Lula no sistema mundial

06/12/2002
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O Presidente Lula começou suas viagens internacionais. Leva em sua bagagem o sonho e a esperança que o elegeram. Qual é o signficado dessa irrupção para o sistema mundial? Nosso analista político mais arguto, Emir Sader, vê nele o começo do pós-neo-liberalismo já que o projeto neoliberal, segundo John Williamson, o formulador do Consenso de Washington, entrou em crise no mundo inteiro. Como funciona o sistema mundial e em seu confronto qual é a singularidade de Lula? A prioridade das políticas mundiais é a rentabilidade financeira a curto prazo, a eficácia produtiva, a estabilidade dos mercados e o combate implacável ao terrorismo. A palavra de ordem da cultura daí derivada é a maximalização da felicidade individual tirando o máximo proveito do que a tecnociência nos oferece em bens e comodidades. A solidariedade mundial para erradicar a pobreza, incluir a todos no Planeta e superar os conflitos regionais não ocupa nenhuma centralidade. Não há pais poderoso, muito menos os EUA, que pense o interesse geral a longo prazo da comunidade humana planetária. Não alcançamos um estado de consciência global que normalmente deveria acompanhar o processo acelerado de globalização. Por que chegamos a esse tipo de alienação e até de desumanidade? A raiz desse drama reside na excessiva confiança nos valores do capitalismo puro, produzida pela vitória sobre o socialismo real do Leste europeu. Reagan e Tatscher aproveitaram a euforia simplória para impôr mundialmente os ideais capitalistas sem a contaminação socialista que eram a legislação trabalhista, o nivel de salários, a previdência social e a preocupação generalizada pelo social. Agora o que predomina é o itinerário individual, a liberalização, a desregulamentação e a privatização. Para beneficiar o capital, procura-se relativizar a Nação, desinventar o Estado e desacreditar a classe política que pensa num projeto nacional. Impera o projeto-mundo, regido pelos interesses leoninos dos mais fortes e sem coração. O que é bom, útil e necessário não se define a partir da cidadania mas a partir exclusivamente dos critérios e valores próprios da economia capitalista de mercado. Quando esses valores mercantis predominam é ameaçada a democracia. Ela vive da participação (cidadania), do bem comum e da solidariedade. Agora, no lugar do cidadão entra o consumidor, do bem comum, o bem particular e da solidariedade, o individualismo. Resultado: a volta generalizada da pobreza e da exclusão a nivel mundial. O governo Lula vai numa direção totalmente diferente. Ai reside a contribuição que poderá oferecer para um novo arranjo das políticas mundiais. Discernimos três pontos que caracterizam a política no estilo Lula. Primeiro, fazer política com o coração. Vale dizer, não nos palácios no meio de papéis mas nas praças, no meio de gente, sentindo na pele suas carências, cuidando de suas chagas e suscitando a esperança. Sem com-paixão não se combate a fome. Segundo, suscitar em todos a boa vontade, base esquecida de qualquer repactuação. A política como sedução deve desentranhar nos atores sociais essa boa vontade. Terceiro, dar prioridade ao social e colocar o econômico a seu serviço e ambos, submetidos a uma visão ética do mundo. Aqui poder-se-á fazer um ensaio não só de um outro Brasil, mas de um outro mundo. A tanto alcança nossa utopia. * Leonardo Boff, Teólogo

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