Plebiscito da ALCA no Brasil
23/04/2002
- Opinión
"Este país no tiene futuro, yo lamento por mis hijos"
(Mulher desconhecida durante manifestação
nas ruas de Buenos Aires, Argentina) As Semanas Sociais Brasileiras (SSB), no decorrer da década de 90, descortinaram, simultaneamente, graves problemas sociais, de um lado, e enormes potencialidades da sociedade civil organizada, de outro. Ao mesmo tempo que punham a nu os efeitos nocivos do modelo econômico neoliberal, contribuíam para a emergência de uma nova consciência sócio-política por parte de setores cada vez mais expressivos da população. A primeira SSB, em 1991, ao colocar em pauta o tema do Mundo do Trabalho e as Novas Tecnologias, denunciava a erosão progressiva dos direitos trabalhistas, o ressurgimento de formas de trabalho execradas pela história, ao mesmo tempo que questionava a precarização crescente das relações de trabalho. A segunda SSB, em 1993-4, procurou refletir sobre a construção coletiva de um projeto popular para o país. O tema – Brasil, Alternativas e Protagonistas – popularizou-se na expressão "o Brasil que a gente quer". Diversas portas se abriram em diferentes perspectivas: econômica, política, social e cultural, numa demonstração de que é possível construir caminhos novos. A terceira SSB, 1997-9, colocou em confronto a Dívida Externa e as Dívidas Sociais. Foi um processo de reflexão e ação que traduziu em termos sociais a preparação do Jubileu do ano 2000. Tinha um tríplice objetivo: identificar as principais dívidas sociais, aprofundar suas causas e conseqüências e buscar saídas concretas e conjuntas. Este intenso processo de debates levantou no cenário nacional temas relevantes não só para a sociedade brasileira, mas para todo o continente latino-americano. O desemprego em massa, o endividamento interno e externo, o desmonte do Estado e a precariedade das políticas públicas, a questão ecológica em seus múltiplos aspectos, – foram assuntos amplamente debatidos. Movimentos sociais, igrejas e entidades ligadas a diferentes organizações ganharam espaço nas ruas e na mídia. Podemos afirmar que as SSB’s, juntamente com outras ações da sociedade civil, convergiram, no ano 2000, para a realização de uma iniciativa das mais expressivas na arena política brasileira das últimas décadas: o Plebiscito da Dívida Externa. Precedido de um Simpósio e de um Tribunal sobre o mesmo tema, o pleito mobilizou nada menos do que 120 mil agentes, lideranças e militantes num trabalho voluntário que, entre os dias 2 e 7 de setembro, levaram às urnas um número superior a 6 milhões de pessoas. Mais de 95% dos votantes se declararam a favor de uma imediata auditoria pública da dívida externa e questionaram os acordos que vêm sendo celebrados entre o governo e o FMI. A partir desta experiência bem sucedida nasceu a idéia de um segundo Plebiscito, desta vez sobre a ALCA. Análises recentes têm revelado a inviabilidade de um acordo entre economias tão díspares como os EUA, de um lado da mesa, e os países latino-americanos e caribenhos, do outro lado. Trata-se da potência mais poderosa do planeta em confronto com economias extremamente fragilizadas. A abissal diferença entre os parceiros aborta pela raiz qualquer possibilidade de negociação que mereça este nome. Como colocar no mesmo campo de batalha forças tão assimétricas? Evidente que se trata de um jogo de cartas marcadas. Numa competição desigual e desleal, os fortes tendem a se fortalecer e os fracos a se enfraquecer. Ao juntar na mesma arena raposa e galinhas, a tendência é estas serem implacavelmente devoradas por aquela. Resulta que a possibilidade de aprovação da ALCA constitui uma ameaça suspensa sobre nossas cabeças. Mais do que "livre comércio", deve- se falar de anexação ou neo-colonialismo, onde os representantes da nova metrópole traçam regras unilaterais para defender seus interesses. Mais do que tratado, estamos diante de uma imposição do norte sobre os países empobrecidos do sul. Mais do que negociação, o que está em jogo são as estratégias econômicas, financeiras e militares do Império. Esse estado de coisas agrava ainda mais a dependência externa da América Latina em relação ao capital financeiro, compromete o destino dos povos e aprofunda as dívidas sociais dos setores excluídos da população. Os governos e elites nacionais, por sua vez, ao mesmo tempo cúmplices, reféns e capatazes dos mega-investidores internacionais, rezam pela cartilha do FMI, enquanto travam lutas encarniçadas para se perpetuar no poder. São já conhecidas as conseqüências da ALCA. Entre elas, podemos destacar, antes de tudo, o sucateamento e o declínio da pequena produção nacional, tanto na agricultura como na micro e média empresa, da mesma forma que a precariedade cada vez mais grave dos serviços públicas de saúde, educação, habitação, reforma agrária, entre outros. Se o estado- nação já vem sendo desmontado pela avalanche neoliberal, a ALCA acabará por asfixiar completamente qualquer tentativa de retomar as políticas públicas, levando os governos às medidas compensatórias. Decorre disso, em segundo lugar, o aumento do desemprego. A falência em série de inúmeras iniciativas familiares, por exemplo, e dos empreendimentos de pequeno porte deverão atirar muita gente às ruas, prontas a disputar as migalhas do mercado informal. Os dois fatores apontados levam a um terceiro: o desenraizamento de grande parte da população, seguido de migrações massivas, com o agravante da situação de clandestinidade para os imigrantes ilegais e das barreiras à circulação dos trabalhadores. Se o capital e as mercadores são livres para ir e vir, o mesmo não ocorre com o trabalho. Enfim, não podemos esquecer a depredação e desperdício dos recursos naturais e a contaminação do meio ambiente, além da mercantilização e monopólio indiscriminados da água e das fontes de vida - risco simbolizado na proliferação dos produtos transgênicos. O risco exige imediata tomada de posição. Daí a proposta do Plebiscito Continental sobre a ALCA. O grito da manifestante desconhecida nas ruas de Buenos Aires é um alerta. No Brasil, a organização encontra- se de vento em popa, com encontros massivos de formação e capacitação de militantes em todos estados e farta elaboração de subsídios. Tanto o Grito dos Excluídos - nacional e continental - quanto o Plebiscito, questionam radicalmente a proposta da ALCA. Ambas as iniciativas, casadas em 2002 como o foram no ano jubilar, têm como principal objetivo ampliar o debate e questionar o modelo neoliberal. É necessário que os cidadãos participem na busca de alternativas ao modelo vigente. Iniciativas como o Grito dos Excluídos/as, o Plebiscito e o Fórum Social Mundial, por exemplo, apontam para a necessidade de envolver a todos na construção de uma nova sociedade: justa, plural, solidária e fraterna. Brasília/DF, 24 de abril de 2002
(Mulher desconhecida durante manifestação
nas ruas de Buenos Aires, Argentina) As Semanas Sociais Brasileiras (SSB), no decorrer da década de 90, descortinaram, simultaneamente, graves problemas sociais, de um lado, e enormes potencialidades da sociedade civil organizada, de outro. Ao mesmo tempo que punham a nu os efeitos nocivos do modelo econômico neoliberal, contribuíam para a emergência de uma nova consciência sócio-política por parte de setores cada vez mais expressivos da população. A primeira SSB, em 1991, ao colocar em pauta o tema do Mundo do Trabalho e as Novas Tecnologias, denunciava a erosão progressiva dos direitos trabalhistas, o ressurgimento de formas de trabalho execradas pela história, ao mesmo tempo que questionava a precarização crescente das relações de trabalho. A segunda SSB, em 1993-4, procurou refletir sobre a construção coletiva de um projeto popular para o país. O tema – Brasil, Alternativas e Protagonistas – popularizou-se na expressão "o Brasil que a gente quer". Diversas portas se abriram em diferentes perspectivas: econômica, política, social e cultural, numa demonstração de que é possível construir caminhos novos. A terceira SSB, 1997-9, colocou em confronto a Dívida Externa e as Dívidas Sociais. Foi um processo de reflexão e ação que traduziu em termos sociais a preparação do Jubileu do ano 2000. Tinha um tríplice objetivo: identificar as principais dívidas sociais, aprofundar suas causas e conseqüências e buscar saídas concretas e conjuntas. Este intenso processo de debates levantou no cenário nacional temas relevantes não só para a sociedade brasileira, mas para todo o continente latino-americano. O desemprego em massa, o endividamento interno e externo, o desmonte do Estado e a precariedade das políticas públicas, a questão ecológica em seus múltiplos aspectos, – foram assuntos amplamente debatidos. Movimentos sociais, igrejas e entidades ligadas a diferentes organizações ganharam espaço nas ruas e na mídia. Podemos afirmar que as SSB’s, juntamente com outras ações da sociedade civil, convergiram, no ano 2000, para a realização de uma iniciativa das mais expressivas na arena política brasileira das últimas décadas: o Plebiscito da Dívida Externa. Precedido de um Simpósio e de um Tribunal sobre o mesmo tema, o pleito mobilizou nada menos do que 120 mil agentes, lideranças e militantes num trabalho voluntário que, entre os dias 2 e 7 de setembro, levaram às urnas um número superior a 6 milhões de pessoas. Mais de 95% dos votantes se declararam a favor de uma imediata auditoria pública da dívida externa e questionaram os acordos que vêm sendo celebrados entre o governo e o FMI. A partir desta experiência bem sucedida nasceu a idéia de um segundo Plebiscito, desta vez sobre a ALCA. Análises recentes têm revelado a inviabilidade de um acordo entre economias tão díspares como os EUA, de um lado da mesa, e os países latino-americanos e caribenhos, do outro lado. Trata-se da potência mais poderosa do planeta em confronto com economias extremamente fragilizadas. A abissal diferença entre os parceiros aborta pela raiz qualquer possibilidade de negociação que mereça este nome. Como colocar no mesmo campo de batalha forças tão assimétricas? Evidente que se trata de um jogo de cartas marcadas. Numa competição desigual e desleal, os fortes tendem a se fortalecer e os fracos a se enfraquecer. Ao juntar na mesma arena raposa e galinhas, a tendência é estas serem implacavelmente devoradas por aquela. Resulta que a possibilidade de aprovação da ALCA constitui uma ameaça suspensa sobre nossas cabeças. Mais do que "livre comércio", deve- se falar de anexação ou neo-colonialismo, onde os representantes da nova metrópole traçam regras unilaterais para defender seus interesses. Mais do que tratado, estamos diante de uma imposição do norte sobre os países empobrecidos do sul. Mais do que negociação, o que está em jogo são as estratégias econômicas, financeiras e militares do Império. Esse estado de coisas agrava ainda mais a dependência externa da América Latina em relação ao capital financeiro, compromete o destino dos povos e aprofunda as dívidas sociais dos setores excluídos da população. Os governos e elites nacionais, por sua vez, ao mesmo tempo cúmplices, reféns e capatazes dos mega-investidores internacionais, rezam pela cartilha do FMI, enquanto travam lutas encarniçadas para se perpetuar no poder. São já conhecidas as conseqüências da ALCA. Entre elas, podemos destacar, antes de tudo, o sucateamento e o declínio da pequena produção nacional, tanto na agricultura como na micro e média empresa, da mesma forma que a precariedade cada vez mais grave dos serviços públicas de saúde, educação, habitação, reforma agrária, entre outros. Se o estado- nação já vem sendo desmontado pela avalanche neoliberal, a ALCA acabará por asfixiar completamente qualquer tentativa de retomar as políticas públicas, levando os governos às medidas compensatórias. Decorre disso, em segundo lugar, o aumento do desemprego. A falência em série de inúmeras iniciativas familiares, por exemplo, e dos empreendimentos de pequeno porte deverão atirar muita gente às ruas, prontas a disputar as migalhas do mercado informal. Os dois fatores apontados levam a um terceiro: o desenraizamento de grande parte da população, seguido de migrações massivas, com o agravante da situação de clandestinidade para os imigrantes ilegais e das barreiras à circulação dos trabalhadores. Se o capital e as mercadores são livres para ir e vir, o mesmo não ocorre com o trabalho. Enfim, não podemos esquecer a depredação e desperdício dos recursos naturais e a contaminação do meio ambiente, além da mercantilização e monopólio indiscriminados da água e das fontes de vida - risco simbolizado na proliferação dos produtos transgênicos. O risco exige imediata tomada de posição. Daí a proposta do Plebiscito Continental sobre a ALCA. O grito da manifestante desconhecida nas ruas de Buenos Aires é um alerta. No Brasil, a organização encontra- se de vento em popa, com encontros massivos de formação e capacitação de militantes em todos estados e farta elaboração de subsídios. Tanto o Grito dos Excluídos - nacional e continental - quanto o Plebiscito, questionam radicalmente a proposta da ALCA. Ambas as iniciativas, casadas em 2002 como o foram no ano jubilar, têm como principal objetivo ampliar o debate e questionar o modelo neoliberal. É necessário que os cidadãos participem na busca de alternativas ao modelo vigente. Iniciativas como o Grito dos Excluídos/as, o Plebiscito e o Fórum Social Mundial, por exemplo, apontam para a necessidade de envolver a todos na construção de uma nova sociedade: justa, plural, solidária e fraterna. Brasília/DF, 24 de abril de 2002
https://www.alainet.org/es/node/105991?language=en
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