Manifesto do Congresso dos trinta anos do Cimi
Memória, Missão e Utopia
15/12/2002
- Opinión
"Eis o tempo favorável!"
Aos trinta anos de sua fundação, o Cimi reuniu, de 11 a 15 de dezembro, 240
missionári@s e aliad@s de diferentes povos e organizações indígenas,
movimentos sociais, igrejas cristãs e países latino-americanos e
continentes para a festa da partilha de sua memória, missão e utopia. Nosso
Congresso foi marcado pela perspectiva da construção dos "outros 500" e da
luta pela "terra sem males", inspirada na Campanha da Fraternidade deste
ano.
1. Partilha da memória
Relembramos neste Congresso o tempo e as circunstâncias do surgimento do
Cimi, em 1972, o período mais repressivo da ditadura militar e da história
do Brasil com torturas, perseguições e assassinatos políticos. Era, também,
o tempo da construção da Transamazônica (BR 230) que destruiu 29
territórios indígenas, e o tempo em que tramitava na Câmara Federal o
projeto de Lei n. 2328 que dispunha sobre o Estatuto do Índio.
Fizemos a partilha dos feitos e dos não-feitos, da rebeldia e dos sonhos
dos primeiros integrantes da entidade. Lembramos o testemunho de todos
aqueles que deram a vida pela causa. Recordamos o passado, projetando o
futuro. Iniciamos nosso trabalho missionário percorrendo o país para contar
os sobreviventes de uma grande guerra de extermínio. Identificamos aliados
e interesses antiindígenas. Fizemos a leitura criativa das conquistas do
Concílio Vaticano II e de Medellín, onde a Igreja se definiu como Igreja
local, Igreja universal e Igreja-Povo-de-Deus que interpretamos como
imperativo para a construção de uma Igreja inculturada e libertadora, com
uma clara opção pelos povos indígenas. Acreditamos na causa indígena num
momento histórico em que a consciência majoritária da Nação considerou os
povos indígenas em fase de extinção.
2. Partilha da experiência missionária
Nossa experiência missionária, nestes 30 anos, nos conduziu a um
deslocamento. Não trouxemos mais índios para as dependências das nossas
"missões", mas procuramos viver no meio dos povos indígenas e participar de
sua vida cotidiana. Nem em todos os lugares isso foi possível. A descoberta
de que não temos missões, mas que somos missionári@s, permanece como tarefa
para o futuro. Hoje, não nos consideramos portadores da Boa Nova, mas
catalisadores que fazem emergir a Boa Notícia no meio da vida dos povos
indígenas.
Esta Boa Notícia – assim descobrimos através da nossa presença inculturada
– está intimamente ligada à recuperação dos territórios dos povos
indígenas, ao reconhecimento de sua alteridade e do seu projeto próprio de
vida. Caminhamos juntos nas retomadas de suas terras, nas horas de conflito
e na celebração de suas pequenas vitórias e grandes festas. Hoje, a
situação dos territórios indígenas não está satisfatória, mas, em
comparação a 1972, está muito mais favorável e promissora. A nova presença
missionária no meio dos povos indígenas reacendeu a mecha fumegante de
esperança não só na Igreja, mas também em povos que até então esconderam a
sua identidade étnica por razões históricas. Assim, estamos, hoje, diante
do fenômeno dos povos ressurgidos que reassumem a sua identidade como povos
indígenas. "Não estávamos mortos", nos dizia Lourdes Tapajós. "Estávamos,
apenas, esperando a oportunidade de nos manifestar".
Vibramos com a resposta dos povos indígenas ao projeto da ditadura, que
previa o seu extermínio até o ano 2000. A população indígena passou de 100
mil, nos anos 70, para mais de 700 mil, hoje.
Foi gratificante para nós, missionárias e missionários, ouvir de D. Zenilda
Xukuru: "Vocês foram a luz que iluminou e nós descobrimos que tinha uma luz
dentro de nós". O protagonismo dos povos indígenas nasceu neste contexto de
vitórias e derrotas, de reconhecimento e auto-estima, de organização do
movimento indígena e de entrega total da vida pelo povo.
Aprendemos que da cruz plantada, no chão da vida dos povos indígenas, brota
a esperança de toda a humanidade
3. Partilha da utopia
A nossa missão vai mais longe que os territórios das nossas Igrejas, porque
tem por meta a construção do Reino. Somos teimosos lutadores de uma causa
invencível. Ao longo destes 30 anos, aprendemos a situar a causa indígena
dentro de um contexto mais amplo de todas as forças sociais que lutam
contra o anti-projeto das elites e defendem um projeto de vida para todos.
Costuramos alianças continentais e internacionais com as forças políticas e
eclesiais pró-índio. Rompendo as gaiolas douradas das nossas certezas e dos
dogmatismos, descobrimos o diálogo ecumênico e inter-religioso como
imperativo evangélico em defesa dos povos indígenas. O surgimento da
Teologia Índia é um sinal de fortalecimento do protagonismo dos povos
indígenas, não somente na defesa de seus direitos políticos, mas também no
interior das próprias Igrejas.
Compreendemos a unidade do projeto comum dos povos indígenas com outros
setores pobres e marginalizados como articulação da diversidade. Nesta
diversidade articulada encontramos as raízes de um novo Pentecostes onde a
diferença de línguas, culturas e gênero não divide, mas une e fortalece a
luta. O projeto dos povos indígenas, com a centralidade na festa, e não no
lucro, na partilha, e não na acumulação, na comunidade, e não no
individualismo, nos serve como inspiração, não só da nossa utopia
evangélica, mas de toda uma sociedade nova. Esta sociedade é possível, se
formos capazes de romper com o projeto neocolonial e hegemônico em curso.
Procuramos ser fieis à herança destes 30 anos. Reassumimos, nesse tempo
favorável, com novo vigor, as tarefas apontadas pelas nossas Assembléias.
Caminhamos na esperança no meio dos povos indígenas, de onde ressoa a
Palavra de Deus: "Diga ao meu povo que avance!"(Ex 14,15).
* Centro de Formação Vicente Canhas,
Luziânia-GO, 15 de dezembro 2002
https://www.alainet.org/es/node/106767?language=en