Entrevista ao Presidente Hugo Chávez

01/07/2002
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A revolução bolivariana do presidente Chávez está a ser ameaçada por um novo golpe de Estado. A oposição rejeitou o espírito conciliador e o espaço de diálogo aberto generosamente pelo governo, interpretando este gesto como uma fraqueza. As urbanizações dos ricos começaram a armar-se. Na terça-feira dia 11 de Junho os sectores opositores concentraram em Caracas de 80 a 100 mil pessoas. Uma semana depois começaram a soar novamente as caçarolas nos bairros dos sectores acomodados. Prepara-se uma nova greve de trabalhadores apoiada pelo sector empresarial. Acusam Chávez de corrupção e o procurador-geral da República de parcialidade. Circulam boatos, criando um ambiente de desestabilização. Os meios de comunicação desempenham novamente um papel protagonista na preparação do ambiente golpista. Entretanto Chávez não respondeu à provocação. Sabe que conta com o apoio popular e que é capaz de mobilizar centenas de milhares de pessoas em todo o país. O seu lema tem sido transformar esse mar de povo que se exprimiu nas ruas a 12, 13 e 14 de Abril em organização. Não perde ocasião para chamar a constituir círculos bolivarianos dos mais diversos tipos. Sabe que um povo organizado e não desarmado, porque conta com o apoio do grosso das Forças Armadas, é invencível. Pensamos que no texto que oferecemos a seguir – que faz parte de uma longa entrevista em preparação – podemos entender o porquê do optimismo do líder venezuelano apesar da traição de um número considerável de altos comandos das Forças Armadas. M. H. I. MILITARES A TRABALHAR JUNTO DO POVO – Já tive muitas vezes de te defender contra os que te criticam por te teres rodeado de militares. Compreendo a angústia que deve sentir quem governa e tem de resolver rapidamente questões fundamentais e não conta com um aparelho de estado à altura das circunstâncias nem de quadros políticos suficientemente preparados. Penso que foi o que te levou a apoiar-te nos militares. Mas então parece existir uma contradição no facto de os principais executores práticos das tarefas mais importantes do processo revolucionário serem militares e o facto de este ser pensado em si mesmo como um processo em que o povo soberano exerce o poder participando em todos os campos. Entendo que os militares costumam ser eficientes e disciplinados, mas pouco habituados a delegar poder no povo, não preparados para o fazer participar. – Tenho ouvido dizer, neste sentido, que o Plano Bolívar 2000 tem significado muitas coisas boas para o povo: estradas, escolas, casas, ou seja, soluções concretas, mas que se trata de soluções que lhe chegam de cima, em que o povo não participa. – Por outro lado, estou convencida de que a participação não se decreta, as pessoas precisam de aprender a participar. Trata-se de um processo de transformação cultural lento. Nós temos um vídeo que fala do trabalho lento, trabalho de formiga, que se tem de fazer para se conseguir esta transformação, mas tem de se começar a fazê-lo e tem de haver quadros que facilitem essa tarefa. O que podes dizer sobre este assunto? 1. – Vamos supor que era plenamente correcta essa crítica que já me fizeram até em reuniões de partidos, no sentido de que os militares só sabem mandar, que são executivos mas não propensos à participação, o que não é verdade. Eu sou o primeiro militar desse grupo, sinto que desde muito novo a minha orientação foi a participação e tive experiências maravilhosas quando fui chefe de algumas unidades afastadas, sobretudo em pequenas povoações, iniciámos com os militares umas acções participativas muito pedagógicas que inclusivamente entravam em conflito com os poderes políticos locais: como é que este militar está a meter-se em coisas do povo, arranjando ruas com o povo e os soldados praticando desporto com as pessoas. E esta não é apenas uma tendência minha, se assim fosse eu teria entrado em choque com uma estrutura militar fechada, autoritária e não participativa, e não teria durado muito tempo no exército. 1) PORQUÊ TANTOS MILITARES NO GOVERNO 2. – Tens razão quando dizes que compreendes que haja tantos militares no meu governo. Imagina o 2 de Fevereiro de 1999, com quase todos os governos estaduais e municípios não opositores mas antes adversários (99,99%), o congresso contra, o tribunal supremo contra, um orçamento que recebemos não só reconduzido, isto é, a repetição do ano anterior, mas que pela inflação tivemos de reduzir nuns vinte por cento (20%), um governo quase sem recursos nem para pagar os salários, com o preço do petróleo a 7 dólares, o nível de expectativa que gerou o nosso triunfo: em volta do palácio havia multidões de milhares de pessoas que eu via pela janela, às vezes saía e eram milhares de pessoas pedindo emprego, com os rapazes doentes que ali dormiam, atiravam-se ao chão, não deixavam sair o carro. “Enquanto Chávez não nos atender não saímos daqui.” E a isto temos de acrescentar uma estrutura partidista comprometida na luta política: vinha a constituinte, vinha tudo isso, então decidi empregar as Forças Armadas. Creio que sem a participação dos militares na área social o Plano Bolívar 2000 – iniciado em 1999 e que continuou em 2000 – talvez o processo não tivesse avançado no campo político com a rapidez com que avançou. 2. O PLANO BOLÍVAR 2000: RAJADAS DE VIDA, EM LUGAR DE RAJADAS DE MORTE 3. Surge assim o Plano Bolívar 2000, um plano cívico-militar. 4. A ordem que dei até foi: “Se forem casa por casa apalpar o terreno, o inimigo, qual é?, a fome.” E começámos a fazer o 27 de Fevereiro de 1999, dez anos depois do Caracazo , como forma de reivindicar os militares e inclusivamente utilizei o contraste e disse: “Há 10 anos fomos massacrar este povo, agora vamos enchê-lo de amor, vão limpar o terreno, procurar a miséria, o inimigo é a morte. Vamos enchê-los de rajadas de vida, em lugar de rajadas de morte. E na verdade a resposta foi bem bonita. 5. Enquanto os políticos estávamos metidos no combate político, 40 mil militares estavam de campanha operando gente nos povoados pobres, extraindo hérnias, operando pernas, olhos; as maquinarias da engenharia militar abrindo caminhos; aviões militares voando para os sítios mais pobres levando passageiros e cobrando-lhes só o preço de custo. 1) CADA UM UM PLANO 6. Eu disse a cada um: “Apresente-me o seu plano com base nos seus recursos e a sua capacidade.” E cada componente das Forças Armadas foi concebendo o seu plano: a Força Aérea e o seu plano das rotas sociais: helicópteros, aviões militares voando com passageiros, gente que levava a sua galinha, o seu caixote; o pobre, pois, por onde não havia aviões nem caminhos; os marinheiros e o plano Pescar 2000: aqui estiveram os marinheiros juntos com os pescadores organizando cooperativas, reparando casas, frigoríficos, dando-lhes cursos, etc. À Guarda Nacional demos sobretudo a tarefa da segurança urbana, do controlo da delinquência, mas também programas por todo o país: nas zonas indígenas. Oxalá pudesse ir por aí, há coisas que parecem milagrosas. Isto sem negar as improvisações e até a corrupção em que caíram alguns militares, especialmente da parte alta e a gente contrária que sabotava. Mas os rapazes adquiriram uma consciência social impressionante. 2) PLANO CASIQUIARE 2000 7. A Guarda começou a inventar o Plano Casiquiare 2000. Casiquiare é um rio na selva, que está povoado por milhares de indígenas. Fizeram até um barco para o ir percorrendo de aldeia em aldeia, levando médicos, medicamentos, tratando as crianças, vacinando a população, fazendo casas com os indígenas, mas como os indígenas queriam e não como pensávamos nós. 3) BARRANCO YOPAL E CARAVALI 8. – Então foram-se despertando coisas como essas de Barranco Yopal e Caravali, com os indígenas Cuivas e Yaruros. Há anos eu ia a Barranco Yopal e levava latas e madeira aos indígenas, porque eles faziam ranchos com esses materiais para passar ali um inverno, mas no verão iam-se embora. Eram nómadas: caçadores e recolectores, como há 500 anos. Vi mulheres indígenas parindo ali, agachadas no monte e a placenta tiravam-na e limpavam a criança e continuavam o seu caminho. A maioria das crianças morria de paludismo, tuberculose, de qualquer tipo de doença. Eram maltratados, passavam bêbedos na povoação. As índias prostituíam- se, muitas vezes violavam-nas. Eram uns fantasmas, desprezados pela maioria da população. roubavam às vezes para comer. Não tinham a concepção da propriedade privada, para eles não era roubo meter-se num sítio e apanhar um porco para comer porque tinham fome. Mas o que lá vi eu agora? Os militares com um técnico agrícola e a sua capacidade de mobilização: veículos, equipamentos, organização, executivismo, rapidez, mas com os indígenas, com os capitães indígenas[1] à frente; com um boné e um pano que dizia Plano Bolívar. Os militares levavam os materiais, ajudaram-nos com algum pessoal de engenharia e soldados acima de tudo, e os indígenas projectaram as casas e trabalharam construindo a sua escolinha e as suas casas. – Quem se lembrou de que a população devia participar e não só receber?... 9. – Os militares com assessores civis: um técnico agrícola, um engenheiro. O Plano Bolívar não foi só militar, em cada guarnição militar contrataram técnicos civis que conhecem as coisas técnicas. 10. Bem, aqueles indígenas estavam felizes, de caras diferentes. Levaram-me a ver as suas sementeiras. Em apenas 4 hectares estavam a produzir cana de açúcar, melancia, bananas, milho, papaia. Comiam bem e agora pediam uma furgoneta para levar a sua produção à aldeia para a venderem. Já lhes tinham dado umas pequenas embarcações a motor e um curso para manejar motores, porque eles antes pescavam com uma pua, com um anzol nas margens de rios pequenos; fui pescar com eles duas vezes, pescavam com a mão ou matavam-nos com uma pedra grande. Aquela comunidade ressuscitou... 11. Quando uma vez tomei a palavra nessa região utilizei uma frase de Zaratustra. Então disse: “Há quinze anos passei por aqui e vi-vos com as vossas cinzas e agora volto e vejo-vos com o vosso fogo.” 4) O PLANO “VESPA” 12. – Também tens o Plano “Vespa” (Plan Avispa), que é um despertar de participação. Este plano inventou-o o general García Carneiro. Um dia veio-me com essa do Plano “Vespa”. “O que é isso, vão vacinar as pessoas?” “Não, homem, trata-se de autoconstrução de habitações em terrenos isolados.” “Explica-me lá.” Deu-me umas fotografias. “Olha como viviam – mostrou-me a foto da família ali parada diante de uma barraca de madeira ou de lata, – e dois meses depois, a mesma família agora mais alegre, com uma casita.” Quem fez essa casa? A comunidade. Enquanto uma empresa privada faz uma dessas casas com 10 milhões de bolívares, o Plano “Vespa” fá-la com 3 milhões. Porquê? Porque é a comunidade que constrói as casas. Isto, por sua vez, permite reactivar o emprego. Os militares conseguiram umas maquinetas de fazer blocos e dão cursos com alguns técnicos civis, mestres de obras. Fazem também portas de madeira. Com o INCE (Instituto Nacional de Cooperação Educativa) – pus lá um general reformado mas que é um tipo muito exigente e eficientíssimo, conheço-o porque foi meu professor – conseguiram fazer 40 oficinas ambulantes[2] de educação técnica, que estavam sem pneus, desmantelados, demos-lhes dinheiro e começaram a repará-los. Conseguimos créditos com Espanha para equipamentos novos e isso. Agora temos esses carros todos a rodar pelo país. Chegam lá para dar cursos, para ensinar as pessoas a fazer portas. Então fazem as portas, fazem os blocos, as telhas e fazem a casa entre todos e a corrupção desce, não digamos a zero, mas diminui muitíssimo. 13. Donde nasceu isto? Do seio do Plano Bolívar e seguramente não dos militares sozinhos, mas sim do militar em contacto com a realidade, do militar que vê que não bastam os recursos para fazer casas e se pergunta o que fazer. E a gente começa a falar, a calcular, e deste intercâmbio, surge o Plano “Vespa”. 5) ESTRADA A CUSTO MAIS BAIXO 14. Por lá os militares fizeram estradas, numa auto-estrada que estava há 20 anos paralisada e o orçamento que havia para a terminar com asfalto e tudo era de uns 5 mil milhões de bolívares, e eles com a maquinaria militar e os engenheiros militares conseguiram terminá-la só com 1 500 milhões. Ou seja, os custos de muitas obras desceram, de habitações, de estradas, pontes, caminhos por onde nunca passava ninguém. Fez-se uma operação gigantesca. 6) VOLUNTARIADO MÉDICO 15. E a saúde, nem falar! Gerou-se um voluntariado médico formidável e começaram a fazer-se operações com hospitais cirúrgicos de guerra, bem, a guerra social. Eram grandes multidões. Uma vez numa terra chamada Zaraza, os militares e civis do Plano Bolívar, em operações à vista, às pernas, etc., operaram mais pessoas nessa semana do que o hospital da terra tinha operado em 10 anos. Uma coisa impressionante! Lembro-me de uma vez um desses rapazes ter dito: “Tem de se ver como é belo devolver a vista a um velho, vê-lo chorar de alegria e ouvi-lo dizer: 'Pensar que julguei que ia morrer sem voltar a ver o céu azul'. Isso é que nos faz sentir felizes, sentimos que somos úteis.” Este contacto com o povo desencadeou um caudal de sentimentos e de vontade de participar. 7) GOVERNADOR DO ESTADO DE COJEDES 16. – O governador do Estado de Cojedes, a sul de Caracas, um grande estado de planície, quase no centro do país, é um tenente-coronel da Guarda Nacional, que não esteve em nenhum levantamento nem nada. Era o chefe militar do Plano Bolívar 2000 nesse Estado e em pleno processo constituinte, quando se iniciam as eleições para governador, chega um dia e diz-me: “Presidente, apetece-me pedir a demissão.” “Para quê, rapaz, se ainda só és tenente-coronel?” “Bem, é que me estão a pedir os partidos da revolução que seja o candidato a governador para derrubar o adeco[3] .” “Tens a certeza?”. Com efeito, daí a poucos dias chega-me uma carta assinada pelo MVR e outros dirigentes dos partidos de esquerda desse Estado. Com a sua candidatura inclusivamente solucionámos ali um problema que parecia não ter solução: as divisões internas. Este rapaz conseguiu aglutiná-los a todos, ganhámos as eleições e agora está a governar. Revelou-se um líder. Claro, passava com os guardas nas aldeias, nos campos, atendendo as pessoas, e foi assim que começaram a vê-lo como um líder. Há muitos casos como este. Só te contei alguns. 8) MILITARES FORMADOS EM TÉCNICAS DE DIRECÇÃO 17. – E repara, muitos dirigentes políticos sentiram-se diminuídos perante os militares e até se geraram invejas, porque na altura da liderança se vêem ultrapassados por uns rapazes que aprenderam a chefiar, porque nós os militares venezuelanos entre outras coisas estudamos a técnica de liderança, isto é, a técnica de conduzir grupos humanos. E muitos aplicam-na, não todos. Aprende-se como levantar a auto-estima, a moral da gente; estudámos isso tudo. Lembro-me até da matriz da liderança, porque também fui instrutor durante muitos anos. - Liderança para dentro, para o Exército?... 18. – Não, não só. Eu pensava sempre para o Exército e para fora. Todos são seres humanos, a diferença é que um tem uma farda e uma espingarda, e o outro não. Os soldados são camponeses, rapazes dos bairros. Como levantar a auto- estima a um grupo de soldados lá na fronteira às vezes comendo mal, às vezes sem roupa, e longe da família? Como manter uma unidade com alta moral e auto-estima? Como injectar-lhe nacionalismo, pátria, consciência dos motivos por que é um soldado? Como falar a um por um de noite, de manhã? Como tratar dos seus problemas? “O que aconteceu? Porque chegaste tarde da licença? “Bem, tenho a minha mãe enferma.” “A noiva deixou-me.” “É que bebi uns copos e fiquei a dormir.” “Bom, está bem, mas não voltes a fazer isso, porque não é bom.” Nem todos os militares somos assim, mas especialmente essa rapaziada tem muito disso. 9) ERROS E DESVIO DE RECURSOS 19. – Há muitos bons exemplos, contudo também há exemplos maus. Mas a soma de exemplos bons é maravilhosa e supera os erros e os defeitos de alguma gente e os actos irregulares. Estes foram enviados à procuradoria e investigados. O procurador geral da República disse-me há dias que o Plano Bolívar que começou com erros é um dos planos que detectou ter melhorado muitíssimo. – A que erros te referes? 20. – Por exemplo, o uso do dinheiro de uma parcela orçamental para atender a outro problema. Estas parcelas estão rigidamente distribuídas: se se destinarem 20 milhões de bolívares para reparar habitações, não se podem desviar para outros gastos. 21. Lembro-me de que uma vez, no meio da multidão apareceu uma mulher a chorar com um menino que tinha uma perna defeituosa, parecia um monco. Um rapazinho de 7 ou 8 anos que não podia andar e ela a carregá-lo. Vi-a, impressionou-me muito, parei, saí do carro, comigo não estava o governador, mas o general chefe da guarnição e, ao mesmo tempo, chefe do Plano Bolívar. A mulher conta-me que o menino nasceu assim e que nunca tinha podido operá-lo. “Vem cá, general, anota aí a direcção, manda-o para o operarem.” Então tinha de se pagar essa operação; outras vezes tratava-se de uma prótese que se devia pôr a alguém, sei lá. Tinha de se pagar e então iam buscar o dinheiro a alguma das parcelas. Alguns por inexperiência, outros aproveitaram-se. 22. Então como no princípio a Procuradoria estava nas mãos de adversários do meu governo, começaram a aproveitar-se destas coisas para fazer toda uma campanha contra. 23. Quando surgiu a denúncia: “Corrupção no Plano Bolívar”, pensei: destroçaram o Plano. Imagina, a imprensa trata de destruir todos os nossos projectos, sai uma lista com os nomes dos militares supostamente corruptos. Chamei alguns e disse-lhes que tinham de justificar os gastos até ao último bolívar. Então iniciou-se um processo de investigações, eles tiveram de começar a procurar o senhor da perna, onde pagaram a perna de pau que se fez para essa pessoa. Verificou-se factura por factura. E assim se começou a justificar quase todo. Alguns casos estão pendentes, outros quando não puderam justificar-se foram demitidos. 10) OPINIÃO DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA – Evidentemente muita gente ficou com a primeira informação da imprensa e nunca soube os resultados da investigação. É terrível como se lançam campanhas infundadas e a seguir, quando se obtêm dados que demonstram a falsidade dessas acusações, os meios de comunicação não rectificam e se chegam a fazê-lo fazem-no de uma forma tão pouco destacada que ninguém dá por isso. 24. – Assim é. Mas voltando ao plano, a Procuradoria Geral da República determinou que as metas do Plano Bolívar do anos de 1999 e 2000 se cumpriram em 280 por cento. 25. Este ano, por exemplo, não pudemos dar recursos ao Plano Bolívar, o que estão a fazer é terminar coisas que ficaram pendentes do ano passado, como este projecto que hoje vimos.[4] 11) FASE ACTUAL: O REGRESSO AOS QUARTÉIS 26. – Agora o plano passou a outra etapa, a que chamamos: entrar na estrutura. Já não são centenas de militares nas ruas. Já tenho governadores, presidentes dos municípios, planos em marcha, estrutura. Já não é o governo de há 3 anos. Então eles limitaram-se a ser uma espécie de coordenadores de projectos especiais em coordenação com os governos locais e regionais. Já não andam sozinhos a fazer as coisas. 27. E há militares que regressaram aos quartéis para se dedicarem em pleno às actividades de rotina, porque chegámos até a utilizar unidades de combate e precisamos de ter unidades de combate a treinar-se para o combate: ter batalhões de infantaria, os rapazes dos submarinos, os batalhões de pára-quedistas fazendo a sua instrução. Então, boa parte dessa gente retornou à sua função de rotina. 12) ORGANIZAR UNIDADES DE RESERVISTAS 28. – Estamos também a organizar unidades de reservistas. Em que consiste? Em convocar rapazes que já passaram pelas forças armadas, na maioria jovens desempregados, sem educação especializada, sem formação, a constituir cooperativas. No ano de 2001 organizámos 8 mil desses rapazes e eles passaram a formar cooperativas. A mesma ideia: cooperativas, microcréditos, doação de terras; até temos estado a transferir activos que são do Estado mas que estavam por aí desactivados nas mãos do FOGADE (Fundo de Garantia de Depósitos Bancários). Quando aqui houve aquela crise bancária fenomenal, foram-se embora muitos banqueiros, mas deixaram aqui muitos activos e o Estado apropriou-se deles: eram garantia dos depósitos. Muitos foram vendidos para se recuperar o capital, mas ficaram por aí terras, fábricas abandonadas. Então temos vindo a transferi-las para grupos de reservistas para que eles funcionem como unidades de reservistas: que tenham treino militar – coisa que não se tem cumprido muito bem por falta de recursos – e trabalhem formando cooperativas. Dão-se-lhes cursos agrícolas e eles põem-se a trabalhar. 29. Faz parte do Plano Bolívar: organizar as reservas – que é o povo – e dotá- los de instrumentos de trabalho. O Plano Pescar 2000 continua, já tem um capital acumulado: uma cooperativa de pescadores em contacto com a Marinha. Esta apoia- os, chega aos seus portos, ajuda-os a reparar motores. Ou os guardas nacionais nas fronteiras com os indígenas que estão unidos. 3. A DERROTA DO GOLPE DE ABRIL ASSENTA NA ACÇÃO CÍVICO-MILITAR 30. – Marta, o que aconteceu a 12 e 13 de Abril tem a ver com este processo cívico-militar, porque para além da atenção social, para além da pouca, nenhuma ou muita participação social que tenha havido nesse intercâmbio no Plano Bolívar e das suas falhas, cumpriu-se o objectivo: a aliança cívico-militar. No 12 de Abril, entre outras coisas, viu-se aqui o que nunca se tinha visto no país: centenas de milhares de venezuelanos desarmados, muitos deles sem direcção política, sem orientação, sem um plano preconcebido – falha nossa – dirigiram-se para os quartéis realizando grandes concentrações diante ou em volta deles. Cantavam o hino nacional, falavam aos soldados e gritavam-lhes: “Soldado, consciente, busca o teu presidente!” “Soldado, amigo, o povo está contigo!” Não foram só ao Fuerte Tiuna, mas a muitos quartéis em várias partes do país. Porque se dirigiu o povo a esses quartéis? Nunca tinha acontecido nada assim. E não era por eu lá estar. De facto a massa que rodeava o Fuerte Tiuna no terceiro dia, quando já se sabia que eu não estava lá, era impressionante: mais de 300 mil pessoas. 31. Também aconteceu nalguns lugares como em Maracay, que um grupo de militares da brigada de pára-quedistas viram que havia gente fora do quartel, mas disseram: falta mais gente, falta povo que se una a nós, e foram aos bairros. Claro, eles conhecem os dirigentes dos bairros e esses dirigentes conhecem-nos a eles, porque cada unidade militar fez o seu plano e distribuiu sectores: ao batalhão tal corresponde o bairro tal. E nisto já têm 3 anos neste contacto em que o militar vai ao bairro, faz patrulhas, constrói a escola ou monta o posto médico, e assim começa a dar-se a conhecer. O militar sabe que indo ao bairro tal não o vão rejeitar como antes. Após a matança do 27 de Fevereiro, por exemplo, para ir a um bairro pobre um militar tinha de se desfardar, pois corria perigo dado que o povo sabia que eram militares os que o haviam massacrado. Hoje chega um militar e toda a gente o cumprimenta com entusiasmo e alegria. 32. Toda esta reacção não teria ocorrido sem esse contacto profundo entre o exército e o povo. Isto é Mao[5]. A água e o peixe. O povo é para o exército como a água para o peixe. Na Venezuela hoje temos peixes na água e por isso a campanha contra o Plano Bolívar, para tentar partir, fracturar essa unidade. Uma boa parte dos militares está junto do povo. Claro, não todos, porque há sectores militares opostos, que se fizeram eco do discurso dos adversários. Qual é este discurso? Que Chávez vai acabar com as Forças Armadas, porque afecta a operacionalidade do corpo militar, porque agora os militares andam a limpar fossas, ou seja, um pouco denegrindo o plano: andam a limpar ruas, o que na rádio, imprensa e televisão lá fora impressiona, e cá dentro também, e alguns militares fizeram-se eco disso, e no entanto, a resposta de baixo é positiva ao plano. Vemo-los felizes. Hoje vi aí esses militares, sobretudo o responsável do Plano Bolívar em Puerto Cruz, o comandante da Marinha, Becerra, feliz por ver terminada a sua escola, que ele fez com a sua gente. II. A EXPLICAÇÃO DO GOLPE – Em relação com o aspecto pacífico da revolução, quando te perguntaram se não receias que se produza um novo Chile no teu país, pensando no golpe de Estado contra Allende, respondeste que a diferença entre os dois processos é que o primeiro foi uma revolução desarmada e que a revolução bolivariana tem armas e homens dispostos a usá-las em caso de necessidade para a defender; e, por outro lado, exprimiste antes do golpe de Abril de 2002 que qualquer tentativa de golpe de Estado na Venezuela poderia gerar uma radicalização da revolução, pelo que a oligarquia tinha de pensar muito bem se se decidisse a dar esse passo[6]. Afirmaste também que ter força militar não significava necessariamente “usar as armas” sem contar com ela como “uma força de apoio e uma força dissuasiva”[7]. De facto, pelo que contas, foram as forças armadas que bloquearam uma tentativa de golpe militar que se preparava durante o processo eleitoral de 1998 e foram elas que impediram a fraude eleitoral nos inícios do processo. Por outro lado, não se pode negar que desempenharam um papel importantíssimo durante o actual processo: em primeiro lugar, como garantes de seis processos eleitorais em menos de dois anos, evitando fraudes e golpes militares; em segundo lugar, como os principais executores do Plano Bolívar 2000 e dos planos de emergência para fazer frente às consequências dos desastres naturais que sofreram vários povoações venezuelanas. 33. Compreendo que antes do golpe de 11 de Abril de 2002 achasses que a maioria dos altos comandos te apoiava, apesar de nos últimos meses terem aparecido publicamente alguns oficiais de alta patente pedindo a tua renúncia à presidência da República, e a recente renúncia do general Guaicaipuro Lameda à presidência da empresa estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA), manifestando contradições com algumas políticas do seu governo. É assim? No entanto, o golpe de 11 de Abril de 2002 só se pôde dar porque um sector não descurável dos altos comandos apoiou a oposição, embora também seja certo que o teu retorno ao governo se deveu, entre outras coisas, a que muitos desses comandos reconsideraram e finalmente acabaste contando com um apoio maioritário entre as fileiras militares. 1. PERCEPÇÃO ERRADA DO NÍVEL DE APOIO A que se deve que tivesses uma percepção errada do nível de apoio com que contavas nas Forças Armadas? E aqui coloca-se todo um grande tema: tal como um governante consegue ter uma informação objectiva do que acontece no seu país quando, por um lado, costuma suceder que as pessoas que o rodeiam para o comprazer, para não o preocupar ou por oportunismo evitam informá-lo dos problemas transmitindo-lhe uma informação adocicada, e por outro, sucede também que a própria atitude do governante o leva a não atender às informações críticas. Que mecanismo há para evitar o que Eduardo Galeano uma vez conversando indicava como o problema do eco, o governante e o seu eco?... 34. – Ou como diz Matus: “o líder e a sua gaiola de cristal.” 35. Olha, sobre a primeira pergunta, eu sem dúvida sobreavaliei a força de um grupo de pessoas que julgava conhecer suficientemente, deve ter sido o coração..., quando os sentimentos desempenham um papel importante às vezes é fatal, trágico. Desde 1999 tenho vindo a respeitar as antiguidades; o quadro militar, respeitando-o com pequenas variações, não houve nenhum cerceamento da cúpula militar. E quanto à percepção da sua disposição a respeitar a Constituição, o governo, o seu Comandante em Chefe enganei-me, mas só com alguns, na verdade não foi um engano total, se tivesse sido total não estaríamos aqui tu e eu sentados porque na verdade a resposta que houve no sábado e que permitiu o retorno do governo, indica de maneira objectiva de que a grande maioria de generais não estava comprometida. Foi uma minoria que conseguiu confundir o resto. Eu desconfiava de alguns deles, não houve surpresa com os que motorizaram o golpe; tínhamos informações delicadas, por exemplo, sobre o adido militar que estava em Washington e alguns gestos de outros generais. Mas reconheço que me enganei com alguns que estavam em posições-chave como o comandante do Exército, o general Vázquez Velasco e que nunca cheguei a pensar que esse grupo de oficiais fosse chegar a esses extremos, ou seja, a comprometer-se como o fez com o movimento golpista. Aqui tem de se assumir como autocrítica: ter muito mais os olhos abertos. 36. A questão da renúncia foi uma coisa que nos afectou muitíssimo. Muitos militares foram surpreendidos por esse manejo da situação, mas logo reagiram. 37. De qualquer modo foi um ensinamento; de agora em diante vamos atender com muito mais cuidado a alguns gestos, vamos procurar ter muito mais precisão na avaliação individual de cada ser humano: os seus interesses, os conflitos internos da instituição, muitas vezes injectados de fora. 2. COMO UM GOVERNANTE PODE TER UMA INFORMAÇÃO OBJECTIVA 38. – Agora, em relação à segunda pergunta sobre como um governante pode conseguir uma informação exacta do que sucede no país. Não tenho dúvidas de que um governante necessita de uma equipa que faça um acompanhamento permanente e que o informe do que se passa sem desvirtuar a realidade, sem esconder informações. Ora, é certo o que dizes, que por variadas razões se costuma não informar claramente da situação o Chefe de Estado, e creio que isso é inevitável. O que faço para o corrigir? Leio os jornais, é uma forma de me inteirar de coisas, sobretudo as páginas interiores onde vêm denúncias, cartas do público, a página dos leitores; gosto muito de vasculhar por ali e começo a chamar gente. “Olha, o que se passou com isto?” “Que problema é este?” 39. Por outro lado, tenho no Palácio um grupo de pessoas, algumas militares, outras civis, a que chamo os Inspectores. Mando-os fazer inspecções imprevistas em sítios determinados e que me tragam informação do que virem com fotos e relatos da população. Por aí fico ao corrente de muitas coisas, as que funcionam e as que funcionam mal ou não funcionam mesmo. Insisto muito com eles para que me digam as verdades. Com o chefe de Inteligência insisto muito para que me informe dos factos, das tendências, no momento em que se derem. É claro que os meus informantes têm de ter critério, porque também não se trata de o presidente ser atafulhado de boatos, de todas as informações que correm pela rua, mas sim das que o critério deles possa influir na tomada de decisões. É uma minha prédica constante. E nisso creio que estamos a melhorar. 40. Por outro lado, Marta, tenho a tendência para me escapar da prisão da jaula de cristal de que fala Matus, e tendo muito ao contacto directo com a gente. Recebo uma enorme quantidade de papéis e cartas, claro que não tenho tempo de lê- los a todos esses papéis e cartas que me mandam, mas uma parte importante leio e os rapazes que trabalham comigo lêem, processam, passam-me resumos e por aí chegam-me queixas de diversos âmbitos: sociais, económicos, populares, ou o contacto com pequenos grupos como o que tivemos nas Malvinas, com uns 60 dirigentes dos bairros, que informam , criticam, participam, entregam anteprojectos, ideias. Outras vezes, quando passo pela rua, faço perguntas. 41. Todos estos são mecanismos, uns institucionais, outros pessoais; uns conjunturais, mas devem ser acima de tudo estruturais. 42. Tenho consciência de que isto não se pode limitar a acções pessoais, espasmódicas, deve ser um processo contínuo, com uma metodologia para diagnosticar, avaliar, inspeccionar... Tem de se organizar um serviço que seja eficaz a detectar os problemas e a seguir as instruções. Creio que é essa a melhor maneira de nos inteirarmos o mais possível dessa realidade que o circunda, porque seria terrível que a uma pessoa o tenham enganado, que se acabe por ser um autista, pensando que tudo vai bem e afinal o país está a afundar-se. – E quanto à tua equipa assessora, procuras rodear-te de pessoas críticas? Aceitas facilmente a crítica? 43. – Sim, evidentemente que sim e sou eu que a peço. Não me agrada gente complacente. Se há decisões que se tomam e de que não compartilha um ministro ou um funcionário, parece-me absolutamente correcto que se exponha, que se discuta, que se delibere em busca da melhor opção. 3. A DIMENSÃO DA TRAIÇÃO 44. – Não achas que a primeira coisa a ter em conta é que os militares não são um todo homogéneo. E creio que o que o golpe de 11 de Abril justamente revela é que podes contar com o apoio da grande maioria da tropa e da suboficialidade, e que os que te traíram foram fundamentalmente membros do alto comando: o sector mais permeável à ideologia das casses dominantes, não é? 45. – Sim, mas também não são todos os generais... 1) SÓ UNS 20 POR CENTO – Quantos generais estiveram com o golpe? 46. – Os realmente golpistas, que andavam a planificá-lo há muito tempo e que se juntaram à operação de manipulação e de apoio ao golpe, não passam dos 20% e talvez já esteja a exagerar. E se analisares quase todos um por um conseguirás compreender as suas razões. Umas são políticas, outras económicas; uns por falta de compreensão do processo político, uns influenciados por essa campanha persistente de que o comunismo, que a guerrilha colombiana, que as milícias populares bolivarianas, que o plano para debilitar as forças armadas, etc. Uns confundidos, outros comprometidos com isto. 47. De quase cem generais, esse grupo não passa de 20, embora tenham aparecido muitos no vídeo[8]. O que leu o comunicado estava na conspiração, mas a maioria dos demais estava lá porque foram chamados, manipularam-nos, disseram- lhes: “O presidente mandou matar gente, vejam as imagens, e agora quer que saiamos à rua para matar mais gente. Ele mesmo disse que maldito é o soldado que dirija as armas contra o seu povo – frase de Bolívar – e por isso não vamos obedecer-lhe, vamos pronunciar-nos institucionalmente.” E muitos caíram neste jogo, neste engano, nesta manipulação. 4. QUEM SÃO OS MILITARES GOLPISTAS 1) HOMENS DE PRIVILÉGIOS – Como caracterizarias o grupo de golpistas? 48. Quase todos os do grupo conspirador são homens de privilégios, de contactos políticos com o ambiente anterior, com AD e COPEI, ou oficiais que fizeram fortunas, às vezes de duvidosa proveniência em combinação com cães da guerra. Havia cães da guerra metidos no golpe. O senhor Pérez Recao, vendedor de armas e equipamentos militares. 49. Enfim, continuo a pensar, mesmo com o que aconteceu, que a maioria inclusivamente dos generais – gente da minha geração – não foram participantes activos no golpe. – Qual é a tua análise do que aconteceu dentro das forças armadas? Como foi possível que militares de tua relativa confiança foram ganhos para essa tentativa golpista? 50. – A Venezuela está a viver um conflito histórico – assim o catalogamos – um conflito terminal, uma guerra que acaba e uma guerra que começa: é uma ruptura com o passado. E isto não pode deixar de fora um sector que tem múltiplas interacções: históricas, sociais, económicas, psicológicas, etc., com toda a sociedade e os sectores que a formam. Então as Forças Armadas desde há tempos têm vindo a sentir o impacto do abalo nacional: não é um sector isolado dos acontecimentos nacionais. 51. E dentro desse contexto, um grupo de militares certamente formados naqueles critérios de democracia foram captados, foram convencidos por grupos de civis, de políticos, grupos empresariais golpistas. São pessoas que passaram décadas uma, duas e mais de duas décadas imersas num processo e com influências do ambiente externo que gerava interesses individuais ou grupais muito semelhantes aos interesses destes sectores civis, políticos ou empresariais. Alguns destes militares que se comprometeram, que foram os promotores do golpe, pertenceram durante vários anos a grupos que se foram formando e amparando no poder estabelecido, foram-se enchendo de privilégios ou assumindo posições de privilégio, e quando chega a nossa revolução e se instala o nosso governo começam a perder privilégios como, por exemplo, o manejo da instituição armada, o manejo de contratos de compras militares. Não é de estranhar por isso que um dos golpistas que foi agora para os Estados Unidos e está quase demonstrado que estava por trás do senhor Carmona, é um senhor chamado Isaac Pérez Recao, que durante muitos anos fez negócios vendendo armas, espingardas, granadas e veículos blindados às Forças Armadas. Este senhor fez amizade, por exemplo, com um dos generais que estavam em Washington. No dia do golpe esse general[9] veio de Washington no avião de Pérez Recao e aqui se uniu aos golpistas, e até introduziu armas de guerra – mas não das Forças Armadas venezuelanas – no Fuerte Tiuna para assumir o controlo de alguns dos seus espaços. 52. Outros vinham a projectar-se como possíveis chefes militares, porque estavam associados aos partidos que governaram o país durante muito tempo. Aspiravam a ser generais de Divisão, chefes militares, chefes do Exército, chefes das Forças Armadas, e não se realizaram os seus planos, e foi então que começaram a encher- se de rancor: “Chávez promoveu outro e não me promoveu a mim”, “Chávez está a dar os cargos aos seus amigos e não a nós que estávamos propostos”; enfim, a meritocracia e essas histórias todas. 53. Basicamente foram estes – com algumas excepções – os militares que se tornaram os motores da conspiração e também manipularam um grupo de oficiais. 5. TRABALHO FEITO PELOS GOLPISTAS DENTRO DO CORPO DE GENERAIS 54. – Esta noite[10] conversei com quatro generais da Força Aérea que decidimos não levar a julgamento – falei um a um com muitos generais; quase todas as semanas falo com algum grupo – e então explicou um deles que um general golpista lhe disse que se apresentasse ao comando aqui na base da Carlota e ele vem e apresenta-se. E ali dizem-lhe: “Já sabes o que está a acontecer, olha para essas imagens, há uma manifestação pacífica e vê a gente do presidente, os Círculos Bolivarianos armados a disparar, matando esta gente”, e passavam-lhe as imagens que todo o mundo viu. “O Presidente enlouqueceu e está a pedir-nos que vamos continuar a massacrar a gente, mas nós não vamos fazê-lo, estás de acordo?” – “Bem, sim, estou de acordo, não quero matar gente, é horrível isso que está a acontecer!” E também lhe disseram: “Olha, o presidente renunciou e há um vazio de poder e estamos a fazer um documento; vamos pronunciar-nos perante o país”. E vem uma câmara de televisão e um dos generais lê o documento. Manipularam-no com mentiras e ele caiu no erro. Disse-me: “Fui um parvo, mas nunca mais me enganam!” E eu acredito nele, porque identificámos os que foram de facto os promotores, e sabemos que houve outro grupo que foi enganado, manipulado, o grupo que pertence basicamente à minha geração. 55. Além disso é um dado favorável que no dia seguinte alguns deles tenham começado a reagi, a pensar com mais calma, a ver a realidade e a assumir posições. Isto antes de eu regressar. Esclareço-o porque se poderia pensar que foi ao meu regresso que voltaram a saltar para este lado. Não, não, embora alguns o fizessem. Foi no dia seguinte que a maioria reagiu quando se deu conta de que eu não renunciara. Começam a pronunciar-se alguns de maneira muito firme, outros mais reservados, mas no fim de contas esses pronunciamentos acompanhando a reacção popular é que permitiram que a situação se revertesse. 56. Um dos generais golpistas, por exemplo, foi chefe da Casa Militar de Caldera e muito amigo do genro de Caldera; outro dos golpistas é um general reformado, mas que estava no activo quando ganhei as eleições e tentou preparar um golpe de estado contra mim, mas não pôde, não teve forças para o lançar em Dezembro de 1998. Ou seja, há uma diversidade de razões, umas individuais, outras políticas, que foram agrupando estos militares aproximando-os de partidos políticos, Acción Democrática, COPEI, sectores empresariais, traficantes de armas, etc., e meios de comunicação com certo poder. Conseguiram sublevar-se num momento conflituoso alimentado de fora, preparado em parte por um conflito como o de PDVSA[11], um conflito interno de luta de sectores, de luta de poderes internos. Foi sobre este cenário golpista que vinham já preparando desde há certo tempo que se deram os acontecimentos do 11 de Abril. 6. PORQUÊ UMA ATITUDE TÃO BENEVOLENTE. FRAQUEZA OU FORÇA? – Dizes que decidiram não os levar a julgamento. Qual é a razão que te leva a uma atitude tão benevolente, pois deves saber que tanto fora como dentro da Venezuela existe a preocupação de que aqui não se castiga ninguém, que apesar de ser um governo que içou com grande força a bandeira da luta contra a corrupção, não se julgou nenhum corrupto, havendo porém provas evidentes de corrupção. E o mesmo no caso do golpe. Compreendo que em sectores da tropa e da suboficialidade que estão absolutamente com o processo não se perceba esta atitude do governo. Também não se percebe que tenhas nomeado o general Rincón, que anunciou a tua renúncia, como ministro da Defesa. Tudo isto dá a impressão de debilidade e não de força. Há quem pense que a correlação de forças dentro das forças armadas te é tão desfavorável que não te restou outra possibilidade senão a de conciliar. O que podes dizer a este respeito? 1) QUAL É O CONCEITO DE FORÇA? 57. – Haverá muitas maneiras de ler uma realidade como esta. Se é fraqueza ou força depende de como se conceba a fraqueza e como se conceba a força. Ao nosso regresso, a seguir ao golpe de estado de 11 de Abril, tínhamos várias opções: uma era vir mostrar força do ponto de vista tradicional, entendendo isto como a execução de acções contundentes; como um batalhão de tanques que ataca, que vai avançando e destruindo posições e derrubando um muro após outro e ocupando espaços. Uns concebem a força desta maneira, é uma concepção respeitável, não estou a denegri-la, mas não deixa de ser uma concepção que não é exactamente válida para todas as situações. Imagino que os nazis quando iam para Leninegrado iam com esta concepção de força: vamos avançar até ao coração do inimigo e rebentá-lo. Há outra concepção de força, vês essas canas de bambu[12], é uma imagem que utilizam os chineses. O bambu verga, não se quebra, ao contrário de outras árvores aparentemente muito mais fortes que se quebram. Creio que desde sempre tive esta concepção da força: a força da flexibilidade, a força da manobra, a força da inteligência e não a da força bruta, isto é, a de demonstrar à primeira sinais de força mas que muitas vezes não aguentam um tempo determinado. 2) AS OPÇÕES 58. Voltando ao que te dizia, quando regressei tinha várias opções, uma delas era demonstrar força no sentido que indiquei: se tivéssemos metido um grupo de gente na prisão teria sido interpretado como força, mas não o fizemos. Uns saíram do país, outros estão em casa, uns com restrições de movimentos e outros sem restrições, só que os convocam semanalmente a um tribunal porque estão em processo de investigações. 59. Marta, lembro-me que quando fizemos a nossa rebelião nos puseram presos – como se diz aqui – a Raimundo e toda a gente. Éramos uns 300, não cabíamos nas prisões, tiveram de inventar prisões; na prisão onde eu estava até puseram minas à volta porque havia o temor de que me fossem libertar, não nos deixavam falar com o país porque se temia que disséssemos a verdade; para nos visitarem a mulher e os filhos e familiares tinha de se fazer uma lista e mandá-la com uma semana de antecedência ao Ministério da Defesa para autorizarem a sua entrada. Pablo Medina[13], sem dúvida, propôs na altura que nos interpelassem no congresso e responderam: “Que ideia, esses golpistas não devem falar!” Tivemos de fazer uma entrevista em Yare com José Vicente Rangel com a cassette escondida, clandestina, mas o governo soube e mandou encerrar o programa. Revistaram-me a casa, levaram até roupa das crianças, um dinheirito que tinha a minha primeira mulher. Eu perguntaria: foi isto uma demonstração de força? No fundo era uma demonstração de uma grande fraqueza. A mim não me dá nenhum temor nem me aquece nem arrefece que Carmona Estanga tenha estado creio que quinze ou dezasseis horas na Assembleia Nacional, interpelado, e que tenha havido transmissão ao vivo pela televisão e rádio para todo o país. E que o general tal e o almirante tal digam a sua verdade. Creio que ficaram muito mal vistos alguns deles quando, por exemplo, disseram: “Aqui não houve golpe”. A gente ria-se. Não houve golpe? E Carmona Estanga dizendo: “Aqui houve um vazio de poder e a mim chamaram-me uns militares e eu fiz juramento.” Nisto não acredita nem ele mesmo, fez uma figura ridícula. O povo dá-se conta, creio que foi uma lição, uma pedagogia. Agora, não te nego que pode haver gente, sobretudo gente jovem muito impulsiva, que pode pensar que isto é fraqueza e que esse senhor não deveria estar ali a falar, que deveria estar fechado em Yare onde me detiveram a mim. Se calhar tu mesma compartilhas desta posição. 60. Mas quero esclarecer-te que não é que os golpistas estejam desculpados, não, Marta, está-se é a aplicar a Constituição. 3) DEBILIDADES DA CONSTITUIÇ&Aatilde;O PARA ATRIBUIR SANÇÕES AOS CULPADOs 61. Nós decidimos tornar-nos um partido político, meter-nos nas eleições, instalar-nos como governo, convocar uma Constituinte, reconhecer então cinco poderes e elaborar esta Constituição, que é bastante humanista e contém elementos que vieram a revelar-se demasiado permissivos, como o de que um general, um almirante – a Constituição não estabelece excepções – para ser julgado tem de ser submetido antes a um juízo prévio de mérito, isto é, decidimos aceitar as regras do jogo que estabelecemos e é o que se está a fazer. 62. O Fiscal Geral da República já elaborou o juízo prévio de mérito, mas isto não se pode fazer de um dia para o outro, porque se pode anular o juízo se não estiver bem sustentado; tem de se elaborar documentos, entrevistar pessoas. A mim entrevistaram-me três fiscais durante cinco horas e entrevistaram muitíssima gente. A seguir o fiscal geral, de acordo com o prazo marcado pela Constituição, entregou um longo documento ao Tribunal Supremo de Justiça, que está agora a examiná-lo para ver se há motivos para julgar esses senhores. 63. Se não se cumprir isto simplesmente estaremos a violar a Constituição. É claro que a Procuradoria também adoptou algumas medidas, estabeleceu certas restrições: podem sair do país, têm de se apresentar, não podem emitir opiniões públicas, não podem participar em manifestações. 64. Se se considera um acto de fraqueza o cumprimento da Constituição, imagina o que isso significaria! 65. Ora se a Constituição é demasiado permissiva em certos artigos – e já temos vindo a detectar vulnerabilidades – deveria ser revista, para ver se lhe fazem alguns retoques. É tão válido como quando se constrói uma casa e se descobre que está debilitada uma das suas colunas e se decide fortalecê-la. Há gente que já pensa solicitar emendas para fortalecer alguns elementos da Constituição. É este o processo constituinte e isto é válido. Também a oposição está a pedir emendas por outro lado, e é válido que o façam, que recolham assinaturas, que vão lá, depois terá de se ir a referendum. 66. Não posso violar esta Constituição. Mas também não posso ignorar que há fraquezas estruturais muitas vezes a retardar o ritmo que devia ter o julgamento ou que impedem de determinar com exactidão a verdade nalgum espaço. INSPECÇÃO E JULGAMENTOS AOS MILITARES – Com os recentes acontecimentos a nível judicial, o que vai acontecer com os julgamentos aos militares golpistas? 67. – A situação está a complicar-se e a atrasar-se, produto da estratégia adversária, a estratégia dos juristas que apoiam e defendem os golpistas e as suas redes e conexões. Estão a valer-se das contradições do Tribunal Supremo de Justiça. Conseguiram numa primeira instância retardar. 68. Esta semana que termina hoje[14], o Tribunal Supremo deveria ter-se pronunciado. Há bastantes provas de que um grupo de generais e almirantes tiveram responsabilidades no golpe e estão já imputados pelo fiscal, após um trabalho árduo. No entanto, devido a um magistrado ter recusado o presidente do Tribunal Supremo de Justiça e este por sua vez ter recusado quem o recusou, ali armou-se uma alhada, e então decidiram adiar, informaram-me que é 4 de Julho a data em que devem tomar a decisão. Antes dessa data devem ter solucionado os problemas de recusa e contra-recusa produto da manobra política de um grupo de infiltrados no Tribunal de Justiça, que entraram naquela ocasião com uma posição e que hoje têm outra. Estão a tentar deter uma acção do Estado de aplicar a justiça necessária, imprescindível. Confio em que estas recusas não venham diferir uma decisão que, a todas as luzes, o país está esperando. E não só que se faça justiça no campo militar, mas também no campo civil. 69. Esta é uma prova de fogo para essas instituições que têm falhas estruturais[15]. – E se isso não se conseguir, que saídas há? 70. – Há saídas. Tenho um recurso constitucional de convocar um referendum aprovatório consultivo, revogatório e outra serie de medidas que temos estado a analisar perante possíveis cenários. 71. Suponhamos que o Tribunal Supremo de Justiça acabe por ser sequestrado definitivamente por uma minoria que consegue uma maioria sob pressão, ou de fora controla o Tribunal de Justiça e que este se torna uma entidade que em vez de administrar justiça a desadministra, que em vez de julgar os golpistas acaba por julgar o presidente da República, como alguns propõem e já estão a dar passos para isso; nesse caso, o país – não só a Constituição, o país real, – essa grande percentagem de venezuelanos tem de ajudar a achar uma saída que queremos que seja pacífica, que queremos que seja democrática dentro do âmbito da Constituição. Poderá ser um referendum, a própria Constituição coloca a possibilidade de uma emenda constitucional que teria de ir a referendum[16] – e já começámos a considerá-la como uma medida que nos permita destrancar esta situação – para reformar alguns artigos da Constituição, apoiados na maioria que conservamos na Assembleia Nacional e que estamos a tentar fortalecer. E há outro recurso extremo que é convocar o poder constituinte de novo, mas como se fez isto há só três anos, terá de se esgotar primeiro as instâncias prévias de emendas, de reformas. A Constituição pode ter muitos defeitos mas uma das maravilhas que tem, e que são bastantes, é que estabelece o mecanismo para o poder constituinte não ser expropriado ao povo. No caso de uma crise política institucional sem saída, resta sempre o recurso de o povo, recolhendo assinaturas até uma determinada percentagem, ou a assembleia nacional, ou o presidente, poderem activar um referendum para chamar o povo, a quê?, a reformar, a emendar ou reestruturar e até a elaborar um novo texto constitucional. Para realizar isto, repito, obviamente terá de se esgotar as instâncias prévias. – E não poderá pensar-se num referendum simbólico, em chamar a gente a votar, mas não numa votação formal, simplesmente a pronunciar-se, porque para mim é evidente que neste momento os golpistas são absoluta minoria; penso que haverá muita gente que está contra Chávez e contra provavelmente a maioria da assembleia nacional, mas que rejeita uma saída golpista. 72. – Sim, seria simbólico político. – Claro, como fizeram os zapatistas, como se fez no Brasil com a dívida externa, chamando a gente a pronunciar-se, pondo um papelinho numa urna. Isto não é legal, mas também não é ilegal; e é um facto político. 73. – É um recurso válido em muitas partes do mundo. Nós temos na nossa Constituição a figura do “referendum consultivo” e poderá ser uma medida política que pudéssemos jogar nestes próximos meses, que embora não seja vinculativa, no entanto é uma manifestação política. – Em que consiste o referendum consultivo? 74. – É como perguntares à tua família: “Olhem, está a chover, o que querem, vamos passear pela montanha como tínhamos previsto ou ficamos em casa?” Se calhar a maioria diz: “Não, vamos ficar aqui, papá”, mas apesar dessa opinião o pai pode decidir que vão apesar de tudo porque tinham tudo pronto. A opinião que manifestaram não é vinculativa para o pai. Se se tratasse do governo de um estado não seria vinculativo, mas seria politicamente muito significativo. 75. Hoje estivemos a examinar a Constituição e há lá um cenário que podia apresentar-se e deslocar o centro de gravidade do conflito para o fiscal, isto é, para as instituições, o poder constituído, para a rua, para o povo e a opinião pública. Porquê? Porque a Constituição indica que o fiscal geral da República, tal como o procurador ou o defensor do povo, são designados pela assembleia nacional, com o voto de pelo menos dois terços dos seus membros, mas que se a assembleia nacional não chegar a acordo nessa percentagem mínima de dois terços para designar um senhor ou senhora para o cargo, então deve-se elaborar um trio de candidatos e submetê-lo à consulta popular para ser o povo a decidir quem deve ser o fiscal geral da República, o procurador ou o defensor do povo, se a assembleia não conseguir o acordo para accionar os mecanismos constitucionais. É um cenário interessante porque seria passar a bola ao povo. 7. DIFERENTES NÍVEIS DE RESPONSABILIDADE 76. Há diferentes níveis de responsabilidade, há um primeiro grupo de militares, os golpistas a sério, que estão submetidos a esse juízo prévio de mérito, e também um segundo grupo. Há outro grupo a que decidimos, com base num estudo consciencioso, não mandar a julgamento, mas submetê-lo a uma figura que está na Lei Orgânica das Forças Armadas, chamada “Conselho de Investigação”. 1) MILITARES SUBMETIDOS A CONSELHO DE INVESTIGAÇÃO – Quando dizes “decidimos”, o que significa? 77. – Falo no plural porque não sou eu sozinho, eu recebo recomendações dos comandos militares e de outras fontes que me dão informações, que fazem investigações, e eu encarrego-me de obter outras informações. Assim vamos consolidando informações para nos aproximarmos da verdade sobre a actuação de tal ou tal militar. Este Conselho de Investigação também é uma coisa séria que não se pode fazer de um dia para o outro, não podes demitir um militar, que já tem um grau e direitos, sem fundamentação. A Constituição estabelece o devido processo e o direito à defesa. Tens de lhe dar o direito de se defender, senão continuaríamos a cair em atitudes como as de Carlos Andrés Pérez, que demitiu militares, sem julgamento nem investigação, deixaram-nos até descalços, tiraram- lhes as armas e tudo, uma humilhação e aí sim, pagaram justos por pecadores. Muitos justos e poucos pecadores, no nosso caso. 78. Agora esses senhores que estão a ser submetidos a Conselho de Investigação, já estão na fase final. Há cinco dias assinei uma recomendação para demitir dois almirantes: um que comandava a Infantaria da Marinha em Carúpano no Oriente, e outro que estava aqui em Caracas. Consideramos que cometeram falta grave e não crime, porque se o Conselho de Investigação determina que houve crime ou presunção de crime então vai pela via do juízo prévio de mérito que é mais demorada. O Conselho de Investigação é mais rápido porque a aplicação de sanções depende do Comandante em Chefe. Há uns quinze generais e almirantes do Exército, Marinha, Aviação e Guarda Nacional submetidos a Conselho de Investigação agora mesmo, e aí decidiremos si mandá-los a julgamento, prendê-los por uns dias, admoestá-los verbalmente ou demiti-los da Instituição. 2) ADMOESTAÇÃO VERBAL 79. O que estou a fazer com alguns é sentá-los aqui e falar com eles duas e três horas, e digo-lhes: “Cometeste um erro.” Também digo: “Bem, vais continuar no teu cargo, mas tens de tomar consciência de que cometeste um erro e que se se repetir uma situação parecida espero que não voltes a cometê-lo.” É uma sanção moral. Está prevista nas nossas leis e regulamentos militares, é o que se chama uma admoestação verbal. Vi aqui um general chorando dizer: “Hugo, enganaram-me, pequei de ingenuidade”. E sei que falou a sério; disse-me: “Vê como sofreram os meus filhos, porque saí na imprensa e eles gostam muito de ti.” Até me dei à tarefa de reivindicar alguns publicamente, para um pouco compensar o dano moral de um homem que tem vinte e tal anos de serviço, um senhor já com netos e que se sente um soldado e mortificado porque o enganaram e lhe disseram que Chávez tinha renunciado e que Chávez matou uma data de gente. Então disse: “Como acreditei nisso, meu Deus, porque não acordei e pensei que era um engano? Não acreditei no meu superior que mo disse, e acreditei no outro que me telefonou, e acreditei na televisão e nesta campanha toda, como acreditaram muitos no mundo.” 80. Penso que seria uma grande injustiça que estes oficiais manipulados e enganados ficassem na prisão, porque aliás grande parte deles, tudo o que fizeram foi que os chamaram, e eles apresentaram-se nos seus comandos e aí apareceu um jornalista ou uma jornalista com uma câmara, e então um deles, o golpista, começou a ler e ele ali parado. 3) EVITAR A CAÇA ÀS BRUXAS 81. Após o golpe efectuámos transferências de militares, e o justo é as decisões terem relação directa com o nível de gravidade do implicado. E aqui temos estado a actuar com muito cuidado, seria terrível que se desencadeasse uma caça às bruxas nas Forças Armadas. A mim disse-me um oficial: “Veja esta foto, estivemos a analisá-la, o coronel Moreno no dia em que você chegou não tem a bóina vermelha, o que tem é um gorro verde, porque tirou a bóina vermelha e pôs o gorro verde? Poderá indicar que já não queria parecer-se com o bóina vermelha.” Esclareço que este coronel Moreno é chefe da Casa Militar e esteve comigo até ao último minuto no dia do golpe. Eu respondi: “Cuidado com o que estás a pensar, se nos vamos pôr aqui a duvidar todos de todos, vamos acabar todos malucos. Esse coronel arriscou a vida nesse dia, tu não sabes porque não estavas; e sabes porque é que o coronel tem esse gorro; ele e o coronel Morao, e os soldados que comandavam andavam com gorro verde, todos, porque eles, dentro do plano táctico para retomar o Palácio, decidiram tirar a bóina vermelha, porque com ela eram alvos facilmente detectáveis, e com o gorro verde quem os via não sabia com quem estavam. Tiraram o sinal que os identificava como gente do regimento de Chávez e da Guarda Presidencial de Chávez.” O rapaz de boa fé estava a duvidar do coronel Moreno, mas imagina que por uma foto mal interpretada ou por um boato ou por um comentário, se começa a questionar sem razão alguns militares! 82. Outro disse-me: “Olha que o coronel tal foi para casa, ninguém o viu aqui no dia em que planificámos a retomada do Palácio”. Afinal esse coronel estava noutro sítio a fazer outras coordenações. Quer dizer, não podemos guiar-nos pelo impulso, por observações preliminares, e desencadear – num meio de resto tão complicado e tão sensível como as Forças Armadas – uma caça às bruxas. 8. PORQUE NOMEIA O GENERAL RINCÓN MINISTRO DA DEFESA – Podes explicar-me porque é que nomeaste ministro da Defesa o general que anunciou ao país que tinhas renunciado, o general Rincón? Isso é que ninguém percebe. 83. – Ninguém percebe? – Ninguém. Como é possível que alguém que disse que tu renunciaste não tendo renunciado possa contar com a tua confiança? 84. – Há muitas versões, mas eu sei a verdade, talvez só eu a saiba exactamente. Sei o que o levou a dizer isso. Ele não é culpado mas vítima de uma situação em que eu estou implicado e se calhar por isso eu é que o compreendo, talvez mais ninguém o compreenda. Sentir-me-ia muito mal se tivesse demitido Rincón. 1) PENSA EM RENUNCIAR COM 4 CONDIÇÕES – Porquê? Tiveste uma atitude ambígua nalgum momento? 85. – Não direi ambígua, mas houve um momento em que de facto começámos a discutir a possibilidade da renúncia. Foi quando me dei conta de que havíamos perdido quase toda a força militar que tínhamos à mão para poder resistir ou mover-nos para outro sítio. Então chamei José Vicente; William Lara, o presidente da Assembleia, que estava no Palácio, e pedi-lhes que viessem ao Despacho, e a outra gente ali, outros ministros, e fomos ver a Constituição e começámos a pensar na possibilidade da renúncia. Eu disse ao grupo: “Sou capaz de renunciar, mas se se cumprirem quatro condições. A primeira era que se respeitasse a segurança física de todos os homens e mulheres, do povo, e do governo; segurança física e respeito dos direitos humanos; a segunda: que se respeitasse a Constituição, isto é, se eu renunciasse tinha de ser perante a Assembleia Nacional e o vice-presidente devia assumir a Presidência da República até se convocarem novas eleições; a terceira condição era falar em directo ao país e a quarta: que me acompanhassem todos os funcionários do meu governo e os rapazes que me guardaram durante anos. Também não iriam aceitar isto porque era um grupo de choque que eu ia ter na mão. 86. Então os emissários – o general Hurtado Sucre, ministro da Infra-estrutura, e o general Rosendo – vão ao Fuerte Tiuna, falam com os golpistas e regressam dizendo que sim, que lá tinham aceitado as condições. 2) ChÁVEZ COMUNICA A RINCÓN A SUA DECISÃO DE RENUNCIAR 87. – Eu tinha autorizado o general Rincón, que estivera comigo toda a tarde e a noite, a ir ao Fuerte Tiuna saber o que aquela gente queria realmente, nesse momento ele estava lá. No meio destas circunstâncias ele liga-me e diz: “Presidente, aqui estão a exigir a sua renúncia e a pressionar-me para eu renunciar também, mas eu disse que assumo a decisão que o Presidente tomar.” Então digo-lhe: “Lucas, aqui chegaram Rosendo e Hurtado e disseram que aí aceitaram as condições que estou a exigir para essa possível renúncia. Diz-lhes que sim, que vou renunciar.” Dei-lhe luz verde. Ele vai dizer o que eu disse. O que ele disse foi: “O presidente aceitou a renúncia e eu também, com o alto comando ponho o meu cargo às ordens.” Assim é que tenho a certeza absoluta de que ele disse o que eu lhe tinha transmitido por telefone. 3) RINCÓN DESCONHECE A MUDANÇA DA SITUAÇÃO 88. – O que se passou daí a 10, 20 minutos? Que ele faz esta declaração e sai dali, mas passados poucos minutos chega-nos a informação de que não, que já não aceitam nenhuma condição. Eu tinha quase a certeza de que não iam aceitá-las, era uma forma de ganhar tempo. Agora exigiam que eu fosse para lá preso e se não o fizesse ameaçavam vir atacar o Palácio. Em poucos minutos a situação tinha mudado. 89. E o desenlace foi que aceitei ser preso. 90. Lucas saiu, foi levar a família a qualquer sítio e no sábado regressou a Fuerte Tiuna e juntou-se a García Carneiro e ao grupo de generais que ali estiveram retomando o fio das coisas. De que se pode acusá-lo, então? 4) INFORMOU-SE SOBRE ISSO – Informou-se sobre isso? Porque esta informação, que eu saiba, não chegou ao exterior. 91. – Já o expliquei, creio que também à comissão especial política da Assembleia Nacional que investiga os factos ocorridos durante o golpe de Abril quando foi entrevistar-me ao Palácio. Já o dissera antes, quando o nomeei ministro da Defesa para o avalizar e fortalecer. Por outro lado, é um homem que tem estado comigo desde o início do governo. Foi chefe da Casa Militar, foi ministro da minha secretaria, foi comandante do Exército e a seguir inspector das Forças Armadas. E nomeio-o ministro da Defesa porque, perante a nova situação que se dá ao nosso retorno, que exige um diálogo político, o homem de mais experiência que tenho no gabinete é José Vicente Rangel e por isso passei-o de ministro da Defesa a vice-presidente. Mas há quem parece que não compreenda isto. 9. ENSINAMENTOS DO GOLPE MILITAR – Poderás sintetizar-me os ensinamentos que retiraste do recente golpe militar? Em conversa explicaste-me que no Fuerte Tiuna os comandos golpistas estavam instalados num edifício e noutro mais afastado estavam os regimentos e aí estava o general García Carneiro, um homem que te é fiel, juntamente com as suas tropas. Disseste-me que ele foi chamado ao outro edifício mas não quis apresentar-se para não abandonar as tropas, até que por fim, como lhe disseram que iam falar contigo a Miraflores, conseguiram convencê-lo, com o que essas tropas ficaram sem comando e disso se aproveitaram alguns chefes militares golpistas para as controlar por meio do uso da hierarquia e do engano. 92- Como dizia, tentei respeitar sempre a chamada linha de comando. As instruções do comandante em chefe eram dadas sempre através dos altos chefes militares. Agora, dada a situação que ocorreu como te contava de García Carneiro e a dificuldade que tive para poder falar com ele e outros generais das guarnições militares que se mantiveram fiéis, com o general Baduel por exemplo; com ele apenas pude falar numa ocasião, perdi logo o contacto, não pude estabelecer contactos: tinham-nos sabotado as linhas de telefone do Palácio. 93. Ora bem, trata-se de tomar isto como uma lição para estabelecer mecanismos muito mais flexíveis, mais seguros, de comunicação e de contacto directo, desde o comandante em chefe até aos comandantes de unidades operativas, os que têm nas mãos as armas, os que comandam os homens das forças armadas. 94. Não se trata de desconhecer os altos comandos, mas num conflito interno ou externo um alto comando militar pode desaparecer por muitas razões, ser capturado ou até eliminado fisicamente, pelo que o chefe máximo deve ter a capacidade, os canais de comunicação para não nunca perder uma coisa fundamental, o comando militar directo sobre as unidades do exército, o que foi vulnerado no dia 11 de Abril. Disso se valeram os golpistas para manipular comandantes de unidades; para neutralizar outras unidades; para enganar chefes militares que só tinham a informação que lhes davam estes sectores de altos comandos, que os orientavam, desinformavam, confundiam, enganavam e manipulavam. 95. Assim, esta é uma lição: o contacto muito mais directo com a oficialidade média, e os chefes e os oficiais e também as tropas. – Julgas contar com um apoio absolutamente maioritário nestes sectores? 96. – Sim, absolutamente maioritário. E poderia demonstrar-to. – E os altos comandos como vêem isso? 97. – Não devem ver mal, embora possa haver alguma inveja, apesar da prédica, da discussão, do tentar eliminar qualquer tipo de inveja. Não se trata de desconfiança, mas de se preparar para todas as eventualidades. 10. RADICALIZAÇÃO DO PROCESSO E FORÇAS ARMADAS – Não pensas que na medida em que o processo revolucionário se radicalizar será cada vez mais difícil contar com o apoio maioritário de um corpo cuja formação está muito influenciada pelos valores das classes dominantes, e que portanto é muito permeável às campanhas que fazem os sectores reaccionários contra o teu governo, como o demonstraram os últimos acontecimentos? 98. – Sim, creio que é normal; creio que em qualquer exemplo que possamos dar de qualquer lugar do mundo isso acontece. Se aplicarmos as leis da física até a nadadores que vão cruzando o Orinoco, haverá quem diga: já não posso mais, por razões físicas; o mesmo sucede num grupo de escaladores de montanhas, haverá alguns que por fraqueza, por um acidente, vão ficando para trás. Se isto sucede a nível físico, passa-se ainda mais num processo tão complexo onde influi não só o físico que não é nem sequer o mais importante, mas também o cultural, o ideológico, muitas vezes o material, o económico. Há pessoas que te acompanham numa fase – e temo-lo vivido ao longo deste processo, que para mim tem já quase 25 anos, desde que comecei de maneira firme e séria a organizar pequenos grupos, – mas que vão ficando pelo caminho por diversas razões. Nisto sempre tentei ser agradecido; e até agradecer ao que fica porque ele ajudou numa etapa. Que não seja capaz de ir avante, não é razão para o condenar. Não, simplesmente por diversas razões quebrou, ou ficou por ali, ou se afastou. 99. Muitos oficiais que ajudaram bastante na etapa pré-insurreccional não chegaram à insurreição, mas não se deve deixar de reconhecer o seu trabalho. É claro que não estou a falar dos traidores, mas de gente que ficou para trás por razões diversas. 100. Na prisão, por exemplo, há gente que rachou, ou melhor, que não quis ir avante. Quantos oficiais? Muitos oficiais, companheiros de armas; saíram da prisão e disseram-me: “Olhe meu comandante, ou olha Hugo, eu vou para casa, tenho mulher, tenho filhos, tenho de trabalhar para os sustentar.” Nunca tive a reacção de condená-los, antes pelo contrário. 101. Olha, Marta, uma vez comigo andavam quatro rapazes, numa época em que comprávamos cambures[17] para nos alimentarmos, comíamos pão e cambure e uma Pepsi-cola ou um café. Não tínhamos nem um centavo, e tudo o que tínhamos era para a família que estava longe: os filhos pequenos, a mulher; uma madrugada, quando eu dormia num chinchorro[18] e eles num colchão onde não cabiam todos, no corredor de uma casa onde um senhor muito valente nos permitia ficar; porque quase ninguém se atrevia a deixar que Chávez dormisse na sua casa, senti que um deles estava a chorar. Aproximo-me, pensei que ele estaria a sonhar, e quando lhe pergunto o que tinha, responde-me: “É que a minha mulher telefonou hoje, está a comer biscoito com sardinhas. Então disse a este rapaz: “Bem, tu reconheces que eu sou o chefe.” “Sim.” “Vou dar-te uma ordem: amanhã não te quero ver aqui; vai para junto da tua mulher, arranja trabalho onde alguém te possa pagar, eu não te posso pagar nada.” Ele não queria ir, mas ordenei-lhe que se fosse embora. 102. Já eu era presidente, voltou um dia e trabalhou um bocado connosco aqui, está a trabalhar noutras coisas, digamos que seguiu o seu caminho. A maioria foi procurar que fazer, onde trabalhar, claro, eram rapazes jovens, com mulher, com filhos. Então alguns muito radicais diziam: “Não, esses são traidores, são fracos.” Eu penso que são humanos, nem todos são como nós, que deixámos mulher e filho; não nos importa dormir onde calha; temos uma ilusão muito grande, talvez tenhamos uma força superior que nos arrasta mais do que a eles. 103. Então o que quero dizer-te é que estou de acordo com o que dizes. Considero normal que à medida que o processo vai exigindo mais, requer gente com maior consciência, capacidade e força; e há pessoas que têm os seus limites: e só vão até aí. E repara, aí temos surpresas pelo lado negativo, mas também pelo lado positivo: há pessoas que às vezes temos a impressão de que não vão chegar além de uma linha determinada e passam essa linha e outra, e continuam em frente e deixam muitos para trás. 104. Creio que no nosso caso esta constatação de gente que avança e avança, é maior em quantidade e significado que a outra parte. Temos um povo que avançou depois do 4 de Fevereiro muito mais do que se poderia pensar. Quando recordo como me sentia em 1992 quando declarei a rendição. Que vergonha! Se tivéssemos lutado até à morte, pensava eu sozinho na cela. É claro, estava isolado da realidade e não conhecia a explosão afectiva, emocional e emotiva que o gesto daquele grupo de militares havia gerado nesta população. Isto nunca o tínhamos calculado. E o que vimos nas Malvinas anteontem[19], é uma paixão, uma paixão que despertou desde então na maioria dessas pessoas. Por isso te digo, há gente que demonstra que pode avançar muito mais do que alguma vez pensaria. Os que vão ficando fazem-no a conta-gotas, por pequenos grupos. – Terias que estar também atento a isso, ou seja, tal como foste sensível com aquele rapaz e o mandaste para casa, detectar que uma determinada pessoa já chegou aos seus limites e tomar uma decisão sobre ela antes de quebrar, não? 105. – Às vezes não é fácil, teria de estar atento para desenvolver ainda mais a percepção, o instinto. Eu gozo de um bom instinto; e me arrependo-me às vezes de não ter feito caso deste instinto. Costumo ligar muito ao instinto estratégico, mas às vezes ao pequeno instinto sobre uma individualidade não o levo em conta. Aconteceu-me antes do 11 de Abril; tentarei que não volte a acontecer. 11. ATITUDE PERANTE SECTORES MILITARES RADICALIZADOS – Por outro lado, soube que uma importante camada de oficiais jovens que esteve à frente das tarefas sociais da revolução se radicalizou e exige a adopção de medidas mais drásticas contra a corrupção, pede que se acelere o ritmo das transformações, não percebe a tua atitude conciliadora com os generais que estiveram envolvidos no golpe, estou bem informada? Como avalias esta atitude? Como encaminhá-la? O que se pode esperar deles? 106. – Creio que cresceu esse sector ou esse fenómeno de radicalização de sectores militares a favor do processo revolucionário e cresceu não só em número, mas em intensidade. Perguntas-me como tratar com eles. O que tento é exercer o comando: reuni-me com alguns dos que pressionam, que se preocupam porque não há presos, não só militares, mas civis, e os meios de comunicação continuam a fazer o que fazem: desrespeitando, inventando, tergiversando. 107. Tento fazê-los compreender que estamos a fazer, até onde pudermos, o esforço por conservar a opção estratégica que escolhemos e que este povo apoiou por uma grande maioria. 108. Para mim é claro que um processo de degeneração desta situação poderia acarretar como consequência o crescimento ou o maior peso desses actores. E é uma das coisas com que alguns sectores de oposição não concordam. – No sentido de que podem tirar Chávez, mas o processo vai continuar? 109. – Claro, Chávez pode ir-se embora; mas Chávez não é só o Chávez; eles às vezes tendem a simplificar o problema. Esta situação que vivemos despertou correntes e sentimentos bastante radicais; estou certo de que no errado preconceito negado de que eu me dobro perante a reacção, estes sectores passarão por cima de mim e surgirão novos líderes. E isso deixa-me descansado, Marta, acima de todas estas preocupações estruturais, políticas, de falhas, tenho a certeza de que este processo já não pode recuar; esta intenção, em movimento; que já não é intenção: este movimento de mudança, de reestruturação, de revolução, não vai parar; agora tomar outro curso, isso sim, é que poderá suceder. 110. Já o disse publicamente, não é um comentário aqui só para ti e para a tua publicação: não, eu já o disse e às vezes tem-se tergiversado como se fosse uma ameaça que estou a lançar, não, digo-o como conclusão e agora depois do que aconteceu digo-o com maior certeza. 111. Aqui posso fazer uma citação do pensamento de John Kennedy onde este dizia que se não se fizessem as revoluções pacíficas aqui, nestes países, viriam revoluções violentas, e foi quando nasceu a Aliança para o Progresso. Li-o no teu livro e também dentro do seu contexto[20], que eu já imaginava, mas desconhecia. A tua metodologia de ponto a ponto é bem interessante porque é um raciocínio muitíssimo adequado para interpretar bem essa primeira etapa que ali abordas. 112. Agora, estou convicto de que se fracassarmos neste esforço de fazer mudanças profundas no campo político, económico e social, por esta via, virão outras vias, Marta, virão outras vias. Talvez violentas, talvez militares e talvez cívico-militares; mas isto já ganhou uma força própria. Dou o exemplo do rio: um rio, podes represá-lo, mas não podes detê-lo; se não lhe deres uma folga vai derrubar o dique, ou arranja um leito por outro lado e muda de curso, mas vai sempre para o mar. _____________ NOTAS
[1] - Forma como os indígenas denominam os seus chefes.
[2] - Roulottes.
[3] - Militante do Partido Acción Democrática.
[4] - Refere-se à escola e ao centro médico de Puerto Cruz.
[5] - Mao Tse Tung.
[6] - Op. cit. pp. 67-68.
[7] - Heinz Dietrich, Hugo Chávez: Un nuevo proyecto latinoamericano , Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2002, p. 31
[8] - Refere-se ao vídeo em que se anuncia a renúncia de Chávez e Carmona como novo presidente.
[9] - Enrique Medina Gómez
[10] - 12 de Junho de 2002.
[11] - Petróleos de Venezuela Sociedad Anónima.
[12] - Refere-se aos bambus do jardim de La Casona, residência presidencial em Caracas, lugar onde decorreu esta parte da entrevista.
[13] - Dirigente de La Causa R naquele momento.
[14] - Sábado 22 de Junho de 2001.
[15] - Este tema das falhas estruturais é abordado noutra parte da entrevista.
[16] - Para modificar a actual Constituição venezuelana primeiro tem de se aprovar os artigos ou a emenda na Assembleia Nacional, e a seguir submetê-los a referendum popular.
[17] - Bananas.
[18] - Cama de rede.
[19] - Refere-se à sua visita a um bairro popular a 20 de Junho de 2002.
[20]- Refere-se ao capítulo “As respostas dos Estados Unidos” parágrafos 31 a 36, e especificamente ao parágrafo 32, do livro: "Tornar possível o impossível. A esquerda no limiar do Século XXI" de Marta Harnecker, Campo das Letras, Porto, 2000.
Entrevista conduzida por Marta Harnecker Junho 2002 O texto completo desta entrevista será publicado como livro pela Editorial Ciencias Sociales, de Havana Tradução de José Colaço Barreiros http://resistir.info
https://www.alainet.org/es/node/106026
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