O terceiro turno
09/06/2002
- Opinión
Tudo aponta para a vitória eleitoral do projeto-Brasil-diferente. Mas essa vitória não garante que nasça, de fato, um Brasil diferente. Depende da hegemonia que as forças libertárias puderem garantir. Depende também da capacidade de encontrar uma saída para a crise econômico-financeira que ameaça transformar o Brasil numa nova Argentina. A despeito da retórica oficialista, encobridora dos fatos, o desafio a ser enfrentado é este: o dilúvio que o atual presidente preparou para seu sucessor, pouco importa qual seja com a impossibilidade de pagar a dívida interna e externa que cresce dia a dia com os juros altos, dívida que está impossibilitando políticas públicas, responsáveis, em grande parte, pela dramática exclusão social e por nosso atrelamento aos interesses do projeto-mundo. E para agravar ainda mais a situação a pífia taxa de crescimento anual, incapaz de atender às demandas do mercado de trabalho. E não há de se subestimar o poder das elites derrotadas. Farão de tudo para abortar o projeto-Brasil-diferente porquel nunca viveram fora do poder e de seus benesses. Podem perder sem serem vencidas. Daí que haverá, impreterivelmente, um terceiro turno, tão importante quanto o primeiro e, eventualmente, o segundo: a consolidação da vitória com a implantação do novo e a projeção de um outro horizonte de esperança social. O projeto-Brasil-diferente para ganhar este terceiro turno, deverá, necessariamente, costurar uma articulação das forças mudancistas que desarme as estratégias dos continuistas, consiga até aliados dentre eles, para garantir a governabilidade e impôr a re-invenção de um Brasil sobre outras bases. Essas bases signficam fundamentalmente uma re-definição das prioridades. Centralidade deverá ganhar o social: produção massiva de alimentos, vasto investimento em saúde, erradicação em pouco tempo do analfabetismo e implantação da educação nos moldes já ensaiados com sucesso em vários governos petistas, apôio expressivo às empresas micro, pequena e média, já que elas garantem hoje 60% dos empregos e asseguram grande parte do que consumimos, incentivo a formas alternativas de energia a partir de nossa riqueza natural e, por fim, suporte a uma tecno-ciência adequada à variedade de nossos ecosistemas. O efeito final desta estratégia será a diminuição significativa da violência social e a certeza de que o Brasil pode dar certo. É a revolução possível em curso, sempre frustrada pelas elites que cinicamente diziam: façamos nós a revolução antes que o povo a faça. E sabemos que tipo de revolução elas fizeram e que são capazes de ainda fazer. Para essa revolução, os novos atores precisam de eminente sabedoria política, urdida de determinação e de prudência. Determinação, no estabelecimento das metas e prudência, em sua implementação, somando energias com outros, mas sob sua hegemonia, clara e forte. Pois, desta vez não é permitido errar, a preço de se ver jogada no ralo da desesperança a energia acumulada em quinhentos anos. O processo seria retardado por gerações. Nossos filhos e netos não merecem herdar esta frustração. Ou então não seria melhor perder para continuar a acumular até que o tempo da revolução amadureça como o irreprimível advento da primavera? Para o sucesso, segundo Maquiavel, se precisa da virtù, vale dizer, da sorte histórica ou da estrela benfazeja. E esta já irrompeu no céu político de nossa pátria. * Leonardo Boff,Escritor
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