Os desafios para Lula
12/06/2002
- Opinión
Os últimos acontecimentos na política brasileira, aqueles voltados para o processo
sucessório, não deixam margem a dúvidas que o jogo vai ser mais que pesado. Sujo.
Desleal. Traiçoeiro. É esse o desafio que Lula tem que superar: encontrar meios de
anular toda a sorte de trapaças que vem sendo cometidas, metódica e
disciplinadamente, pelas quadrilhas que controlam o País.
Por mais que Duda Mendonça tenha competência marqueteira para fabricar e montar um
candidato palatável aos interesses da elite, o caminho de Lula é exatamente o
contrário: fazer-se acreditado pela imensa maioria de trabalhadores brasileiros, os
desorganizados. Os que acham que correm riscos com qualquer mudança. A turma do
“cartão cidadão”, uma das mágicas da troupe de FHC para ganhar as eleições.
Os que preferem, para não correr os tais riscos, sabe-se lá quais, mas existem no
imaginário dessas pessoas, deixar como está e ver como fica, ou não ver. São os
riscos montados por grupos terroristas do mundo das finanças e divulgados pelos
meios de comunicação. Esses eleitores mantêm Paulo Maluf liderando as pesquisas
para o governo de São Paulo, mesmo sabendo que Maluf rouba. Mas votam nele porque
Maluf faz. Faz o quê? Não interessa, Maluf faz.
O problema é explicar a essas pessoas que aqueles imensos mergulhões, viadutos, não
foram construídos para que pudessem morar sob eles. Mas para fazer escoar e circular
a turma de cima.
Isso sem falar na classe média, cuja maior preocupação hoje é outro tipo de risco: o
dos integrantes da casa do Big Brother, que estão trepando sem camisinha e dando um
péssimo exemplo para os jovens. Até para isso o esquemão de FHC já tomou
providências: mandou uma carta, através de um departamento do Ministério da Saúde,
fazendo um apelo à patota para tomar cuidados e cautelas capazes de orientarem os
brasileiros para o procedimento correto, sobretudo os jovens.
Parece coisa de gente sem o menor resquício de vergonha e é. É a característica de
FHC: a amoralidade. Vender a mãe se preciso for para garantir o pão de cada dia. Mas
em dólar, lógico e em paraísos fiscais. Há toda uma série de fatos que mostram que a
direita acelerou e quer passar como um trator por sobre o candidato de oposição. E
todos, depois de bem sólidos alicerces plantados para evitar que um vento mais forte
atrapalhe os planos para a continuidade do projeto “compre o que resta do Brasil,
antes que sopre o furacão Argentina”.
Vejamos as declarações de Soros e logo em seguida do presidente da Câmara de
Comércio Brasil-Estados Unidos de São Paulo, principal centro econômico do País.
Ambos, na mesma semana, foram taxativos ao dizer que para o capitalismo Lula não
interessa e que quem decide as eleições são os interesses deles. Soros foi mais
preciso: “o império norte-americano”.
Os dois deixaram claro não acreditar na versão soft de Lula. Insinuaram que trata-se
de uma armadilha. Que eleito, voltaria às suas posições anteriores.
Isso não é nem uma convicção, muito menos uma análise, apenas a parte que lhes cabe,
neste momento, no imenso areal que apresenta-se pela frente. Tentam anular, por
antecipação, a estratégia do candidato do PT: a de se mostrar “atualizado”,
“moderado”.
E Lula e seu séquito, todos eles, são culpados disso. Atiraram-se com tal sede ao
pote que não perceberam que falavam apenas para os donos do poder. Estavam deixando
de lado os trabalhadores. E muito mais que os trabalhadores: a grande parcela de
brasileiros desorganizados, longe dos movimentos populares, mas susceptíveis de
serem influenciados por cesta básica, bolsa escola, cartão cidadão, todas as medidas
eleitoreiras do poder.
É como uma luta de box. Subestimaram o adversário, acreditaram que haviam encontrado
a chave para o nocaute, esqueceram-se que o juiz (Nelson Jobim) é deles. Os jurados
também e por isso valem os golpes baixos.
O desafio de Lula não é nem debater socialismo e revolução, num momento em que o
País desintegra-se a olhos vistos e marcha com rapidez impressionante para um caos
maior que ele mesmo. A inconseqüência, a leviandade deliberada de FHC, sua
subordinação aos interesses do capital, não são gratuitas. São parte da luta.
O desafio de Lula é mostrar aos brasileiros que a vitória vai ser o reencontro com a
perspectiva de que tenhamos uma nação íntegra, soberana e capaz de construir e fazer
seu destino. O debate sobre como fazer vem depois.
Um jornal brasileiro, na edição de quarta-feira, trouxe uma interessante matéria
sobre a frase de Luís XV: “depois de mim o dilúvio”. O desafio de Lula não passa
por mostrar-se uma “violetera” domesticada, educada e apta a freqüentar os grandes
salões, mas alguém consciente do desmanche nacional, em todos os sentidos e de
propor políticas capazes de reverterem esse quadro.
O que fazer todos sabemos. Como fazer só vai ser possível um debate correto se a
oposição institucionalizada for capaz de mostrar ao Brasil inteiro que o que temos
não é uma eleição típica, como em muitos países: mas uma guerra entre quadrilhas que
controlam o poder.
Lula light ou soft Não muda nada, parte de uma premissa equivocada. Dá ensejo a que
um boçal como o tal presidente da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos tenha o
seu momento de glória e fama nos meios de comunicação, fora do seu ambiente de
“quanto que eu levo”. Fature um extra por serviços extraordinários.
FHC e sua turma dispõem do controle dos principais meios de comunicação. A RBS, rede
de televisão do sul do País e controlada pela “Globo”, da mesma forma que a maior
rede brasileira em 1989 arranjou a mãe da filha de Lula, já apresentou uma
testemunha que teria sido subornada pelo PT. Referia-se à CPI contra o governador
Olívio Dutra. O Rio Grande do Sul é estratégico para os donos e lá o candidato do PT
ao governo é líder nas pesquisas.
Isso é só o começo. Vem chumbo grosso por aí. O jornalista Ricardo Boechat, há cerca
de um mês em sua coluna no “Jornal do Brasil”, informou e não foi desmentido, que
FHC mandou “a Polícia Federal dar uma vasculhada em Lula”. No Brasil isso significa
fabricar um dossiê. O controle é total e absoluto do processo. Começa nas manobras
do Planalto. Passa pela desmoralização e subordinação do Judiciário eleitoral aos
interesses dos donos. Pelo terrorismo sobre o caos com Lula. Pela compra de partidos
como a do PMDB e termina na urna eletrônica. A fraude anunciada. Ganha quem os donos
desejarem. O voto nas circunstâncias atuais é uma farsa, um engodo.
É lógico e todos percebemos isso, há uma sensação de fastio de toda essa sordidez
que permeia FHC e tudo que ele toca. Ele ou os seus. Mesmo esses expedientes todos
não conseguem fazer com que as pessoas tenham simpatia ou segurança com a
candidatura de José Serra, a continuidade do modelo atual.
Mas há por outro lado e com isso esgrimem, ou boxeiam muito bem, o medo do
conseguiram inculcar no brasileiro, do que chamam de desconhecido. É como o medo da
morte. E olha que o sujeito sabe que vai morrer, mas acredita que pode empurrar com
a barriga.
Lula não ganha entre os que moram sob viadutos, pontes, debaixo das marquises,
quando esses votam. Nem dos rincões do Nordeste, onde Inocêncio Oliveira usa o
dinheiro público para construir poços em suas fazendas, pagar dez reais por voto no
dia da eleição e ganhar sempre. Ou do que Tancredo chamava de “burgos podres”,
controlados pelos coronéis da política, todos ligados ao PMDB, ao PFL, ao PSDB, ao
PPB, as maiores agências de “negócios” na política brasileira.
Lula tem o voto da insatisfação. Tem o voto da indignação. Tem o voto consciente.
Só que a maioria ainda é silenciosa, bem ao gosto da frase de Nixon e vota tangida.
Não porque queira, mas porque o Lula light não chega até eles e quando chega, chega
na forma de demônio.
O que Lula tem não é o suficiente para ganhar. Mas pela primeira vez, desde sua
primeira candidatura, é a real oportunidade que tem de vencer as eleições. Para
vencê-las só precisa de ousadia. De coragem. De dizer aos brasileiros que o Brasil
como o queremos não existe sob o saque dessa gente do poder. Cabe a nós retomá-lo e
aí sim, fazê-lo. Não é bem refazê-lo. O que foi feito não serviu para nada, ou quase
nada, foi feito por “eles”. É fazer mesmo.
E mais, bem mais que isso: denunciar a fraude das urnas eletrônicas. O controle dos
meios de comunicação de massas e as garras do terrorismo norte-americano e
financeiro internacional postas sobre o Brasil. Botar os olhos do mundo sobre essa
imensa operação de tráfico de “drogas”: Serra, PSDB, a corja.
O candidato do PT, até onde se sabe, não quer participar de atos contra a cessão da
base de Alcântara aos Estados Unidos para não desagradar aos norte-americanos nesta
fase da campanha. Se for isso mesmo é preferível ir para casa. Lula ou José Serra
não fazem a menor diferença.
O deputado José Genoíno passou esses anos todos dizendo que o PT vai pagar a dívida
externa. Que o PT está “maduro” para governar o Brasil. Que o PT não é
irresponsável. Que o PT cumpre compromissos. Que violência combate-se com Polícia
nas ruas. E sandices e bobagens desse tipo querendo parecer a grande cópia dum
tucano qualquer. Não consegue ultrapassar a barreira de oito por cento de percentual
de intenções de votos em São Paulo.
Lula tem que perceber que à cópia, a turma prefere os originais. É isso ou ir para o
brejo, chutar para fora, quando a bola está quicando na frente do gol, pronta para
aninhar nas redes.
O que os brasileiros ávidos de entender Lula desejam é votar em alguém que seja
diferente em tudo e não um FHC honesto. Isso não existe. Pior que isso só Garotinho
batendo à sua porta, ou entrando em sua sala pela televisão e dizendo que está
trazendo a "salvação".
https://www.alainet.org/es/node/105979?language=en
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