Em nosso nome
04/12/2002
- Opinión
Na sua primeira viagem pra fora do Brasil, Lula anunciou um novo perfil da
política externa brasileira. Já era tempo. Há anos que o Brasil deixou de ter
política externa, deixou de falar claramente o que pensa da situação do mundo,
de pronunciar-se em nome do povo brasileiro sobre os principais problemas e os
principais conflitos existentes no mundo. A política externa ficou reduzida a um
combate, quase sempre impotente, por querelas comerciais. Pior: passamos
vergonhas, como o apoio do governo FHC a eleições manipuladas de Fujimori. Ainda
mais: na principal reunião de mandatários do mundo, a Cúpula do Milênio,
realizada pela ONU em setembro de 2000, o presidente brasileiro este ausente,
enviou a Marco Maciel – uma boa maneira de dizer que não tinha nada a dizer.
Tudo em nosso nome.
A política externa é a forma mais clara e explícita – embora não a única –
de relacionar-nos com o resto do mundo. De dizermos o que pensamos, de
aproximar-nos dos que compartilham idéias e interesses, de distanciar-nos dos
outros, de colocarmos os que acreditamos ser os principais problemas do mundo,
de defender nossos pontos de vista e nossas necessidades, de ajudarmos
convocarmos a ajuda dos que mais necessitam. Através dessa política falamos mais
diretamente com os outros países e povos, governos e instituições
internacionais.
Quem quer que seja o ministro, precisamos passar a falar em nome do povo
brasileiro, da nossa soberania, das prioridades sociais personificadas por Lula
e por sua vitória eleitoral. Não podemos mais deixar que em nosso nome se apoiem
causas espúrias ou que se cale diante dos poderosos, diante das agressões,
diante das injustiças, diante da fome no mundo.
Estamos, por exemplo, na iminência de um novo ataque ao Iraque. O governo
norteamericano dá todos os indícios de que se o relatório da comissão da ONU não
for exatamente o que ele deseja – isto é, se não der sinal verde para um novo
ataque -, ele está disposto a faze-lo por conta própria. Nesse caso, nosso
governo não pode coonestar esse tipo de atitude, nem pelo apoio, nem pelo
silêncio. Já tivemos o triste episódio em que o governo dos EUA deu um golpe na
organização da ONU encarregada de zelar contra a proliferação de armas químicas
e destituiu um valoroso e competente embaixador brasileiro, para ter as mãos
livres para agir, sem que o governo brasileiro tenha feito tudo o que seria
necessário para defende-lo, lutar pela sua permanência e denunciar a violência
do governo Bush.
Os tempos em que a política externa intervinha apenas para defender
interesses econômicos determinados devem terminar. Temos que politizar nossa
política internacional. Engajar-nos na luta por um mundo multipolar e contra a
ditadura unilateral que reina hoje num mundo cada vez mais inseguro e tomado
pela violência e pela arbitrariedade. Nossa primeira contribuição é exatamente
essa apontada por Lula na viagem à Argentina: construir politicamente o Mercosul
e a partir daí negociar os interesses coletivos da região. Temos que contribuir
para democratizar as Nações Unidas, acabando com o direito de veto das cinco
potências que o exercem, fazendo dela uma verdadeira assembléia mundial dos
Estados. Temos que apoiar a iniciativa da Organização Mundial do Trabalho para
que tenha os mesmos poderes de lei que tem a Organização Mundial do Comércio.
Temos que trabalhar para soluções pacíficas e justas de conflitos como o da
Palestina, da Colômbia, da Venezuela, entre outros.
Deixamos de ter política externa, porque deixamos de ter um projeto de
país. Agora que retomamos o caminho de ter um projeto para o Brasil, temos que
ter uma política internacional à sua altura – soberana, de justiça e de
solidariedade. E que possa ser proclamada alto e bom som em nome de todos os
brasileiros.
https://www.alainet.org/es/node/106670?language=en
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