Temos que arriscar

03/10/2002
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Por que a revolução brasileira, a mudança de rumo, até hoje não ocorreu? O Brasil teria tudo para dar certo: uma situação ecogeográfica fantástica, um povo altamente criativo, fruto da miscigenação de imigrantes vindos de 60 países diferentes, um ensaio civilizatório de extraordinária polivalência e a percepção coletiva de que temos, como país, um compromisso com o futuro. Mas por que não fizemos ainda a viragem que sanasse nossas lacerações seculares e nos permitisse irradiar como nação com projeto próprio em interação com a globalização, mas sem subordinação e agregação aos donos do poder mundial? Em seu livro Brasil: a contrução interrompida(1993) diz-nos o mestre Celso Furtado que "nos falta a experiência de provas cruciais e nos falta um verdadeiro conhecimento de nossas possibilidades, principalmente, de nossas debilidades" (p.35). E tem razão. Por minha parte, diria que vivemos entre o ufanismo do Brasil-país-do-futuro e o derrotismo do aqui-nada-dá-certo, pois, diz-se, avacalhamos tudo, também a revolução. Cristovam Buarque, o pregador da Segunda Abolição (da fome e da miséria), observou com acêrto que temos muito medo de arriscar. É o que impede deslachar o processo transformador. Em primeiro lugar, são nossas elites que têm medo de arriscar, pois, as mudanças podem lhes arrancar privilégios. Votam até em lideranças que odeiam mas que lhes dão garantia de que nada substancialmente vai mudar. Por isso, são socialmente conservadoras, embora sejam tecnicamente modernas e contemporâneas. Têm os pés no Brasil mas a cabeça, em Miami, em Paris e em Zurique. Elas conseguiram moldar a sociedade à sua imagem e semelhança, fazendo-a também socialmente conservadora. Qualquer proposta mudancista era, até há pouco, difamada de marxista ou de sonho de neobobos e de retardatários. Em segundo lugar, inculcaram na cabeça do povo que ele, por não ter cultura letrada, é um zé-ninguém e um jeca-tatu. Desqualificaram seu saber como superstição e trataram sua experiência de vida como folclore. Propalam que só conta quem tem escola, só tem futuro quem frequentou a universidade, só se garante quem fêz alguma pós-graduação mas só triunfa mesmo quem tem um doutorado no estrangeiro. Tal inculcação introdiziu medo no povo e disposição de não arriscar mudanças que, de si, o beneficiariam. Mas a situação está mudando. Graças aos movimentos sociais, à pedagogia do oprimido de Paulo Freire, às milhares comunidades eclesiais de base, às lutas dos sindicatos autênticos, aos Sem-Terra, aos partidos libertários como o PT, aumentou a auto-estima do povo. Ele se dispõe a arriscar um Brasil diferente. E mostra coragem. Na palavra cor-agem está presente o coração (cor). Ter coragem é agir a partir do coração, vale dizer, daquilo que é sincero e bom para si mesmo. Agora se apresenta o momento em que o povo brasileiro pode mostrar coragem de ir contra quem sempre lhe negou cidadania e lhe fechou o futuro. Ele assume um risco, o risco de buscar a realização de um sonho coletivo, finalmente realizável:um Brasil no qual todos possam caber, onde seja menos difícil o amor social, com um governo de decência e de cuidado para com a coisa pública. Essa possibilidade se abre no dia 6 de outubro com a vitória de quem vem da grande tribulação e que representa, verdadeiramente, a alternativa viável. Leonardo Boff, Teólogo
https://www.alainet.org/es/node/106457?language=en
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