Entrevista ao Presidente Hugo Chávez
01/07/2002
- Opinión
A revolução bolivariana do presidente Chávez está a ser ameaçada por um novo
golpe de Estado. A oposição rejeitou o espírito conciliador e o espaço de
diálogo aberto generosamente pelo governo, interpretando este gesto como uma
fraqueza. As urbanizações dos ricos começaram a armar-se. Na terça-feira dia 11
de Junho os sectores opositores concentraram em Caracas de 80 a 100 mil pessoas.
Uma semana depois começaram a soar novamente as caçarolas nos bairros dos
sectores acomodados. Prepara-se uma nova greve de trabalhadores apoiada pelo
sector empresarial. Acusam Chávez de corrupção e o procurador-geral da República
de parcialidade. Circulam boatos, criando um ambiente de desestabilização. Os
meios de comunicação desempenham novamente um papel protagonista na preparação do
ambiente golpista.
Entretanto Chávez não respondeu à provocação. Sabe que conta com o apoio popular
e que é capaz de mobilizar centenas de milhares de pessoas em todo o país. O seu
lema tem sido transformar esse mar de povo que se exprimiu nas ruas a 12, 13 e 14
de Abril em organização. Não perde ocasião para chamar a constituir círculos
bolivarianos dos mais diversos tipos. Sabe que um povo organizado e não
desarmado, porque conta com o apoio do grosso das Forças Armadas, é invencível.
Pensamos que no texto que oferecemos a seguir – que faz parte de uma longa
entrevista em preparação – podemos entender o porquê do optimismo do líder
venezuelano apesar da traição de um número considerável de altos comandos das
Forças Armadas.
M. H.
I. MILITARES A TRABALHAR JUNTO DO POVO
– Já tive muitas vezes de te defender contra os que te criticam por te teres
rodeado de militares. Compreendo a angústia que deve sentir quem governa e tem
de resolver rapidamente questões fundamentais e não conta com um aparelho de
estado à altura das circunstâncias nem de quadros políticos suficientemente
preparados. Penso que foi o que te levou a apoiar-te nos militares. Mas então
parece existir uma contradição no facto de os principais executores práticos das
tarefas mais importantes do processo revolucionário serem militares e o facto de
este ser pensado em si mesmo como um processo em que o povo soberano exerce o
poder participando em todos os campos. Entendo que os militares costumam ser
eficientes e disciplinados, mas pouco habituados a delegar poder no povo, não
preparados para o fazer participar.
– Tenho ouvido dizer, neste sentido, que o Plano Bolívar 2000 tem significado
muitas coisas boas para o povo: estradas, escolas, casas, ou seja, soluções
concretas, mas que se trata de soluções que lhe chegam de cima, em que o povo não
participa.
– Por outro lado, estou convencida de que a participação não se decreta, as
pessoas precisam de aprender a participar. Trata-se de um processo de
transformação cultural lento. Nós temos um vídeo que fala do trabalho lento,
trabalho de formiga, que se tem de fazer para se conseguir esta transformação,
mas tem de se começar a fazê-lo e tem de haver quadros que facilitem essa tarefa.
O que podes dizer sobre este assunto?
1. – Vamos supor que era plenamente correcta essa crítica que já me fizeram até
em reuniões de partidos, no sentido de que os militares só sabem mandar, que são
executivos mas não propensos à participação, o que não é verdade. Eu sou o
primeiro militar desse grupo, sinto que desde muito novo a minha orientação foi a
participação e tive experiências maravilhosas quando fui chefe de algumas
unidades afastadas, sobretudo em pequenas povoações, iniciámos com os militares
umas acções participativas muito pedagógicas que inclusivamente entravam em
conflito com os poderes políticos locais: como é que este militar está a meter-se
em coisas do povo, arranjando ruas com o povo e os soldados praticando desporto
com as pessoas. E esta não é apenas uma tendência minha, se assim fosse eu teria
entrado em choque com uma estrutura militar fechada, autoritária e não
participativa, e não teria durado muito tempo no exército.
1) PORQUÊ TANTOS MILITARES NO GOVERNO
2. – Tens razão quando dizes que compreendes que haja tantos militares no meu
governo. Imagina o 2 de Fevereiro de 1999, com quase todos os governos estaduais
e municípios não opositores mas antes adversários (99,99%), o congresso contra, o
tribunal supremo contra, um orçamento que recebemos não só reconduzido, isto é, a
repetição do ano anterior, mas que pela inflação tivemos de reduzir nuns vinte
por cento (20%), um governo quase sem recursos nem para pagar os salários, com o
preço do petróleo a 7 dólares, o nível de expectativa que gerou o nosso triunfo:
em volta do palácio havia multidões de milhares de pessoas que eu via pela
janela, às vezes saía e eram milhares de pessoas pedindo emprego, com os rapazes
doentes que ali dormiam, atiravam-se ao chão, não deixavam sair o carro.
“Enquanto Chávez não nos atender não saímos daqui.” E a isto temos de acrescentar
uma estrutura partidista comprometida na luta política: vinha a constituinte,
vinha tudo isso, então decidi empregar as Forças Armadas. Creio que sem a
participação dos militares na área social o Plano Bolívar 2000 – iniciado em 1999
e que continuou em 2000 – talvez o processo não tivesse avançado no campo
político com a rapidez com que avançou.
2. O PLANO BOLÍVAR 2000: RAJADAS DE VIDA, EM LUGAR DE RAJADAS DE MORTE
3. Surge assim o Plano Bolívar 2000, um plano cívico-militar.
4. A ordem que dei até foi: “Se forem casa por casa apalpar o terreno, o
inimigo, qual é?, a fome.” E começámos a fazer o 27 de Fevereiro de 1999, dez
anos depois do Caracazo , como forma de reivindicar os militares e inclusivamente
utilizei o contraste e disse: “Há 10 anos fomos massacrar este povo, agora vamos
enchê-lo de amor, vão limpar o terreno, procurar a miséria, o inimigo é a morte.
Vamos enchê-los de rajadas de vida, em lugar de rajadas de morte. E na verdade a
resposta foi bem bonita.
5. Enquanto os políticos estávamos metidos no combate político, 40 mil militares
estavam de campanha operando gente nos povoados pobres, extraindo hérnias,
operando pernas, olhos; as maquinarias da engenharia militar abrindo caminhos;
aviões militares voando para os sítios mais pobres levando passageiros e
cobrando-lhes só o preço de custo.
1) CADA UM UM PLANO
6. Eu disse a cada um: “Apresente-me o seu plano com base nos seus recursos e a
sua capacidade.” E cada componente das Forças Armadas foi concebendo o seu plano:
a Força Aérea e o seu plano das rotas sociais: helicópteros, aviões militares
voando com passageiros, gente que levava a sua galinha, o seu caixote; o pobre,
pois, por onde não havia aviões nem caminhos; os marinheiros e o plano Pescar
2000: aqui estiveram os marinheiros juntos com os pescadores organizando
cooperativas, reparando casas, frigoríficos, dando-lhes cursos, etc. À Guarda
Nacional demos sobretudo a tarefa da segurança urbana, do controlo da
delinquência, mas também programas por todo o país: nas zonas indígenas. Oxalá
pudesse ir por aí, há coisas que parecem milagrosas. Isto sem negar as
improvisações e até a corrupção em que caíram alguns militares, especialmente da
parte alta e a gente contrária que sabotava. Mas os rapazes adquiriram uma
consciência social impressionante.
2) PLANO CASIQUIARE 2000
7. A Guarda começou a inventar o Plano Casiquiare 2000. Casiquiare é um rio na
selva, que está povoado por milhares de indígenas. Fizeram até um barco para o
ir percorrendo de aldeia em aldeia, levando médicos, medicamentos, tratando as
crianças, vacinando a população, fazendo casas com os indígenas, mas como os
indígenas queriam e não como pensávamos nós.
3) BARRANCO YOPAL E CARAVALI
8. – Então foram-se despertando coisas como essas de Barranco Yopal e Caravali,
com os indígenas Cuivas e Yaruros. Há anos eu ia a Barranco Yopal e levava latas
e madeira aos indígenas, porque eles faziam ranchos com esses materiais para
passar ali um inverno, mas no verão iam-se embora. Eram nómadas: caçadores e
recolectores, como há 500 anos. Vi mulheres indígenas parindo ali, agachadas no
monte e a placenta tiravam-na e limpavam a criança e continuavam o seu caminho.
A maioria das crianças morria de paludismo, tuberculose, de qualquer tipo de
doença. Eram maltratados, passavam bêbedos na povoação. As índias prostituíam-
se, muitas vezes violavam-nas. Eram uns fantasmas, desprezados pela maioria da
população. roubavam às vezes para comer. Não tinham a concepção da propriedade
privada, para eles não era roubo meter-se num sítio e apanhar um porco para comer
porque tinham fome. Mas o que lá vi eu agora? Os militares com um técnico
agrícola e a sua capacidade de mobilização: veículos, equipamentos, organização,
executivismo, rapidez, mas com os indígenas, com os capitães indígenas[1]
à frente; com um boné e um pano que dizia Plano Bolívar. Os militares levavam os
materiais, ajudaram-nos com algum pessoal de engenharia e soldados acima de tudo,
e os indígenas projectaram as casas e trabalharam construindo a sua escolinha e
as suas casas.
– Quem se lembrou de que a população devia participar e não só receber?...
9. – Os militares com assessores civis: um técnico agrícola, um engenheiro. O
Plano Bolívar não foi só militar, em cada guarnição militar contrataram técnicos
civis que conhecem as coisas técnicas.
10. Bem, aqueles indígenas estavam felizes, de caras diferentes. Levaram-me a
ver as suas sementeiras. Em apenas 4 hectares estavam a produzir cana de açúcar,
melancia, bananas, milho, papaia. Comiam bem e agora pediam uma furgoneta para
levar a sua produção à aldeia para a venderem. Já lhes tinham dado umas pequenas
embarcações a motor e um curso para manejar motores, porque eles antes pescavam
com uma pua, com um anzol nas margens de rios pequenos; fui pescar com eles duas
vezes, pescavam com a mão ou matavam-nos com uma pedra grande. Aquela comunidade
ressuscitou...
11. Quando uma vez tomei a palavra nessa região utilizei uma frase de
Zaratustra. Então disse: “Há quinze anos passei por aqui e vi-vos com as vossas
cinzas e agora volto e vejo-vos com o vosso fogo.”
4) O PLANO “VESPA”
12. – Também tens o Plano “Vespa” (Plan Avispa), que é um despertar de
participação. Este plano inventou-o o general García Carneiro. Um dia veio-me
com essa do Plano “Vespa”. “O que é isso, vão vacinar as pessoas?” “Não, homem,
trata-se de autoconstrução de habitações em terrenos isolados.” “Explica-me lá.”
Deu-me umas fotografias. “Olha como viviam – mostrou-me a foto da família ali
parada diante de uma barraca de madeira ou de lata, – e dois meses depois, a
mesma família agora mais alegre, com uma casita.” Quem fez essa casa? A
comunidade. Enquanto uma empresa privada faz uma dessas casas com 10 milhões de
bolívares, o Plano “Vespa” fá-la com 3 milhões. Porquê? Porque é a comunidade
que constrói as casas. Isto, por sua vez, permite reactivar o emprego. Os
militares conseguiram umas maquinetas de fazer blocos e dão cursos com alguns
técnicos civis, mestres de obras. Fazem também portas de madeira. Com o INCE
(Instituto Nacional de Cooperação Educativa) – pus lá um general reformado mas
que é um tipo muito exigente e eficientíssimo, conheço-o porque foi meu professor
– conseguiram fazer 40 oficinas ambulantes[2] de educação técnica, que
estavam sem pneus, desmantelados, demos-lhes dinheiro e começaram a repará-los.
Conseguimos créditos com Espanha para equipamentos novos e isso. Agora temos
esses carros todos a rodar pelo país. Chegam lá para dar cursos, para ensinar as
pessoas a fazer portas. Então fazem as portas, fazem os blocos, as telhas e
fazem a casa entre todos e a corrupção desce, não digamos a zero, mas diminui
muitíssimo.
13. Donde nasceu isto? Do seio do Plano Bolívar e seguramente não dos militares
sozinhos, mas sim do militar em contacto com a realidade, do militar que vê que
não bastam os recursos para fazer casas e se pergunta o que fazer. E a gente
começa a falar, a calcular, e deste intercâmbio, surge o Plano “Vespa”.
5) ESTRADA A CUSTO MAIS BAIXO
14. Por lá os militares fizeram estradas, numa auto-estrada que estava há 20
anos paralisada e o orçamento que havia para a terminar com asfalto e tudo era de
uns 5 mil milhões de bolívares, e eles com a maquinaria militar e os engenheiros
militares conseguiram terminá-la só com 1 500 milhões. Ou seja, os custos de
muitas obras desceram, de habitações, de estradas, pontes, caminhos por onde
nunca passava ninguém. Fez-se uma operação gigantesca.
6) VOLUNTARIADO MÉDICO
15. E a saúde, nem falar! Gerou-se um voluntariado médico formidável e começaram
a fazer-se operações com hospitais cirúrgicos de guerra, bem, a guerra social.
Eram grandes multidões. Uma vez numa terra chamada Zaraza, os militares e civis
do Plano Bolívar, em operações à vista, às pernas, etc., operaram mais pessoas
nessa semana do que o hospital da terra tinha operado em 10 anos. Uma coisa
impressionante! Lembro-me de uma vez um desses rapazes ter dito: “Tem de se ver
como é belo devolver a vista a um velho, vê-lo chorar de alegria e ouvi-lo dizer:
'Pensar que julguei que ia morrer sem voltar a ver o céu azul'. Isso é que nos
faz sentir felizes, sentimos que somos úteis.” Este contacto com o povo
desencadeou um caudal de sentimentos e de vontade de participar.
7) GOVERNADOR DO ESTADO DE COJEDES
16. – O governador do Estado de Cojedes, a sul de Caracas, um grande estado de
planície, quase no centro do país, é um tenente-coronel da Guarda Nacional, que
não esteve em nenhum levantamento nem nada. Era o chefe militar do Plano Bolívar
2000 nesse Estado e em pleno processo constituinte, quando se iniciam as eleições
para governador, chega um dia e diz-me: “Presidente, apetece-me pedir a
demissão.” “Para quê, rapaz, se ainda só és tenente-coronel?” “Bem, é que me
estão a pedir os partidos da revolução que seja o candidato a governador para
derrubar o adeco[3] .” “Tens a certeza?”. Com efeito, daí a poucos dias
chega-me uma carta assinada pelo MVR e outros dirigentes dos partidos de esquerda
desse Estado. Com a sua candidatura inclusivamente solucionámos ali um problema
que parecia não ter solução: as divisões internas. Este rapaz conseguiu
aglutiná-los a todos, ganhámos as eleições e agora está a governar. Revelou-se
um líder. Claro, passava com os guardas nas aldeias, nos campos, atendendo as
pessoas, e foi assim que começaram a vê-lo como um líder. Há muitos casos como
este. Só te contei alguns.
8) MILITARES FORMADOS EM TÉCNICAS DE DIRECÇÃO
17. – E repara, muitos dirigentes políticos sentiram-se diminuídos perante os
militares e até se geraram invejas, porque na altura da liderança se vêem
ultrapassados por uns rapazes que aprenderam a chefiar, porque nós os militares
venezuelanos entre outras coisas estudamos a técnica de liderança, isto é, a
técnica de conduzir grupos humanos. E muitos aplicam-na, não todos. Aprende-se
como levantar a auto-estima, a moral da gente; estudámos isso tudo. Lembro-me
até da matriz da liderança, porque também fui instrutor durante muitos anos.
- Liderança para dentro, para o Exército?...
18. – Não, não só. Eu pensava sempre para o Exército e para fora. Todos são
seres humanos, a diferença é que um tem uma farda e uma espingarda, e o outro
não. Os soldados são camponeses, rapazes dos bairros. Como levantar a auto-
estima a um grupo de soldados lá na fronteira às vezes comendo mal, às vezes sem
roupa, e longe da família? Como manter uma unidade com alta moral e auto-estima?
Como injectar-lhe nacionalismo, pátria, consciência dos motivos por que é um
soldado? Como falar a um por um de noite, de manhã? Como tratar dos seus
problemas? “O que aconteceu? Porque chegaste tarde da licença? “Bem, tenho a
minha mãe enferma.” “A noiva deixou-me.” “É que bebi uns copos e fiquei a
dormir.” “Bom, está bem, mas não voltes a fazer isso, porque não é bom.” Nem
todos os militares somos assim, mas especialmente essa rapaziada tem muito disso.
9) ERROS E DESVIO DE RECURSOS
19. – Há muitos bons exemplos, contudo também há exemplos maus. Mas a soma de
exemplos bons é maravilhosa e supera os erros e os defeitos de alguma gente e os
actos irregulares. Estes foram enviados à procuradoria e investigados. O
procurador geral da República disse-me há dias que o Plano Bolívar que começou
com erros é um dos planos que detectou ter melhorado muitíssimo.
– A que erros te referes?
20. – Por exemplo, o uso do dinheiro de uma parcela orçamental para atender a
outro problema. Estas parcelas estão rigidamente distribuídas: se se destinarem
20 milhões de bolívares para reparar habitações, não se podem desviar para outros
gastos.
21. Lembro-me de que uma vez, no meio da multidão apareceu uma mulher a chorar
com um menino que tinha uma perna defeituosa, parecia um monco. Um rapazinho de
7 ou 8 anos que não podia andar e ela a carregá-lo. Vi-a, impressionou-me muito,
parei, saí do carro, comigo não estava o governador, mas o general chefe da
guarnição e, ao mesmo tempo, chefe do Plano Bolívar. A mulher conta-me que o
menino nasceu assim e que nunca tinha podido operá-lo. “Vem cá, general, anota
aí a direcção, manda-o para o operarem.” Então tinha de se pagar essa operação;
outras vezes tratava-se de uma prótese que se devia pôr a alguém, sei lá. Tinha
de se pagar e então iam buscar o dinheiro a alguma das parcelas. Alguns por
inexperiência, outros aproveitaram-se.
22. Então como no princípio a Procuradoria estava nas mãos de adversários do meu
governo, começaram a aproveitar-se destas coisas para fazer toda uma campanha
contra.
23. Quando surgiu a denúncia: “Corrupção no Plano Bolívar”, pensei: destroçaram
o Plano. Imagina, a imprensa trata de destruir todos os nossos projectos, sai
uma lista com os nomes dos militares supostamente corruptos. Chamei alguns e
disse-lhes que tinham de justificar os gastos até ao último bolívar. Então
iniciou-se um processo de investigações, eles tiveram de começar a procurar o
senhor da perna, onde pagaram a perna de pau que se fez para essa pessoa.
Verificou-se factura por factura. E assim se começou a justificar quase todo.
Alguns casos estão pendentes, outros quando não puderam justificar-se foram
demitidos.
10) OPINIÃO DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA
– Evidentemente muita gente ficou com a primeira informação da imprensa e nunca
soube os resultados da investigação. É terrível como se lançam campanhas
infundadas e a seguir, quando se obtêm dados que demonstram a falsidade dessas
acusações, os meios de comunicação não rectificam e se chegam a fazê-lo fazem-no
de uma forma tão pouco destacada que ninguém dá por isso.
24. – Assim é. Mas voltando ao plano, a Procuradoria Geral da República
determinou que as metas do Plano Bolívar do anos de 1999 e 2000 se cumpriram em
280 por cento.
25. Este ano, por exemplo, não pudemos dar recursos ao Plano Bolívar, o que
estão a fazer é terminar coisas que ficaram pendentes do ano passado, como este
projecto que hoje vimos.[4]
11) FASE ACTUAL: O REGRESSO AOS QUARTÉIS
26. – Agora o plano passou a outra etapa, a que chamamos: entrar na estrutura.
Já não são centenas de militares nas ruas. Já tenho governadores, presidentes
dos municípios, planos em marcha, estrutura. Já não é o governo de há 3 anos.
Então eles limitaram-se a ser uma espécie de coordenadores de projectos especiais
em coordenação com os governos locais e regionais. Já não andam sozinhos a fazer
as coisas.
27. E há militares que regressaram aos quartéis para se dedicarem em pleno às
actividades de rotina, porque chegámos até a utilizar unidades de combate e
precisamos de ter unidades de combate a treinar-se para o combate: ter batalhões
de infantaria, os rapazes dos submarinos, os batalhões de pára-quedistas fazendo
a sua instrução. Então, boa parte dessa gente retornou à sua função de rotina.
12) ORGANIZAR UNIDADES DE RESERVISTAS
28. – Estamos também a organizar unidades de reservistas. Em que consiste? Em
convocar rapazes que já passaram pelas forças armadas, na maioria jovens
desempregados, sem educação especializada, sem formação, a constituir
cooperativas. No ano de 2001 organizámos 8 mil desses rapazes e eles passaram a
formar cooperativas. A mesma ideia: cooperativas, microcréditos, doação de
terras; até temos estado a transferir activos que são do Estado mas que estavam
por aí desactivados nas mãos do FOGADE (Fundo de Garantia de Depósitos
Bancários). Quando aqui houve aquela crise bancária fenomenal, foram-se embora
muitos banqueiros, mas deixaram aqui muitos activos e o Estado apropriou-se
deles: eram garantia dos depósitos. Muitos foram vendidos para se recuperar o
capital, mas ficaram por aí terras, fábricas abandonadas. Então temos vindo a
transferi-las para grupos de reservistas para que eles funcionem como unidades de
reservistas: que tenham treino militar – coisa que não se tem cumprido muito bem
por falta de recursos – e trabalhem formando cooperativas. Dão-se-lhes cursos
agrícolas e eles põem-se a trabalhar.
29. Faz parte do Plano Bolívar: organizar as reservas – que é o povo – e dotá-
los de instrumentos de trabalho. O Plano Pescar 2000 continua, já tem um capital
acumulado: uma cooperativa de pescadores em contacto com a Marinha. Esta apoia-
os, chega aos seus portos, ajuda-os a reparar motores. Ou os guardas nacionais
nas fronteiras com os indígenas que estão unidos.
3. A DERROTA DO GOLPE DE ABRIL ASSENTA NA ACÇÃO CÍVICO-MILITAR
30. – Marta, o que aconteceu a 12 e 13 de Abril tem a ver com este processo
cívico-militar, porque para além da atenção social, para além da pouca, nenhuma
ou muita participação social que tenha havido nesse intercâmbio no Plano Bolívar
e das suas falhas, cumpriu-se o objectivo: a aliança cívico-militar. No 12 de
Abril, entre outras coisas, viu-se aqui o que nunca se tinha visto no país:
centenas de milhares de venezuelanos desarmados, muitos deles sem direcção
política, sem orientação, sem um plano preconcebido – falha nossa – dirigiram-se
para os quartéis realizando grandes concentrações diante ou em volta deles.
Cantavam o hino nacional, falavam aos soldados e gritavam-lhes: “Soldado,
consciente, busca o teu presidente!” “Soldado, amigo, o povo está contigo!” Não
foram só ao Fuerte Tiuna, mas a muitos quartéis em várias partes do país. Porque
se dirigiu o povo a esses quartéis? Nunca tinha acontecido nada assim. E não era
por eu lá estar. De facto a massa que rodeava o Fuerte Tiuna no terceiro dia,
quando já se sabia que eu não estava lá, era impressionante: mais de 300 mil
pessoas.
31. Também aconteceu nalguns lugares como em Maracay, que um grupo de militares
da brigada de pára-quedistas viram que havia gente fora do quartel, mas disseram:
falta mais gente, falta povo que se una a nós, e foram aos bairros. Claro, eles
conhecem os dirigentes dos bairros e esses dirigentes conhecem-nos a eles, porque
cada unidade militar fez o seu plano e distribuiu sectores: ao batalhão tal
corresponde o bairro tal. E nisto já têm 3 anos neste contacto em que o militar
vai ao bairro, faz patrulhas, constrói a escola ou monta o posto médico, e assim
começa a dar-se a conhecer. O militar sabe que indo ao bairro tal não o vão
rejeitar como antes. Após a matança do 27 de Fevereiro, por exemplo, para ir a
um bairro pobre um militar tinha de se desfardar, pois corria perigo dado que o
povo sabia que eram militares os que o haviam massacrado. Hoje chega um militar
e toda a gente o cumprimenta com entusiasmo e alegria.
32. Toda esta reacção não teria ocorrido sem esse contacto profundo entre o
exército e o povo. Isto é Mao[5]. A água e o peixe. O povo é para o
exército como a água para o peixe. Na Venezuela hoje temos peixes na água e por
isso a campanha contra o Plano Bolívar, para tentar partir, fracturar essa
unidade. Uma boa parte dos militares está junto do povo. Claro, não todos,
porque há sectores militares opostos, que se fizeram eco do discurso dos
adversários. Qual é este discurso? Que Chávez vai acabar com as Forças Armadas,
porque afecta a operacionalidade do corpo militar, porque agora os militares
andam a limpar fossas, ou seja, um pouco denegrindo o plano: andam a limpar ruas,
o que na rádio, imprensa e televisão lá fora impressiona, e cá dentro também, e
alguns militares fizeram-se eco disso, e no entanto, a resposta de baixo é
positiva ao plano. Vemo-los felizes. Hoje vi aí esses militares, sobretudo o
responsável do Plano Bolívar em Puerto Cruz, o comandante da Marinha, Becerra,
feliz por ver terminada a sua escola, que ele fez com a sua gente.
II. A EXPLICAÇÃO DO GOLPE
– Em relação com o aspecto pacífico da revolução, quando te perguntaram se não
receias que se produza um novo Chile no teu país, pensando no golpe de Estado
contra Allende, respondeste que a diferença entre os dois processos é que o
primeiro foi uma revolução desarmada e que a revolução bolivariana tem armas e
homens dispostos a usá-las em caso de necessidade para a defender; e, por outro
lado, exprimiste antes do golpe de Abril de 2002 que qualquer tentativa de golpe
de Estado na Venezuela poderia gerar uma radicalização da revolução, pelo que a
oligarquia tinha de pensar muito bem se se decidisse a dar esse passo[6].
Afirmaste também que ter força militar não significava necessariamente “usar as
armas” sem contar com ela como “uma força de apoio e uma força
dissuasiva”[7]. De facto, pelo que contas, foram as forças armadas que
bloquearam uma tentativa de golpe militar que se preparava durante o processo
eleitoral de 1998 e foram elas que impediram a fraude eleitoral nos inícios do
processo. Por outro lado, não se pode negar que desempenharam um papel
importantíssimo durante o actual processo: em primeiro lugar, como garantes de
seis processos eleitorais em menos de dois anos, evitando fraudes e golpes
militares; em segundo lugar, como os principais executores do Plano Bolívar 2000
e dos planos de emergência para fazer frente às consequências dos desastres
naturais que sofreram vários povoações venezuelanas.
33. Compreendo que antes do golpe de 11 de Abril de 2002 achasses que a maioria
dos altos comandos te apoiava, apesar de nos últimos meses terem aparecido
publicamente alguns oficiais de alta patente pedindo a tua renúncia à presidência
da República, e a recente renúncia do general Guaicaipuro Lameda à presidência da
empresa estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA), manifestando contradições com
algumas políticas do seu governo. É assim?
No entanto, o golpe de 11 de Abril de 2002 só se pôde dar porque um sector não
descurável dos altos comandos apoiou a oposição, embora também seja certo que o
teu retorno ao governo se deveu, entre outras coisas, a que muitos desses
comandos reconsideraram e finalmente acabaste contando com um apoio maioritário
entre as fileiras militares.
1. PERCEPÇÃO ERRADA DO NÍVEL DE APOIO
A que se deve que tivesses uma percepção errada do nível de apoio com que
contavas nas Forças Armadas?
E aqui coloca-se todo um grande tema: tal como um governante consegue ter uma
informação objectiva do que acontece no seu país quando, por um lado, costuma
suceder que as pessoas que o rodeiam para o comprazer, para não o preocupar ou
por oportunismo evitam informá-lo dos problemas transmitindo-lhe uma informação
adocicada, e por outro, sucede também que a própria atitude do governante o leva
a não atender às informações críticas. Que mecanismo há para evitar o que
Eduardo Galeano uma vez conversando indicava como o problema do eco, o governante
e o seu eco?...
34. – Ou como diz Matus: “o líder e a sua gaiola de cristal.”
35. Olha, sobre a primeira pergunta, eu sem dúvida sobreavaliei a força de um
grupo de pessoas que julgava conhecer suficientemente, deve ter sido o
coração..., quando os sentimentos desempenham um papel importante às vezes é
fatal, trágico. Desde 1999 tenho vindo a respeitar as antiguidades; o quadro
militar, respeitando-o com pequenas variações, não houve nenhum cerceamento da
cúpula militar. E quanto à percepção da sua disposição a respeitar a
Constituição, o governo, o seu Comandante em Chefe enganei-me, mas só com alguns,
na verdade não foi um engano total, se tivesse sido total não estaríamos aqui tu
e eu sentados porque na verdade a resposta que houve no sábado e que permitiu o
retorno do governo, indica de maneira objectiva de que a grande maioria de
generais não estava comprometida. Foi uma minoria que conseguiu confundir o
resto. Eu desconfiava de alguns deles, não houve surpresa com os que motorizaram
o golpe; tínhamos informações delicadas, por exemplo, sobre o adido militar que
estava em Washington e alguns gestos de outros generais. Mas reconheço que me
enganei com alguns que estavam em posições-chave como o comandante do Exército, o
general Vázquez Velasco e que nunca cheguei a pensar que esse grupo de oficiais
fosse chegar a esses extremos, ou seja, a comprometer-se como o fez com o
movimento golpista. Aqui tem de se assumir como autocrítica: ter muito mais os
olhos abertos.
36. A questão da renúncia foi uma coisa que nos afectou muitíssimo. Muitos
militares foram surpreendidos por esse manejo da situação, mas logo reagiram.
37. De qualquer modo foi um ensinamento; de agora em diante vamos atender com
muito mais cuidado a alguns gestos, vamos procurar ter muito mais precisão na
avaliação individual de cada ser humano: os seus interesses, os conflitos
internos da instituição, muitas vezes injectados de fora.
2. COMO UM GOVERNANTE PODE TER UMA INFORMAÇÃO OBJECTIVA
38. – Agora, em relação à segunda pergunta sobre como um governante pode
conseguir uma informação exacta do que sucede no país. Não tenho dúvidas de que
um governante necessita de uma equipa que faça um acompanhamento permanente e que
o informe do que se passa sem desvirtuar a realidade, sem esconder informações.
Ora, é certo o que dizes, que por variadas razões se costuma não informar
claramente da situação o Chefe de Estado, e creio que isso é inevitável. O que
faço para o corrigir? Leio os jornais, é uma forma de me inteirar de coisas,
sobretudo as páginas interiores onde vêm denúncias, cartas do público, a página
dos leitores; gosto muito de vasculhar por ali e começo a chamar gente. “Olha, o
que se passou com isto?” “Que problema é este?”
39. Por outro lado, tenho no Palácio um grupo de pessoas, algumas militares,
outras civis, a que chamo os Inspectores. Mando-os fazer inspecções imprevistas
em sítios determinados e que me tragam informação do que virem com fotos e
relatos da população. Por aí fico ao corrente de muitas coisas, as que funcionam
e as que funcionam mal ou não funcionam mesmo. Insisto muito com eles para que
me digam as verdades. Com o chefe de Inteligência insisto muito para que me
informe dos factos, das tendências, no momento em que se derem. É claro que os
meus informantes têm de ter critério, porque também não se trata de o presidente
ser atafulhado de boatos, de todas as informações que correm pela rua, mas sim
das que o critério deles possa influir na tomada de decisões. É uma minha
prédica constante. E nisso creio que estamos a melhorar.
40. Por outro lado, Marta, tenho a tendência para me escapar da prisão da jaula
de cristal de que fala Matus, e tendo muito ao contacto directo com a gente.
Recebo uma enorme quantidade de papéis e cartas, claro que não tenho tempo de lê-
los a todos esses papéis e cartas que me mandam, mas uma parte importante leio e
os rapazes que trabalham comigo lêem, processam, passam-me resumos e por aí
chegam-me queixas de diversos âmbitos: sociais, económicos, populares, ou o
contacto com pequenos grupos como o que tivemos nas Malvinas, com uns 60
dirigentes dos bairros, que informam , criticam, participam, entregam
anteprojectos, ideias. Outras vezes, quando passo pela rua, faço perguntas.
41. Todos estos são mecanismos, uns institucionais, outros pessoais; uns
conjunturais, mas devem ser acima de tudo estruturais.
42. Tenho consciência de que isto não se pode limitar a acções pessoais,
espasmódicas, deve ser um processo contínuo, com uma metodologia para
diagnosticar, avaliar, inspeccionar... Tem de se organizar um serviço que seja
eficaz a detectar os problemas e a seguir as instruções. Creio que é essa a
melhor maneira de nos inteirarmos o mais possível dessa realidade que o circunda,
porque seria terrível que a uma pessoa o tenham enganado, que se acabe por ser um
autista, pensando que tudo vai bem e afinal o país está a afundar-se.
– E quanto à tua equipa assessora, procuras rodear-te de pessoas críticas?
Aceitas facilmente a crítica?
43. – Sim, evidentemente que sim e sou eu que a peço. Não me agrada gente
complacente. Se há decisões que se tomam e de que não compartilha um ministro ou
um funcionário, parece-me absolutamente correcto que se exponha, que se discuta,
que se delibere em busca da melhor opção.
3. A DIMENSÃO DA TRAIÇÃO
44. – Não achas que a primeira coisa a ter em conta é que os militares não são
um todo homogéneo. E creio que o que o golpe de 11 de Abril justamente revela é
que podes contar com o apoio da grande maioria da tropa e da suboficialidade, e
que os que te traíram foram fundamentalmente membros do alto comando: o sector
mais permeável à ideologia das casses dominantes, não é? 45. – Sim, mas também
não são todos os generais...
1) SÓ UNS 20 POR CENTO – Quantos generais estiveram com o golpe?
46. – Os realmente golpistas, que andavam a planificá-lo há muito tempo e que se
juntaram à operação de manipulação e de apoio ao golpe, não passam dos 20% e
talvez já esteja a exagerar. E se analisares quase todos um por um conseguirás
compreender as suas razões. Umas são políticas, outras económicas; uns por falta
de compreensão do processo político, uns influenciados por essa campanha
persistente de que o comunismo, que a guerrilha colombiana, que as milícias
populares bolivarianas, que o plano para debilitar as forças armadas, etc. Uns
confundidos, outros comprometidos com isto.
47. De quase cem generais, esse grupo não passa de 20, embora tenham aparecido
muitos no vídeo[8]. O que leu o comunicado estava na conspiração, mas a
maioria dos demais estava lá porque foram chamados, manipularam-nos, disseram-
lhes: “O presidente mandou matar gente, vejam as imagens, e agora quer que
saiamos à rua para matar mais gente. Ele mesmo disse que maldito é o soldado que
dirija as armas contra o seu povo – frase de Bolívar – e por isso não vamos
obedecer-lhe, vamos pronunciar-nos institucionalmente.” E muitos caíram neste
jogo, neste engano, nesta manipulação.
4. QUEM SÃO OS MILITARES GOLPISTAS
1) HOMENS DE PRIVILÉGIOS
– Como caracterizarias o grupo de golpistas?
48. Quase todos os do grupo conspirador são homens de privilégios, de contactos
políticos com o ambiente anterior, com AD e COPEI, ou oficiais que fizeram
fortunas, às vezes de duvidosa proveniência em combinação com cães da guerra.
Havia cães da guerra metidos no golpe. O senhor Pérez Recao, vendedor de armas e
equipamentos militares.
49. Enfim, continuo a pensar, mesmo com o que aconteceu, que a maioria
inclusivamente dos generais – gente da minha geração – não foram participantes
activos no golpe.
– Qual é a tua análise do que aconteceu dentro das forças armadas? Como foi
possível que militares de tua relativa confiança foram ganhos para essa tentativa
golpista?
50. – A Venezuela está a viver um conflito histórico – assim o catalogamos – um
conflito terminal, uma guerra que acaba e uma guerra que começa: é uma ruptura
com o passado. E isto não pode deixar de fora um sector que tem múltiplas
interacções: históricas, sociais, económicas, psicológicas, etc., com toda a
sociedade e os sectores que a formam. Então as Forças Armadas desde há tempos
têm vindo a sentir o impacto do abalo nacional: não é um sector isolado dos
acontecimentos nacionais.
51. E dentro desse contexto, um grupo de militares certamente formados naqueles
critérios de democracia foram captados, foram convencidos por grupos de civis, de
políticos, grupos empresariais golpistas. São pessoas que passaram décadas uma,
duas e mais de duas décadas imersas num processo e com influências do ambiente
externo que gerava interesses individuais ou grupais muito semelhantes aos
interesses destes sectores civis, políticos ou empresariais. Alguns destes
militares que se comprometeram, que foram os promotores do golpe, pertenceram
durante vários anos a grupos que se foram formando e amparando no poder
estabelecido, foram-se enchendo de privilégios ou assumindo posições de
privilégio, e quando chega a nossa revolução e se instala o nosso governo começam
a perder privilégios como, por exemplo, o manejo da instituição armada, o manejo
de contratos de compras militares. Não é de estranhar por isso que um dos
golpistas que foi agora para os Estados Unidos e está quase demonstrado que
estava por trás do senhor Carmona, é um senhor chamado Isaac Pérez Recao, que
durante muitos anos fez negócios vendendo armas, espingardas, granadas e veículos
blindados às Forças Armadas. Este senhor fez amizade, por exemplo, com um dos
generais que estavam em Washington. No dia do golpe esse general[9] veio
de Washington no avião de Pérez Recao e aqui se uniu aos golpistas, e até
introduziu armas de guerra – mas não das Forças Armadas venezuelanas – no Fuerte
Tiuna para assumir o controlo de alguns dos seus espaços.
52. Outros vinham a projectar-se como possíveis chefes militares, porque estavam
associados aos partidos que governaram o país durante muito tempo. Aspiravam a
ser generais de Divisão, chefes militares, chefes do Exército, chefes das Forças
Armadas, e não se realizaram os seus planos, e foi então que começaram a encher-
se de rancor: “Chávez promoveu outro e não me promoveu a mim”, “Chávez está a dar
os cargos aos seus amigos e não a nós que estávamos propostos”; enfim, a
meritocracia e essas histórias todas.
53. Basicamente foram estes – com algumas excepções – os militares que se
tornaram os motores da conspiração e também manipularam um grupo de oficiais.
5. TRABALHO FEITO PELOS GOLPISTAS DENTRO DO CORPO DE GENERAIS
54. – Esta noite[10] conversei com quatro generais da Força Aérea que
decidimos não levar a julgamento – falei um a um com muitos generais; quase todas
as semanas falo com algum grupo – e então explicou um deles que um general
golpista lhe disse que se apresentasse ao comando aqui na base da Carlota e ele
vem e apresenta-se. E ali dizem-lhe: “Já sabes o que está a acontecer, olha para
essas imagens, há uma manifestação pacífica e vê a gente do presidente, os
Círculos Bolivarianos armados a disparar, matando esta gente”, e passavam-lhe as
imagens que todo o mundo viu. “O Presidente enlouqueceu e está a pedir-nos que
vamos continuar a massacrar a gente, mas nós não vamos fazê-lo, estás de acordo?”
– “Bem, sim, estou de acordo, não quero matar gente, é horrível isso que está a
acontecer!” E também lhe disseram: “Olha, o presidente renunciou e há um vazio de
poder e estamos a fazer um documento; vamos pronunciar-nos perante o país”. E
vem uma câmara de televisão e um dos generais lê o documento. Manipularam-no com
mentiras e ele caiu no erro. Disse-me: “Fui um parvo, mas nunca mais me
enganam!” E eu acredito nele, porque identificámos os que foram de facto os
promotores, e sabemos que houve outro grupo que foi enganado, manipulado, o grupo
que pertence basicamente à minha geração.
55. Além disso é um dado favorável que no dia seguinte alguns deles tenham
começado a reagi, a pensar com mais calma, a ver a realidade e a assumir
posições. Isto antes de eu regressar. Esclareço-o porque se poderia pensar que
foi ao meu regresso que voltaram a saltar para este lado. Não, não, embora
alguns o fizessem. Foi no dia seguinte que a maioria reagiu quando se deu conta
de que eu não renunciara. Começam a pronunciar-se alguns de maneira muito firme,
outros mais reservados, mas no fim de contas esses pronunciamentos acompanhando a
reacção popular é que permitiram que a situação se revertesse.
56. Um dos generais golpistas, por exemplo, foi chefe da Casa Militar de Caldera
e muito amigo do genro de Caldera; outro dos golpistas é um general reformado,
mas que estava no activo quando ganhei as eleições e tentou preparar um golpe de
estado contra mim, mas não pôde, não teve forças para o lançar em Dezembro de
1998. Ou seja, há uma diversidade de razões, umas individuais, outras políticas,
que foram agrupando estos militares aproximando-os de partidos políticos, Acción
Democrática, COPEI, sectores empresariais, traficantes de armas, etc., e meios de
comunicação com certo poder. Conseguiram sublevar-se num momento conflituoso
alimentado de fora, preparado em parte por um conflito como o de
PDVSA[11], um conflito interno de luta de sectores, de luta de poderes
internos. Foi sobre este cenário golpista que vinham já preparando desde há
certo tempo que se deram os acontecimentos do 11 de Abril.
6. PORQUÊ UMA ATITUDE TÃO BENEVOLENTE. FRAQUEZA OU FORÇA?
– Dizes que decidiram não os levar a julgamento. Qual é a razão que te leva a
uma atitude tão benevolente, pois deves saber que tanto fora como dentro da
Venezuela existe a preocupação de que aqui não se castiga ninguém, que apesar de
ser um governo que içou com grande força a bandeira da luta contra a corrupção,
não se julgou nenhum corrupto, havendo porém provas evidentes de corrupção. E o
mesmo no caso do golpe. Compreendo que em sectores da tropa e da suboficialidade
que estão absolutamente com o processo não se perceba esta atitude do governo.
Também não se percebe que tenhas nomeado o general Rincón, que anunciou a tua
renúncia, como ministro da Defesa. Tudo isto dá a impressão de debilidade e não
de força. Há quem pense que a correlação de forças dentro das forças armadas te
é tão desfavorável que não te restou outra possibilidade senão a de conciliar. O
que podes dizer a este respeito?
1) QUAL É O CONCEITO DE FORÇA?
57. – Haverá muitas maneiras de ler uma realidade como esta. Se é fraqueza ou
força depende de como se conceba a fraqueza e como se conceba a força. Ao nosso
regresso, a seguir ao golpe de estado de 11 de Abril, tínhamos várias opções: uma
era vir mostrar força do ponto de vista tradicional, entendendo isto como a
execução de acções contundentes; como um batalhão de tanques que ataca, que vai
avançando e destruindo posições e derrubando um muro após outro e ocupando
espaços. Uns concebem a força desta maneira, é uma concepção respeitável, não
estou a denegri-la, mas não deixa de ser uma concepção que não é exactamente
válida para todas as situações. Imagino que os nazis quando iam para Leninegrado
iam com esta concepção de força: vamos avançar até ao coração do inimigo e
rebentá-lo. Há outra concepção de força, vês essas canas de bambu[12], é
uma imagem que utilizam os chineses. O bambu verga, não se quebra, ao contrário
de outras árvores aparentemente muito mais fortes que se quebram. Creio que
desde sempre tive esta concepção da força: a força da flexibilidade, a força da
manobra, a força da inteligência e não a da força bruta, isto é, a de demonstrar
à primeira sinais de força mas que muitas vezes não aguentam um tempo
determinado.
2) AS OPÇÕES
58. Voltando ao que te dizia, quando regressei tinha várias opções, uma delas
era demonstrar força no sentido que indiquei: se tivéssemos metido um grupo de
gente na prisão teria sido interpretado como força, mas não o fizemos. Uns
saíram do país, outros estão em casa, uns com restrições de movimentos e outros
sem restrições, só que os convocam semanalmente a um tribunal porque estão em
processo de investigações.
59. Marta, lembro-me que quando fizemos a nossa rebelião nos puseram presos –
como se diz aqui – a Raimundo e toda a gente. Éramos uns 300, não cabíamos nas
prisões, tiveram de inventar prisões; na prisão onde eu estava até puseram minas
à volta porque havia o temor de que me fossem libertar, não nos deixavam falar
com o país porque se temia que disséssemos a verdade; para nos visitarem a mulher
e os filhos e familiares tinha de se fazer uma lista e mandá-la com uma semana de
antecedência ao Ministério da Defesa para autorizarem a sua entrada. Pablo
Medina[13], sem dúvida, propôs na altura que nos interpelassem no
congresso e responderam: “Que ideia, esses golpistas não devem falar!” Tivemos de
fazer uma entrevista em Yare com José Vicente Rangel com a cassette escondida,
clandestina, mas o governo soube e mandou encerrar o programa. Revistaram-me a
casa, levaram até roupa das crianças, um dinheirito que tinha a minha primeira
mulher. Eu perguntaria: foi isto uma demonstração de força? No fundo era uma
demonstração de uma grande fraqueza. A mim não me dá nenhum temor nem me aquece
nem arrefece que Carmona Estanga tenha estado creio que quinze ou dezasseis horas
na Assembleia Nacional, interpelado, e que tenha havido transmissão ao vivo pela
televisão e rádio para todo o país. E que o general tal e o almirante tal digam
a sua verdade. Creio que ficaram muito mal vistos alguns deles quando, por
exemplo, disseram: “Aqui não houve golpe”. A gente ria-se. Não houve golpe? E
Carmona Estanga dizendo: “Aqui houve um vazio de poder e a mim chamaram-me uns
militares e eu fiz juramento.” Nisto não acredita nem ele mesmo, fez uma figura
ridícula. O povo dá-se conta, creio que foi uma lição, uma pedagogia. Agora,
não te nego que pode haver gente, sobretudo gente jovem muito impulsiva, que pode
pensar que isto é fraqueza e que esse senhor não deveria estar ali a falar, que
deveria estar fechado em Yare onde me detiveram a mim. Se calhar tu mesma
compartilhas desta posição.
60. Mas quero esclarecer-te que não é que os golpistas estejam desculpados, não,
Marta, está-se é a aplicar a Constituição.
3) DEBILIDADES DA CONSTITUIÇ&Aatilde;O PARA ATRIBUIR SANÇÕES AOS CULPADOs
61. Nós decidimos tornar-nos um partido político, meter-nos nas eleições,
instalar-nos como governo, convocar uma Constituinte, reconhecer então cinco
poderes e elaborar esta Constituição, que é bastante humanista e contém elementos
que vieram a revelar-se demasiado permissivos, como o de que um general, um
almirante – a Constituição não estabelece excepções – para ser julgado tem de ser
submetido antes a um juízo prévio de mérito, isto é, decidimos aceitar as regras
do jogo que estabelecemos e é o que se está a fazer.
62. O Fiscal Geral da República já elaborou o juízo prévio de mérito, mas isto
não se pode fazer de um dia para o outro, porque se pode anular o juízo se não
estiver bem sustentado; tem de se elaborar documentos, entrevistar pessoas. A
mim entrevistaram-me três fiscais durante cinco horas e entrevistaram muitíssima
gente. A seguir o fiscal geral, de acordo com o prazo marcado pela Constituição,
entregou um longo documento ao Tribunal Supremo de Justiça, que está agora a
examiná-lo para ver se há motivos para julgar esses senhores.
63. Se não se cumprir isto simplesmente estaremos a violar a Constituição. É
claro que a Procuradoria também adoptou algumas medidas, estabeleceu certas
restrições: podem sair do país, têm de se apresentar, não podem emitir opiniões
públicas, não podem participar em manifestações.
64. Se se considera um acto de fraqueza o cumprimento da Constituição, imagina o
que isso significaria!
65. Ora se a Constituição é demasiado permissiva em certos artigos – e já temos
vindo a detectar vulnerabilidades – deveria ser revista, para ver se lhe fazem
alguns retoques. É tão válido como quando se constrói uma casa e se descobre que
está debilitada uma das suas colunas e se decide fortalecê-la. Há gente que já
pensa solicitar emendas para fortalecer alguns elementos da Constituição. É este
o processo constituinte e isto é válido. Também a oposição está a pedir emendas
por outro lado, e é válido que o façam, que recolham assinaturas, que vão lá,
depois terá de se ir a referendum.
66. Não posso violar esta Constituição. Mas também não posso ignorar que há
fraquezas estruturais muitas vezes a retardar o ritmo que devia ter o julgamento
ou que impedem de determinar com exactidão a verdade nalgum espaço.
INSPECÇÃO E JULGAMENTOS AOS MILITARES
– Com os recentes acontecimentos a nível judicial, o que vai acontecer com os
julgamentos aos militares golpistas?
67. – A situação está a complicar-se e a atrasar-se, produto da estratégia
adversária, a estratégia dos juristas que apoiam e defendem os golpistas e as
suas redes e conexões. Estão a valer-se das contradições do Tribunal Supremo de
Justiça. Conseguiram numa primeira instância retardar.
68. Esta semana que termina hoje[14], o Tribunal Supremo deveria ter-se
pronunciado. Há bastantes provas de que um grupo de generais e almirantes
tiveram responsabilidades no golpe e estão já imputados pelo fiscal, após um
trabalho árduo. No entanto, devido a um magistrado ter recusado o presidente do
Tribunal Supremo de Justiça e este por sua vez ter recusado quem o recusou, ali
armou-se uma alhada, e então decidiram adiar, informaram-me que é 4 de Julho a
data em que devem tomar a decisão. Antes dessa data devem ter solucionado os
problemas de recusa e contra-recusa produto da manobra política de um grupo de
infiltrados no Tribunal de Justiça, que entraram naquela ocasião com uma posição
e que hoje têm outra. Estão a tentar deter uma acção do Estado de aplicar a
justiça necessária, imprescindível. Confio em que estas recusas não venham
diferir uma decisão que, a todas as luzes, o país está esperando. E não só que
se faça justiça no campo militar, mas também no campo civil.
69. Esta é uma prova de fogo para essas instituições que têm falhas
estruturais[15].
– E se isso não se conseguir, que saídas há?
70. – Há saídas. Tenho um recurso constitucional de convocar um referendum
aprovatório consultivo, revogatório e outra serie de medidas que temos estado a
analisar perante possíveis cenários.
71. Suponhamos que o Tribunal Supremo de Justiça acabe por ser sequestrado
definitivamente por uma minoria que consegue uma maioria sob pressão, ou de fora
controla o Tribunal de Justiça e que este se torna uma entidade que em vez de
administrar justiça a desadministra, que em vez de julgar os golpistas acaba por
julgar o presidente da República, como alguns propõem e já estão a dar passos
para isso; nesse caso, o país – não só a Constituição, o país real, – essa grande
percentagem de venezuelanos tem de ajudar a achar uma saída que queremos que seja
pacífica, que queremos que seja democrática dentro do âmbito da Constituição.
Poderá ser um referendum, a própria Constituição coloca a possibilidade de uma
emenda constitucional que teria de ir a referendum[16] – e já começámos a
considerá-la como uma medida que nos permita destrancar esta situação – para
reformar alguns artigos da Constituição, apoiados na maioria que conservamos na
Assembleia Nacional e que estamos a tentar fortalecer. E há outro recurso
extremo que é convocar o poder constituinte de novo, mas como se fez isto há só
três anos, terá de se esgotar primeiro as instâncias prévias de emendas, de
reformas. A Constituição pode ter muitos defeitos mas uma das maravilhas que
tem, e que são bastantes, é que estabelece o mecanismo para o poder constituinte
não ser expropriado ao povo. No caso de uma crise política institucional sem
saída, resta sempre o recurso de o povo, recolhendo assinaturas até uma
determinada percentagem, ou a assembleia nacional, ou o presidente, poderem
activar um referendum para chamar o povo, a quê?, a reformar, a emendar ou
reestruturar e até a elaborar um novo texto constitucional. Para realizar isto,
repito, obviamente terá de se esgotar as instâncias prévias.
– E não poderá pensar-se num referendum simbólico, em chamar a gente a votar, mas
não numa votação formal, simplesmente a pronunciar-se, porque para mim é evidente
que neste momento os golpistas são absoluta minoria; penso que haverá muita gente
que está contra Chávez e contra provavelmente a maioria da assembleia nacional,
mas que rejeita uma saída golpista.
72. – Sim, seria simbólico político.
– Claro, como fizeram os zapatistas, como se fez no Brasil com a dívida externa,
chamando a gente a pronunciar-se, pondo um papelinho numa urna. Isto não é
legal, mas também não é ilegal; e é um facto político.
73. – É um recurso válido em muitas partes do mundo. Nós temos na nossa
Constituição a figura do “referendum consultivo” e poderá ser uma medida política
que pudéssemos jogar nestes próximos meses, que embora não seja vinculativa, no
entanto é uma manifestação política.
– Em que consiste o referendum consultivo?
74. – É como perguntares à tua família: “Olhem, está a chover, o que querem,
vamos passear pela montanha como tínhamos previsto ou ficamos em casa?” Se calhar
a maioria diz: “Não, vamos ficar aqui, papá”, mas apesar dessa opinião o pai pode
decidir que vão apesar de tudo porque tinham tudo pronto. A opinião que
manifestaram não é vinculativa para o pai. Se se tratasse do governo de um
estado não seria vinculativo, mas seria politicamente muito significativo.
75. Hoje estivemos a examinar a Constituição e há lá um cenário que podia
apresentar-se e deslocar o centro de gravidade do conflito para o fiscal, isto é,
para as instituições, o poder constituído, para a rua, para o povo e a opinião
pública. Porquê? Porque a Constituição indica que o fiscal geral da República,
tal como o procurador ou o defensor do povo, são designados pela assembleia
nacional, com o voto de pelo menos dois terços dos seus membros, mas que se a
assembleia nacional não chegar a acordo nessa percentagem mínima de dois terços
para designar um senhor ou senhora para o cargo, então deve-se elaborar um trio
de candidatos e submetê-lo à consulta popular para ser o povo a decidir quem deve
ser o fiscal geral da República, o procurador ou o defensor do povo, se a
assembleia não conseguir o acordo para accionar os mecanismos constitucionais. É
um cenário interessante porque seria passar a bola ao povo.
7. DIFERENTES NÍVEIS DE RESPONSABILIDADE
76. Há diferentes níveis de responsabilidade, há um primeiro grupo de militares,
os golpistas a sério, que estão submetidos a esse juízo prévio de mérito, e
também um segundo grupo. Há outro grupo a que decidimos, com base num estudo
consciencioso, não mandar a julgamento, mas submetê-lo a uma figura que está na
Lei Orgânica das Forças Armadas, chamada “Conselho de Investigação”.
1) MILITARES SUBMETIDOS A CONSELHO DE INVESTIGAÇÃO
– Quando dizes “decidimos”, o que significa?
77. – Falo no plural porque não sou eu sozinho, eu recebo recomendações dos
comandos militares e de outras fontes que me dão informações, que fazem
investigações, e eu encarrego-me de obter outras informações. Assim vamos
consolidando informações para nos aproximarmos da verdade sobre a actuação de tal
ou tal militar. Este Conselho de Investigação também é uma coisa séria que não
se pode fazer de um dia para o outro, não podes demitir um militar, que já tem um
grau e direitos, sem fundamentação. A Constituição estabelece o devido processo
e o direito à defesa. Tens de lhe dar o direito de se defender, senão
continuaríamos a cair em atitudes como as de Carlos Andrés Pérez, que demitiu
militares, sem julgamento nem investigação, deixaram-nos até descalços, tiraram-
lhes as armas e tudo, uma humilhação e aí sim, pagaram justos por pecadores.
Muitos justos e poucos pecadores, no nosso caso.
78. Agora esses senhores que estão a ser submetidos a Conselho de Investigação,
já estão na fase final. Há cinco dias assinei uma recomendação para demitir dois
almirantes: um que comandava a Infantaria da Marinha em Carúpano no Oriente, e
outro que estava aqui em Caracas. Consideramos que cometeram falta grave e não
crime, porque se o Conselho de Investigação determina que houve crime ou
presunção de crime então vai pela via do juízo prévio de mérito que é mais
demorada. O Conselho de Investigação é mais rápido porque a aplicação de sanções
depende do Comandante em Chefe. Há uns quinze generais e almirantes do Exército,
Marinha, Aviação e Guarda Nacional submetidos a Conselho de Investigação agora
mesmo, e aí decidiremos si mandá-los a julgamento, prendê-los por uns dias,
admoestá-los verbalmente ou demiti-los da Instituição.
2) ADMOESTAÇÃO VERBAL
79. O que estou a fazer com alguns é sentá-los aqui e falar com eles duas e três
horas, e digo-lhes: “Cometeste um erro.” Também digo: “Bem, vais continuar no teu
cargo, mas tens de tomar consciência de que cometeste um erro e que se se repetir
uma situação parecida espero que não voltes a cometê-lo.” É uma sanção moral.
Está prevista nas nossas leis e regulamentos militares, é o que se chama uma
admoestação verbal. Vi aqui um general chorando dizer: “Hugo, enganaram-me,
pequei de ingenuidade”. E sei que falou a sério; disse-me: “Vê como sofreram os
meus filhos, porque saí na imprensa e eles gostam muito de ti.” Até me dei à
tarefa de reivindicar alguns publicamente, para um pouco compensar o dano moral
de um homem que tem vinte e tal anos de serviço, um senhor já com netos e que se
sente um soldado e mortificado porque o enganaram e lhe disseram que Chávez tinha
renunciado e que Chávez matou uma data de gente. Então disse: “Como acreditei
nisso, meu Deus, porque não acordei e pensei que era um engano? Não acreditei no
meu superior que mo disse, e acreditei no outro que me telefonou, e acreditei na
televisão e nesta campanha toda, como acreditaram muitos no mundo.”
80. Penso que seria uma grande injustiça que estes oficiais manipulados e
enganados ficassem na prisão, porque aliás grande parte deles, tudo o que fizeram
foi que os chamaram, e eles apresentaram-se nos seus comandos e aí apareceu um
jornalista ou uma jornalista com uma câmara, e então um deles, o golpista,
começou a ler e ele ali parado.
3) EVITAR A CAÇA ÀS BRUXAS
81. Após o golpe efectuámos transferências de militares, e o justo é as decisões
terem relação directa com o nível de gravidade do implicado. E aqui temos estado
a actuar com muito cuidado, seria terrível que se desencadeasse uma caça às
bruxas nas Forças Armadas. A mim disse-me um oficial: “Veja esta foto, estivemos
a analisá-la, o coronel Moreno no dia em que você chegou não tem a bóina
vermelha, o que tem é um gorro verde, porque tirou a bóina vermelha e pôs o gorro
verde? Poderá indicar que já não queria parecer-se com o bóina vermelha.”
Esclareço que este coronel Moreno é chefe da Casa Militar e esteve comigo até ao
último minuto no dia do golpe. Eu respondi: “Cuidado com o que estás a pensar,
se nos vamos pôr aqui a duvidar todos de todos, vamos acabar todos malucos. Esse
coronel arriscou a vida nesse dia, tu não sabes porque não estavas; e sabes
porque é que o coronel tem esse gorro; ele e o coronel Morao, e os soldados que
comandavam andavam com gorro verde, todos, porque eles, dentro do plano táctico
para retomar o Palácio, decidiram tirar a bóina vermelha, porque com ela eram
alvos facilmente detectáveis, e com o gorro verde quem os via não sabia com quem
estavam. Tiraram o sinal que os identificava como gente do regimento de Chávez e
da Guarda Presidencial de Chávez.” O rapaz de boa fé estava a duvidar do coronel
Moreno, mas imagina que por uma foto mal interpretada ou por um boato ou por um
comentário, se começa a questionar sem razão alguns militares!
82. Outro disse-me: “Olha que o coronel tal foi para casa, ninguém o viu aqui no
dia em que planificámos a retomada do Palácio”. Afinal esse coronel estava
noutro sítio a fazer outras coordenações. Quer dizer, não podemos guiar-nos pelo
impulso, por observações preliminares, e desencadear – num meio de resto tão
complicado e tão sensível como as Forças Armadas – uma caça às bruxas.
8. PORQUE NOMEIA O GENERAL RINCÓN MINISTRO DA DEFESA
– Podes explicar-me porque é que nomeaste ministro da Defesa o general que
anunciou ao país que tinhas renunciado, o general Rincón? Isso é que ninguém
percebe.
83. – Ninguém percebe?
– Ninguém. Como é possível que alguém que disse que tu renunciaste não tendo
renunciado possa contar com a tua confiança?
84. – Há muitas versões, mas eu sei a verdade, talvez só eu a saiba exactamente.
Sei o que o levou a dizer isso. Ele não é culpado mas vítima de uma situação em
que eu estou implicado e se calhar por isso eu é que o compreendo, talvez mais
ninguém o compreenda. Sentir-me-ia muito mal se tivesse demitido Rincón.
1) PENSA EM RENUNCIAR COM 4 CONDIÇÕES – Porquê? Tiveste uma atitude ambígua
nalgum momento?
85. – Não direi ambígua, mas houve um momento em que de facto começámos a
discutir a possibilidade da renúncia. Foi quando me dei conta de que havíamos
perdido quase toda a força militar que tínhamos à mão para poder resistir ou
mover-nos para outro sítio. Então chamei José Vicente; William Lara, o
presidente da Assembleia, que estava no Palácio, e pedi-lhes que viessem ao
Despacho, e a outra gente ali, outros ministros, e fomos ver a Constituição e
começámos a pensar na possibilidade da renúncia. Eu disse ao grupo: “Sou capaz
de renunciar, mas se se cumprirem quatro condições. A primeira era que se
respeitasse a segurança física de todos os homens e mulheres, do povo, e do
governo; segurança física e respeito dos direitos humanos; a segunda: que se
respeitasse a Constituição, isto é, se eu renunciasse tinha de ser perante a
Assembleia Nacional e o vice-presidente devia assumir a Presidência da República
até se convocarem novas eleições; a terceira condição era falar em directo ao
país e a quarta: que me acompanhassem todos os funcionários do meu governo e os
rapazes que me guardaram durante anos. Também não iriam aceitar isto porque era
um grupo de choque que eu ia ter na mão.
86. Então os emissários – o general Hurtado Sucre, ministro da Infra-estrutura,
e o general Rosendo – vão ao Fuerte Tiuna, falam com os golpistas e regressam
dizendo que sim, que lá tinham aceitado as condições.
2) ChÁVEZ COMUNICA A RINCÓN A SUA DECISÃO DE RENUNCIAR
87. – Eu tinha autorizado o general Rincón, que estivera comigo toda a tarde e a
noite, a ir ao Fuerte Tiuna saber o que aquela gente queria realmente, nesse
momento ele estava lá. No meio destas circunstâncias ele liga-me e diz:
“Presidente, aqui estão a exigir a sua renúncia e a pressionar-me para eu
renunciar também, mas eu disse que assumo a decisão que o Presidente tomar.”
Então digo-lhe: “Lucas, aqui chegaram Rosendo e Hurtado e disseram que aí
aceitaram as condições que estou a exigir para essa possível renúncia. Diz-lhes
que sim, que vou renunciar.” Dei-lhe luz verde. Ele vai dizer o que eu disse. O
que ele disse foi: “O presidente aceitou a renúncia e eu também, com o alto
comando ponho o meu cargo às ordens.” Assim é que tenho a certeza absoluta de que
ele disse o que eu lhe tinha transmitido por telefone.
3) RINCÓN DESCONHECE A MUDANÇA DA SITUAÇÃO
88. – O que se passou daí a 10, 20 minutos? Que ele faz esta declaração e sai
dali, mas passados poucos minutos chega-nos a informação de que não, que já não
aceitam nenhuma condição. Eu tinha quase a certeza de que não iam aceitá-las,
era uma forma de ganhar tempo. Agora exigiam que eu fosse para lá preso e se não
o fizesse ameaçavam vir atacar o Palácio. Em poucos minutos a situação tinha
mudado.
89. E o desenlace foi que aceitei ser preso.
90. Lucas saiu, foi levar a família a qualquer sítio e no sábado regressou a
Fuerte Tiuna e juntou-se a García Carneiro e ao grupo de generais que ali
estiveram retomando o fio das coisas. De que se pode acusá-lo, então?
4) INFORMOU-SE SOBRE ISSO
– Informou-se sobre isso? Porque esta informação, que eu saiba, não chegou ao
exterior.
91. – Já o expliquei, creio que também à comissão especial política da
Assembleia Nacional que investiga os factos ocorridos durante o golpe de Abril
quando foi entrevistar-me ao Palácio. Já o dissera antes, quando o nomeei
ministro da Defesa para o avalizar e fortalecer. Por outro lado, é um homem que
tem estado comigo desde o início do governo. Foi chefe da Casa Militar, foi
ministro da minha secretaria, foi comandante do Exército e a seguir inspector das
Forças Armadas. E nomeio-o ministro da Defesa porque, perante a nova situação
que se dá ao nosso retorno, que exige um diálogo político, o homem de mais
experiência que tenho no gabinete é José Vicente Rangel e por isso passei-o de
ministro da Defesa a vice-presidente. Mas há quem parece que não compreenda
isto.
9. ENSINAMENTOS DO GOLPE MILITAR
– Poderás sintetizar-me os ensinamentos que retiraste do recente golpe militar?
Em conversa explicaste-me que no Fuerte Tiuna os comandos golpistas estavam
instalados num edifício e noutro mais afastado estavam os regimentos e aí estava
o general García Carneiro, um homem que te é fiel, juntamente com as suas tropas.
Disseste-me que ele foi chamado ao outro edifício mas não quis apresentar-se para
não abandonar as tropas, até que por fim, como lhe disseram que iam falar contigo
a Miraflores, conseguiram convencê-lo, com o que essas tropas ficaram sem comando
e disso se aproveitaram alguns chefes militares golpistas para as controlar por
meio do uso da hierarquia e do engano.
92- Como dizia, tentei respeitar sempre a chamada linha de comando. As
instruções do comandante em chefe eram dadas sempre através dos altos chefes
militares. Agora, dada a situação que ocorreu como te contava de García Carneiro
e a dificuldade que tive para poder falar com ele e outros generais das
guarnições militares que se mantiveram fiéis, com o general Baduel por exemplo;
com ele apenas pude falar numa ocasião, perdi logo o contacto, não pude
estabelecer contactos: tinham-nos sabotado as linhas de telefone do Palácio.
93. Ora bem, trata-se de tomar isto como uma lição para estabelecer mecanismos
muito mais flexíveis, mais seguros, de comunicação e de contacto directo, desde o
comandante em chefe até aos comandantes de unidades operativas, os que têm nas
mãos as armas, os que comandam os homens das forças armadas.
94. Não se trata de desconhecer os altos comandos, mas num conflito interno ou
externo um alto comando militar pode desaparecer por muitas razões, ser capturado
ou até eliminado fisicamente, pelo que o chefe máximo deve ter a capacidade, os
canais de comunicação para não nunca perder uma coisa fundamental, o comando
militar directo sobre as unidades do exército, o que foi vulnerado no dia 11 de
Abril. Disso se valeram os golpistas para manipular comandantes de unidades;
para neutralizar outras unidades; para enganar chefes militares que só tinham a
informação que lhes davam estes sectores de altos comandos, que os orientavam,
desinformavam, confundiam, enganavam e manipulavam.
95. Assim, esta é uma lição: o contacto muito mais directo com a oficialidade
média, e os chefes e os oficiais e também as tropas.
– Julgas contar com um apoio absolutamente maioritário nestes sectores?
96. – Sim, absolutamente maioritário. E poderia demonstrar-to.
– E os altos comandos como vêem isso?
97. – Não devem ver mal, embora possa haver alguma inveja, apesar da prédica, da
discussão, do tentar eliminar qualquer tipo de inveja. Não se trata de
desconfiança, mas de se preparar para todas as eventualidades.
10. RADICALIZAÇÃO DO PROCESSO E FORÇAS ARMADAS
– Não pensas que na medida em que o processo revolucionário se radicalizar será
cada vez mais difícil contar com o apoio maioritário de um corpo cuja formação
está muito influenciada pelos valores das classes dominantes, e que portanto é
muito permeável às campanhas que fazem os sectores reaccionários contra o teu
governo, como o demonstraram os últimos acontecimentos?
98. – Sim, creio que é normal; creio que em qualquer exemplo que possamos dar de
qualquer lugar do mundo isso acontece. Se aplicarmos as leis da física até a
nadadores que vão cruzando o Orinoco, haverá quem diga: já não posso mais, por
razões físicas; o mesmo sucede num grupo de escaladores de montanhas, haverá
alguns que por fraqueza, por um acidente, vão ficando para trás. Se isto sucede
a nível físico, passa-se ainda mais num processo tão complexo onde influi não só
o físico que não é nem sequer o mais importante, mas também o cultural, o
ideológico, muitas vezes o material, o económico. Há pessoas que te acompanham
numa fase – e temo-lo vivido ao longo deste processo, que para mim tem já quase
25 anos, desde que comecei de maneira firme e séria a organizar pequenos grupos,
– mas que vão ficando pelo caminho por diversas razões. Nisto sempre tentei ser
agradecido; e até agradecer ao que fica porque ele ajudou numa etapa. Que não
seja capaz de ir avante, não é razão para o condenar. Não, simplesmente por
diversas razões quebrou, ou ficou por ali, ou se afastou.
99. Muitos oficiais que ajudaram bastante na etapa pré-insurreccional não
chegaram à insurreição, mas não se deve deixar de reconhecer o seu trabalho. É
claro que não estou a falar dos traidores, mas de gente que ficou para trás por
razões diversas.
100. Na prisão, por exemplo, há gente que rachou, ou melhor, que não quis ir
avante. Quantos oficiais? Muitos oficiais, companheiros de armas; saíram da
prisão e disseram-me: “Olhe meu comandante, ou olha Hugo, eu vou para casa, tenho
mulher, tenho filhos, tenho de trabalhar para os sustentar.” Nunca tive a reacção
de condená-los, antes pelo contrário.
101. Olha, Marta, uma vez comigo andavam quatro rapazes, numa época em que
comprávamos cambures[17] para nos alimentarmos, comíamos pão e cambure e
uma Pepsi-cola ou um café. Não tínhamos nem um centavo, e tudo o que tínhamos
era para a família que estava longe: os filhos pequenos, a mulher; uma madrugada,
quando eu dormia num chinchorro[18] e eles num colchão onde não cabiam
todos, no corredor de uma casa onde um senhor muito valente nos permitia ficar;
porque quase ninguém se atrevia a deixar que Chávez dormisse na sua casa, senti
que um deles estava a chorar. Aproximo-me, pensei que ele estaria a sonhar, e
quando lhe pergunto o que tinha, responde-me: “É que a minha mulher telefonou
hoje, está a comer biscoito com sardinhas. Então disse a este rapaz: “Bem, tu
reconheces que eu sou o chefe.” “Sim.” “Vou dar-te uma ordem: amanhã não te quero
ver aqui; vai para junto da tua mulher, arranja trabalho onde alguém te possa
pagar, eu não te posso pagar nada.” Ele não queria ir, mas ordenei-lhe que se
fosse embora.
102. Já eu era presidente, voltou um dia e trabalhou um bocado connosco aqui,
está a trabalhar noutras coisas, digamos que seguiu o seu caminho. A maioria foi
procurar que fazer, onde trabalhar, claro, eram rapazes jovens, com mulher, com
filhos. Então alguns muito radicais diziam: “Não, esses são traidores, são
fracos.” Eu penso que são humanos, nem todos são como nós, que deixámos mulher e
filho; não nos importa dormir onde calha; temos uma ilusão muito grande, talvez
tenhamos uma força superior que nos arrasta mais do que a eles.
103. Então o que quero dizer-te é que estou de acordo com o que dizes.
Considero normal que à medida que o processo vai exigindo mais, requer gente com
maior consciência, capacidade e força; e há pessoas que têm os seus limites: e só
vão até aí. E repara, aí temos surpresas pelo lado negativo, mas também pelo
lado positivo: há pessoas que às vezes temos a impressão de que não vão chegar
além de uma linha determinada e passam essa linha e outra, e continuam em frente
e deixam muitos para trás.
104. Creio que no nosso caso esta constatação de gente que avança e avança, é
maior em quantidade e significado que a outra parte. Temos um povo que avançou
depois do 4 de Fevereiro muito mais do que se poderia pensar. Quando recordo
como me sentia em 1992 quando declarei a rendição. Que vergonha! Se tivéssemos
lutado até à morte, pensava eu sozinho na cela. É claro, estava isolado da
realidade e não conhecia a explosão afectiva, emocional e emotiva que o gesto
daquele grupo de militares havia gerado nesta população. Isto nunca o tínhamos
calculado. E o que vimos nas Malvinas anteontem[19], é uma paixão, uma
paixão que despertou desde então na maioria dessas pessoas. Por isso te digo, há
gente que demonstra que pode avançar muito mais do que alguma vez pensaria. Os
que vão ficando fazem-no a conta-gotas, por pequenos grupos.
– Terias que estar também atento a isso, ou seja, tal como foste sensível com
aquele rapaz e o mandaste para casa, detectar que uma determinada pessoa já
chegou aos seus limites e tomar uma decisão sobre ela antes de quebrar, não?
105. – Às vezes não é fácil, teria de estar atento para desenvolver ainda mais a
percepção, o instinto. Eu gozo de um bom instinto; e me arrependo-me às vezes de
não ter feito caso deste instinto. Costumo ligar muito ao instinto estratégico,
mas às vezes ao pequeno instinto sobre uma individualidade não o levo em conta.
Aconteceu-me antes do 11 de Abril; tentarei que não volte a acontecer.
11. ATITUDE PERANTE SECTORES MILITARES RADICALIZADOS
– Por outro lado, soube que uma importante camada de oficiais jovens que esteve à
frente das tarefas sociais da revolução se radicalizou e exige a adopção de
medidas mais drásticas contra a corrupção, pede que se acelere o ritmo das
transformações, não percebe a tua atitude conciliadora com os generais que
estiveram envolvidos no golpe, estou bem informada? Como avalias esta atitude?
Como encaminhá-la? O que se pode esperar deles?
106. – Creio que cresceu esse sector ou esse fenómeno de radicalização de
sectores militares a favor do processo revolucionário e cresceu não só em número,
mas em intensidade. Perguntas-me como tratar com eles. O que tento é exercer o
comando: reuni-me com alguns dos que pressionam, que se preocupam porque não há
presos, não só militares, mas civis, e os meios de comunicação continuam a fazer
o que fazem: desrespeitando, inventando, tergiversando.
107. Tento fazê-los compreender que estamos a fazer, até onde pudermos, o
esforço por conservar a opção estratégica que escolhemos e que este povo apoiou
por uma grande maioria.
108. Para mim é claro que um processo de degeneração desta situação poderia
acarretar como consequência o crescimento ou o maior peso desses actores. E é
uma das coisas com que alguns sectores de oposição não concordam.
– No sentido de que podem tirar Chávez, mas o processo vai continuar?
109. – Claro, Chávez pode ir-se embora; mas Chávez não é só o Chávez; eles às
vezes tendem a simplificar o problema. Esta situação que vivemos despertou
correntes e sentimentos bastante radicais; estou certo de que no errado
preconceito negado de que eu me dobro perante a reacção, estes sectores passarão
por cima de mim e surgirão novos líderes. E isso deixa-me descansado, Marta,
acima de todas estas preocupações estruturais, políticas, de falhas, tenho a
certeza de que este processo já não pode recuar; esta intenção, em movimento; que
já não é intenção: este movimento de mudança, de reestruturação, de revolução,
não vai parar; agora tomar outro curso, isso sim, é que poderá suceder.
110. Já o disse publicamente, não é um comentário aqui só para ti e para a tua
publicação: não, eu já o disse e às vezes tem-se tergiversado como se fosse uma
ameaça que estou a lançar, não, digo-o como conclusão e agora depois do que
aconteceu digo-o com maior certeza.
111. Aqui posso fazer uma citação do pensamento de John Kennedy onde este dizia
que se não se fizessem as revoluções pacíficas aqui, nestes países, viriam
revoluções violentas, e foi quando nasceu a Aliança para o Progresso. Li-o no
teu livro e também dentro do seu contexto[20], que eu já imaginava, mas
desconhecia. A tua metodologia de ponto a ponto é bem interessante porque é um
raciocínio muitíssimo adequado para interpretar bem essa primeira etapa que ali
abordas.
112. Agora, estou convicto de que se fracassarmos neste esforço de fazer
mudanças profundas no campo político, económico e social, por esta via, virão
outras vias, Marta, virão outras vias. Talvez violentas, talvez militares e
talvez cívico-militares; mas isto já ganhou uma força própria. Dou o exemplo do
rio: um rio, podes represá-lo, mas não podes detê-lo; se não lhe deres uma folga
vai derrubar o dique, ou arranja um leito por outro lado e muda de curso, mas vai
sempre para o mar.
_____________
NOTAS
[1] - Forma como os indígenas denominam os seus chefes.
[2] - Roulottes.
[3] - Militante do Partido Acción Democrática.
[4] - Refere-se à escola e ao centro médico de Puerto Cruz.
[5] - Mao Tse Tung.
[6] - Op. cit. pp. 67-68.
[7] - Heinz Dietrich, Hugo Chávez: Un nuevo proyecto latinoamericano , Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2002, p. 31
[8] - Refere-se ao vídeo em que se anuncia a renúncia de Chávez e Carmona como novo presidente.
[9] - Enrique Medina Gómez
[10] - 12 de Junho de 2002.
[11] - Petróleos de Venezuela Sociedad Anónima.
[12] - Refere-se aos bambus do jardim de La Casona, residência presidencial em Caracas, lugar onde decorreu esta parte da entrevista.
[13] - Dirigente de La Causa R naquele momento.
[14] - Sábado 22 de Junho de 2001.
[15] - Este tema das falhas estruturais é abordado noutra parte da entrevista.
[16] - Para modificar a actual Constituição venezuelana primeiro tem de se aprovar os artigos ou a emenda na Assembleia Nacional, e a seguir submetê-los a referendum popular.
[17] - Bananas.
[18] - Cama de rede.
[19] - Refere-se à sua visita a um bairro popular a 20 de Junho de 2002.
[20]- Refere-se ao capítulo “As respostas dos Estados Unidos” parágrafos 31 a 36, e especificamente ao parágrafo 32, do livro: "Tornar possível o impossível. A esquerda no limiar do Século XXI" de Marta Harnecker, Campo das Letras, Porto, 2000. Entrevista conduzida por Marta Harnecker Junho 2002 O texto completo desta entrevista será publicado como livro pela Editorial Ciencias Sociales, de Havana Tradução de José Colaço Barreiros http://resistir.info
[1] - Forma como os indígenas denominam os seus chefes.
[2] - Roulottes.
[3] - Militante do Partido Acción Democrática.
[4] - Refere-se à escola e ao centro médico de Puerto Cruz.
[5] - Mao Tse Tung.
[6] - Op. cit. pp. 67-68.
[7] - Heinz Dietrich, Hugo Chávez: Un nuevo proyecto latinoamericano , Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2002, p. 31
[8] - Refere-se ao vídeo em que se anuncia a renúncia de Chávez e Carmona como novo presidente.
[9] - Enrique Medina Gómez
[10] - 12 de Junho de 2002.
[11] - Petróleos de Venezuela Sociedad Anónima.
[12] - Refere-se aos bambus do jardim de La Casona, residência presidencial em Caracas, lugar onde decorreu esta parte da entrevista.
[13] - Dirigente de La Causa R naquele momento.
[14] - Sábado 22 de Junho de 2001.
[15] - Este tema das falhas estruturais é abordado noutra parte da entrevista.
[16] - Para modificar a actual Constituição venezuelana primeiro tem de se aprovar os artigos ou a emenda na Assembleia Nacional, e a seguir submetê-los a referendum popular.
[17] - Bananas.
[18] - Cama de rede.
[19] - Refere-se à sua visita a um bairro popular a 20 de Junho de 2002.
[20]- Refere-se ao capítulo “As respostas dos Estados Unidos” parágrafos 31 a 36, e especificamente ao parágrafo 32, do livro: "Tornar possível o impossível. A esquerda no limiar do Século XXI" de Marta Harnecker, Campo das Letras, Porto, 2000. Entrevista conduzida por Marta Harnecker Junho 2002 O texto completo desta entrevista será publicado como livro pela Editorial Ciencias Sociales, de Havana Tradução de José Colaço Barreiros http://resistir.info
https://www.alainet.org/es/node/106026
Del mismo autor
- Ideas para la lucha 20/12/2016
- Fidel, hoy y siempre 08/12/2016
- Venezuela: ¿Guerra económica o errores del Gobierno? 27/09/2016
- El mejor homenaje a Fidel: mirar en su misma dirección 14/08/2016
- Los movimientos sociales y sus nuevos roles frente a los gobiernos progresistas 09/09/2015
- Mensaje a Fidel para el año 90 de su vida: sus grandes aportes sobre el tema de la Unidad 13/08/2015
- Palabras en el Premio Libertador 17/08/2014
- Javier Diez Canseco: La vigencia de sus ideas 27/05/2013
- Un mensaje póstumo a Hugo Chávez 07/03/2013
- Instrumentos de la política 02/01/2013