O milagre coreano e o nosso

24/06/2002
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A Coréia do Sul é o "milagre" que diziam que o Brasil iria ser. É o único país da periferia capitalista (do mesmo modo que o Brasil, teve ditadura violenta e corrupta) a dar o salto e competir tecnologicamente em setores de ponta - como automóveis, telefones celulares e televisores - com os países capitalistas avançados, a ponto de ter indústria automobilística instalada na Inglaterra, que, como potência decadente, já não produz automóveis. Porém, os milagres não existem. No caso da Coréia há razões precisas para explicar seu sucesso, assim como no fracasso brasileiro. É importante abordar essas razões porque, como o caso coreano contradisse totalmente os cânones neoliberais, o coro economicista reinante escondeu sua natureza e com isso não apenas sonegou informações como se tornou incapaz de explicá-lo. A primeira razão é que a Coréia do Sul fez reforma agrária, pressinada pelos EUA que - como no caso do Japão - temiam uma nova revolução anticapitalista, de base rural, como a chinesa. Dessa forma a Coréia modernizou sua produção agrícola e assim facilitou o desenvolvimento industrial. Este se fez não importando capitais - como no Brasil _, mas tecnologia. Valeu- se da tecnologia japonesa para, com base nela, desenvolver seus próprios modelos. Para isso teve de fazer enormes investimentos em educação e em ciência e tecnologia. Esse impulso, realizado com forte presença reguladora do Estado - protegendo setores definidos como estratégicos, que só foram abertos uma vez conquistada a competitividade suficiente -, produziu um capitalismo com forte hegemonia do capital estatal e privado nacional. Basta dizer que a indústria automobilística coreana é totalmente coreana e, mais significativo, metade estatal e metade privada. Os reflexos no plano social são evidentes. Os índices de desenvolvimento econômico, educacionais e de saúde, que eram inferiores aos do Brasil, em três décadas nos superaram amplamente. Não por acaso a Coréia, que foi vítima da crise, quando introduziu modalidades de desregulação no sistema financeiro, pôde recuperar-se em pouco tempo, devido às suas políticas industriais, que permitiram superar o endividamento, mediante sua competitividade externa, mas também pela possibilidade que possui de combinar o mercado externo com o interno. Seu PIB per capita se aproxima dos 10 mil dólares, numa sociedade muito menos desequilibrada do que a brasileira. A Coréia é o caso mais escandaloso de denúncia da via única que o Consenso de Washington quis vender-nos, com a cumplicidade de grande parte da mídia - especialmente a econômica -, que sonegou informações e mentiu, até mesmo pelo silêncio, sobre o caráter do modelo sul-coreano. Foi pela via da regulação estatal, da proteção do mercado interno, do desenvolvimento tecnológico nacional, da qualificação generalizada da mão-de-obra, do financiamento estatal ao setor privado com estritas contrapartidas, que a Coréia foi o "milagre" que a ditadura e todos os seus porta-vozes nos prometeram por aqui. E foi contornando, ao invés de ceder, o neoliberalismo que a Coréia manteve os níveis de desenvolvimento que o Brasil abandonou em troca de uma fictícia estabilidade monetária, que leva hoje o país a um alto grau de fragilidade, de desproteção e de incapacidade de retomar o desenvolvimento - além da vergonha de continuar sendo o país de pior distribuição de renda do mundo.
https://www.alainet.org/es/node/106000?language=es
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