídia corporativa
- embora atuando independentemente do aparelho de inteligência
militar - é um instrumento dessa evolução totalitária do regime.
Em estreita ligação com o Pentágono e a CIA, o Departamento de Estado
também montou a sua própria unidade de propaganda "soft-sell"
(civil), dirigida pela Subsecretária de Estado para Diplomacia
Pública e Negócios Públicos, Charlotte Beers, uma figura poderosa na
indústria da publicidade. Trabalhando em ligação com o Pentágono,
Beers foi apontada para chefe da unidade de propaganda do
Departamento de Estado logo após o 11 de Setembro. Seu mandato é
"para atuar contra o anti-americanismo no exterior" [7] . Seu
gabinete no Departamento de Estado destina-se a:
"assegurar que a diplomacia pública (cativar, informar e influenciar
audiências públicas internacionais) seja praticada em harmonia com os
negócios públicos (estendendo-se a americanos) e com a diplomacia
tradicional para promover os interesses e a segurança dos EUA e
proporcionar a base moral para a liderança americana no Mundo"
http://www.state.gov/r/
O papel da CIA
A componente mais poderosa da Campanha de Medo e Desinformação (FDI)
fica com a CIA, a qual secretamente subsidia autores, jornalistas e
órgãos da imprensa críticos por meio de uma teia de fundações
privadas e organizações de frente patrocinadas pela CIA. A CIA
também influencia o âmbito e a direção de muitas produções de
Hollywood. Desde o 11 de Setembro, um terço das produções de
Hollywood são filmes de guerra. "As estrelas de Hollywood e os
autores de roteiros apressam-se em reforçar a nova mensagem de
patriotismo, aconselhando-se com a CIA e inspirando-se junto aos
militares acerca de possíveis ataques terroristas na vida real". [8]
"O Verão de Todos os Medos" ("The Summer of All Fears") , dirigido
por Phil Alden Robinson, que pinta o cenário de uma guerra nuclear,
recebeu o endosso e o apoio tanto do Pentágono como da CIA. [9]
A desinformação é rotineiramente "plantada" pelos operacionais da CIA
nas redações do principais diários, revistas e canais de TV.
Empresas de relações públicas externas são frequentemente utilizadas
para criar "falsas histórias". Isso foi cuidadosamente documentado
por Chaim Kupferbert em relação aos acontecimentos do 11 de Setembro:
"Uns relativamente poucos correspondentes bem conectados forneciam os
'furos de reportagem', que obtinham cobertura nas relativamente
escassas fontes de notícias da mídia principal, onde os parâmetros de
debate são ajustados e a "realidade oficial" é consagrada pelos
alimentadores de base na cadeia de notícias". [10]
Iniciativas de desinformação encoberta, sob os auspícios da CIA,
também são canalizadas através de vários "procuradores" (proxies) de
inteligência em outros países. Desde o 11 de Setembro elas
resultaram em disseminação diária de informação falsa referente a
alegados "ataques terroristas". Em virtualmente todos os casos
relatados (na Grã Bretanha, França, Indonésia, Índia, Filipinas, etc)
dizem que os "supostos grupos terroristas" têm "ligações à Al Caeda
de Ussama ben Ladin", sem naturalmente admitir o fato (amplamente
documentado por relatórios de inteligência e documentos oficiais) de
que a Al Caeda foi uma criação da CIA.
A doutrina da "auto-defesa"
Nessa conjuntura crítica, nos mêses que antecedem a anunciada invasão
do Iraque, a campanha de propaganda é montada de forma a manter a
ilusão de que "a América está sob ataque". Difundidas não só através
da mídia principal como também de um certo número de sítios
alternativos da Internet, essas "realidades fabricadas" retratam a
guerra como um ato de boa fé em autodefesa, ao mesmo tempo que
ocultam os vastos objetivos estratégicos e económicos da guerra.
Por sua vez, a campanha de propaganda desenvolve um 'casus belli',
"uma justificação", uma legitimidade política para travar a guerra.
A "realidade oficial" (transmitida prolixamente nos discursos de
George W. Bush) repousa na premissa genérica de que a guerra é
"humanitária", "preventiva" e nomeadamente "defensiva", "uma guerra
para proteger a liberdade":
«Estamos sob ataque porque amamos a liberdade... E enquanto amarmos
a liberdade e os valorizarmos toda a vida humana, eles irão tentar
ferir-nos". [11]
Explicitada na Estratégia de Segurança Nacional [National Security
Strategy (NSS)] , a doutrina da prevenção através da "guerra
defensiva" e da "guerra ao terrorismo" contra a Al Caeda constituem
os dois blocos essenciais construídos pela campanha de propaganda do
Pentágono. O objetivo é apresentar a "ação militar preventiva" - ou
seja, a guerra como um ato de "autodefesa" contra duas categorias de
inimigos, "Estados vilões" e "terroristas islâmicos":
"A guerra de alcance global contra terroristas é um empreendimento
global de duração incerta. ...A América atuará contra tais ameaças
emergentes antes que elas estejam plenamente formadas.
.Estados vilões e terroristas não procuram atacar-nos por meio de
meios convencionais. Eles sabem que tais ataques fracassariam. Em
vez disso, eles confiam em atos de terror e, potencialmente, no uso
de armas de destruição em massa (...)
Os objetivos desses ataques são as nossas forças militares e a nossa
população civil, em violação direta de uma das principais normas do
direito da guerra. Como foi demonstrado pelas perdas do 11 de
Setembro de 2001, baixas em massa de civis constituem o objetivo
específico de terroristas e essas perdas seriam exponencialmente mais
severas se terroristas adquirissem e usassem armas de destruição em
massa.
Os Estados Unidos têm há muito mantido a opção de ações preventivas
para reagir a uma ameaça à nossa segurança nacional. Quanto maior a
ameaça, maior é o risco da inação - e mais instante o motivo para
adotar ação antecipada a fim de nos defendermos, (...) Para impedir
ou prevenir tais atos hostis do nossos adversários, os Estados
Unidos, se necessário, atuarão preventivamente". [12] (National
Security Strategy, White House, 2002,
http://www.whitehouse.gov/nsc/nss.html
Despejando desinformação nas cadeias de noticiários
Como é executada a propaganda de guerra? Dois conjuntos de
"declarações" de "encher os olhos" provenientes de numerosas fontes
(incluindo declarações oficiais da Segurança Nacional, mídia, 'think
tanks' com base em Washington, etc) são despejados diariamente para
dentro das cadeias de noticiários. Alguns dos eventos (incluindo
notícias relativas a presumidos terroristas) são grosseiramente
fabricados pelas agências de inteligência. Tais declarações são
baseadas em palavras-chave ("buzzwords") simples e atraentes, as
quais preparam o cenário para a fabricação das notícias.
Palavra chave nº 1. "A Al Caeda de Ussama ben Ladin" está por trás
da maior parte das histórias referentes à "guerra ao terrorismo",
inclusive "alegados", "futuros", "presumidos" e "reais" ataques
terroristas. O que é raramente mencionado é que esse inimigo externo
da Al Caeda é um "ativo de inteligência" da CIA, utilizado para
operações encobertas.
Palavra chave nº 2. A declaração de "armas de destruição em massa"
[The "Weapons of Mass Destruction (WMD)"] é utilizada para justificar
as "guerra preventivas" contra os "Estados patrocinadores do terror",
- isto é, países como o Iraque, o Irã e a Coréia do Norte, que
alegadamente possuem WMDs. Como foi amplamente documentado no caso
do Iraque, uma grande parte das notícias sobre WMD e sobre ataques
biológicos é fabricada.
As declarações acerca de "WMDs" e de "Ussama ben Ladin" tornam-se
parte do debate diário, incorporada à conversas rotineiras do
cidadãos. Repetidas 'ad nauseam', elas penetram no âmago da
consciência das pessoas comuns, moldando suas percepções individuais
dos acontecimentos correntes. Por meio do engano e da manipulação,
essa configuração das mentes de populações inteiras prepara o cenário
- sob a fachada de uma democracia em funcionamento - para a
instalação de uma polícia de Estado real. Não é preciso dizer que
essa propaganda enfraquece o movimento anti-guerra.
Por sua vez, a desinformação referente a alegados "ataques
terroristas" ou "armas de destruição em massa" instila uma atmosfera
de medo, a qual mobiliza um inabalável patriotismo e apoio ao Estado,
e aos seus principais atores políticos e militares.
Repetidas em virtualmente todos os noticiários nacionais, este
enfoque deformado sobre as WMD-Al Qaeda serve essencialmente como um
dogma, para cegar as pessoas acerca das causas e consequências da
guerra de conquista dos Estados Unidos, enquanto fornece uma simples,
inquestionada e autorizada justificação para a "autodefesa".
Mais recentemente, tanto em discursos do Presidente Bush como do
Primeiro-Ministro Blair, bem como nos noticiários, as declarações
sobre as WMD agora são cuidadosamente misturadas com declarações
sobre Ussama. O Ministro da Defesa do Reino Unido, Jack Straw,
advertiu no princípio de janeiro "que 'regimes vilões' como o Iraque
eram a fonte mais provável de tecnologia WMD para grupos como a Al-
Caeda". [13] Também em janeiro, foi descoberta em Edinburgo uma
suposta célula da Al Caeda "com ligações ao Iraque", a qual estava
alegadamente envolvida com o uso de armas biológicas contra pessoas
no Reino Unido. A agenda escondida das declarações sobre "ligações
ao Iraque" é grosseiramente óbvia. O objetivo é desacreditar o
Iraque nos meses que antecedem a guerra: dos assim chamados "Estados
patrocinadores do terror" diz-se que apoiam Ussama ben Ladin.
Reciprocamente, de Ussama diz-se que colabora com o Iraque na
utilização de armas de destruição em massa.
Nos últimos meses, vários milhares de notícias publicadas teceram
"estórias WMD-Ussama", dentre as quais alguns trechos são transcritos
abaixo:
"Os céticos argumentarão que as inconsistências não provam que os
iraquianos tenham continuado a desenvolver armas de destruição em
massa. Isto também deixa Washington pendente de outros malditos
materiais e acusações, incluindo a afirmação desta semana, não
provada, de que extremistas islâmicao filiados à Al-Caeda apossaram-
se de uma arma química no Iraque no passado mês de novembro ou no fim
de outubro". [14]
A Coreia do Norte admitiu que mentiu sobre isso e está audaciosamente
reativando seu programa nuclear. O Iraque quase certamente mentiu
sobre isso, mas não o admitirá. Enquanto isso a Al Caeda, embora
dispersada, permanece uma força sombria e ameaçadora e, juntamente
com outros grupos terroristas, um receptor potencial dos arsenais
mortais que poderiam emergir do Iraque e da Coreia do Norte. [15]
O Primeiro-Ministro britânico Tony Blair listou o Iraque, a Coreia do
Norte, o Médio Oriente e a Al-Caeda entre os problemas "difíceis e
perigosos" a serem enfrentados pela Grã Bretanha no próximo ano.
[16]
As declarações WMD-Ussama são usadas abundantemente pela mídia
dominante. Após o 11 de setembro, essas declarações estilizadas
tornaram-se também uma parte integral do discurso político diário.
Elas também permeiam os trabalhos da diplomacia internacional e o
funcionamento das Nações Unidas.
* Michel Chossudovsky - Autor de 'War and Globalisation, the Truth
behind September 11'. Professor de Economia na Universidade de
Ottawa e Diretor do Centre for Research on Globalisation
NOTAS
1. Entrevista com Steve Adubato, Fox News, 26 December 2002.
2. Air Force Magazine, January 2003, itálicos acrescentados.
3. Adubato, op. cit. itálicos acrescentados.
4. Ibid, itálicos acrescentados.
5. Citado em Federation of American Scientists (FAS) Secrecy News,
http://www.fas.org/sgp/news/secrecy/ 2002/11/ 112702.html . A
entrevista à imprensa de Rumsfeld pode ser consultada em
http://www.fas.org/sgp/ news/2002/11/dod111802.html .
6. New York Times, 16 December 2002.
7. Sunday Times, London 5 January 2003.
8. Ros Davidson, Stars earn their Stripes, The Sunday Herald
(Scotland), 11 November 2001).
9. Ver Samuel Blumenfeld, Le Pentagone et la CIA enrôlent Hollywood,
Le Monde, 24 July 2002, http://
www.globalresearch.ca/articles/BLU207A.html
10. Chaim Kupferberg, The Propaganda Preparation for 9/11, Global
Outlook, No. 3, 2003, p. 19, http://
www.globalresearch.ca/articles/KUP206A.html .
11. Observações do presidente Bush em Trenton, New Jersey, «Welcome
Army National Guard Aviation Support Facility, Trenton, New Jersey »,
23 September 2002.
12. National Security Strategy, White House, 2002,
http://www.whitehouse.gov/nsc/nss.html
13. Agence France Presse (AFP), 7 January 2003.
14. Insight on the News, 20 January 2003.
15. Christian Science Monitor, 8 January 2003
16. Agence France Presse (AFP), 1 January 2003
https://www.alainet.org/es/node/106930
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