Serra e o desmonte da nação
17/10/2002
- Opinión
Em 1999 o sociólogo Ives Lesbaupin, professor na UFRJ, reuniu os melhores cabeças
das várias áreas do conhecimento, para fazer um balanço do governo de FHC. A
obra publicada se intitulava O desmonte da nação (Vozes 1999). O resultado era
altamente negativo. Agora, o mesmo autor junto com o economista, Adhemar
Mineiro, publicou O desmonte da nação em dados (Vozes,2002). Concluem os
analistas, sem qualquer pathos:"Os dados sobre o Brasil pós-1995 são alarmantes:
produção em ritmo lento, PIB per capita em queda, aumento da dívida externa,
grave aumento da dívida interna. O risco de sermos atingidos por crises
financeiras internacionais é sério. Ao contrário do discurso governamental, os
fundamentos da economia não são bons"(p.91)
Outros dois analistas estrangeiros, James Petras e Henry Veltmeyer, em seu livro
Brasil de Cardoso (Vozes 2001)são severos:"nunca na história do Brasil do século
XX um presidente fez tanto e tão rapidamente ao serviço do capital imperial. O
corolário é que nenhum presidente fez tanto para solapar o mercado nacional e a
capacidade do estado nacional em dirigir a economia e melhorar a vida da maioria
dos brasileiros"(p.159).
Para sustentar essas afirmações deveria apresentar as estatísticas, coisa que o
espaço físico desta coluna não permite.Mas os dados autorizam dizer: todos os
itens sociais (salário, emprego, saúde, educação, moradia, energia, saneamento
básico e segurança) pioraram nestes últimos 8 anos. Mesmo a saúde, onde o
ministro Serra pretende ter feito muito, piorou, pois a despesa em 1995 era de
4,8% do PIB e em 2001 caiu para 3,9%. O saneamento básico, tão fundamental para
combater a pobreza(34%), em 2001 teve investimento zero, apesar de estarem
previstos 71 milhões de reais.
Por que chegamos a este desmonte da nação brasileira? Seguramente os fatores são
muitos e complexos. Mas um excele a todos: a cultura política de nossas elites
de poder. É uma cultura do mimetismo e da reprodução. Elas nunca foram
independentes. Mantiveram internalizado o colonizador, pois se sentiam seu
substituto histórico e feitor. Neocolonizadas e globocolonizadas, continuam
achando, apesar de todos os Phds que ostentam, que o novo patrão sabe tudo
melhor, seus projetos políticos, mais racionais e suas fórmulas econômicas, mais
adequadas. São súbucas do receituário do FMI,Banco Mundial e OMC, aplicado aqui
sem cerimônia. Mas seu equívoco maior foi o de nunca terem valorizado o
pensamento original que aqui surgia, articulado com os anseios do povo.
Principalmente nunca escutaram os movimentos sociais em sua criatividade. Sua
estratégia era: obediência e adesão.
Essa estratégia neocolonial esgotou suas virtualidades. Ameaça as próprias
elites. A seguir pelo caminho aberto por FHC e prolongado pelo Ministro e agora
candidato Serra, chegaremos a um impasse fundamental. Os analistas sérios
apontam: o Brasil pós-Cardoso exige uma estratégia alternativa. Lula e seus
aliados enfatizam: urge mudar o eixo econômico a partir de uma repactuação
nacional em vista do resgate da dívida social. As grandes maiorias expressaram
nas urnas que querem mudança de rumo e com quem querem essa mudança A atitude de
base agora é outra: autonomia, negociação e novo pacto nacional. Só assim um
outro Brasil será possível. A hora chegou. Depois, poderá ser tarde demais.
Leonardo Boff, Teólogo
https://www.alainet.org/es/node/106492?language=en
Del mismo autor
- O risco da destruição de nosso futuro 05/04/2022
- Reality can be worse than we think 15/02/2022
- ¿Hay maneras de evitar el fin del mundo? 11/02/2022
- Há maneiras de evitar o fim do mundo? 08/02/2022
- The future of human life on Earth depends on us 17/01/2022
- El futuro de la vida depende de nosotros 17/01/2022
- A humanidade na encruzilhada: a sepultura ou… 14/01/2022
- “The iron cage” of Capital 04/01/2022
- Ante el futuro, desencanto o esperanzar 04/01/2022
- Desencanto face ao futuro e o esperançar 03/01/2022