Repactuação social

15/11/2002
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Importa captar a revolução que a vitória de Lula significa para a história brasileira. Conscientemente, ele se propõe, refundar o Brasil. E cumpre fazê-lo porque o Brasil do velho pacto social funciona apenas para um pais reduzido, com cerca de 70 milhões de brasileiros. Para estes felizardos, ele é aprazível. Para os restantes cem milhões é uma tragédia social, dada a humilhação da fome, a opressão da injustiça social e a negação da esperança. Só alguém, oriundo deste outro Brasil, que sentiu no corpo a paixão dolorosa do povo brasileiro, paixão que possui mais estações do que aquela do Filho de Deus, que tem consciência de que escapou, por desígnio da Providência, de morrer ainda criança, pode legitimamente se propor refundar, com outros, um Brasil para todos. Esse é o sentido profundo do anunciado novo pacto social. Sem essa repactuação, Lula será um presidente como os demais, apenas mais à esquerda e com acento mais social. E nada mais. Mas Lula sabe: se não fizer a revolução político-social de que carecemos, tornará impossível o salto de qualidade rumo a um pais autônomo, moderno, aberto à fase planetária da humanidade e terá defraudado as grandes maiorias em nome das quais se elegeu. Continuaremos uma província marginal do grande Império, hoje hegemonizado pela potência belicista dos EUA. Aqui se impõe uma ruptura instauradora e uma nova costura das forças sociais do Brasil. É o sentido da repactuação social. Em momentos de reinvenção, urge resgatar aqueles princípios que realmente fundam as sociedades civilizadas e que, normalmente, subjazem, esquecidos, nas bases do velho pacto que construiu o Brasil injusto que herdamos. Apenas os elenquemos, pois não há espaço para aprofundá-los. Há uma pre-condição e quatro princípios fundadores. Pre-condição: a boa vontade. Para Kant a boa vontade é o único valor sem limitações e condição para qualquer projeto ético e político. Se não tenho boa vontade e malicio tudo não há como construir qualquer convergência, qualquer valor coletivo e qualquer pacto social que a todos engloba. Primeiro princípio: o bem comum. A sociedade surge porque as pessoas humanas descobrem uma vontade geral e um bem que é comum e se dispõem a construi-lo. A ele se subordinam os bens particulares. É o reino dos fins de Kant. Segundo princípio: a participação. O bem comum resulta da busca comum do bem comum. Todos devem dar sua contribuição a partir daquilo que são e daquilo que têm. O jogo da participação transforma o indivíduo em cidadão. Terceiro princípio: solidariedade. Ela nasce da percepção de que todos vivemos uns pelos outros, com os outros e para os outros. Somente reforçando essa dinâmica que, de resto, é de todo universo, a sociedade é inclusiva. Quarto princípio: a inter-subjetividade. O ser humano é o único ser de fala, cria significações, projeta utopias e desenvolve espiritualidade pela qual capta o Mistério do universo,valores sem os quais a sociedade não é humana. Uma capa de cinza encobre tais princípios na sociedade brasileira atual. Por isso ela deve ser repactuada para poder ser, efetivamente, de todos. As grandes maiorias querem esse pacto criador. As classes dominantes devem dar sinais de grandeza e colaborar para gestar um outro Brasil e dentro dele encontrar o seu lugar adequado. * Leonardo Boff, Teólogo
https://www.alainet.org/es/node/106594?language=en
Suscribirse a America Latina en Movimiento - RSS