Mutirão nacional contra fome

11/06/2002
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Os 50 anos da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) estão sendo comemorados com uma nova campanha contra a indigência em que vivem 44 milhões de brasileiros. Dos que trabalham, 24,4% sobrevivem com menos de um salário mínimo por mês, sendo que 51,9% ganham no máximo dois salários mínimos (IBGE, Censo 2000). A assembléia episcopal lançou, em abril, o documento "Exigências evangélicas e éticas de superação da miséria e da fome". Nele, os bispos renovam "a evangélica opção preferencial pelos pobres" e propõem realizar "um mutirão mobilizando as dioceses, comunidades, movimentos e pastorais" para a conquista do direito ao alimento e à nutrição. Para o episcopado, a causa da fome é a má distribuição de bens e renda, agravada pela prática generalizada de desperdício. A série de reportagens exibidas, há meses, no Jornal Nacional, revelou que, no Brasil, cerca de 35% da produção agrícola vai para o lixo. Um luxo num país com tantos famintos. Segundo a CNBB, não se justifica haver fome num país em que a produtividade agrícola é superior ao crescimento da população. Isso se deve à lógica do mercado, que retira do Estado a sua função social e política; e aos cortes freqüentes nos recursos orçamentários, para gerar superávit destinado aos serviços da dívida pública. Os profetas do Antigo Testamento acentuavam o vínculo entre culto a Deus e prática da justiça, em defesa dos oprimidos (Isaías 1,17; Jeremias 7,3-7). Para a Igreja católica, o direito à vida exige justiça distribuitiva e coloca-se acima dos critérios do mercado. Daí a importância de todos terem acesso às fontes de vida ­ terra, água, sementes, tecnologia etc. O documento da CNBB enfatiza a urgência da reforma agrária e de uma política agrícola, "o controle da especulação financeira, que aplica capitais nos mercados futuros, negociando mercadorias meramente virtuais, em vez de aplicá-las na produção de bens reais. Esta especulação agrava os efeitos nocivos da globalização, pois até mesmo os capitais dos países pobres foram atraídos para a ciranda financeira mundial". A exigência ética do respeito à vida requer do poder público priorizar o atendimento a quem passa fome e vive na miséria, "ainda que para isso venha a alterar ou reduzir o pagamento de suas dívidas, pois a fome não espera e a vida está acima da dívida". A CNBB está propondo que se formem, em todo o país, grupos pró- Mutirão Nacional para a Superação da Miséria e da Fome. Tais grupos teriam como tarefas: 1) Identificar as necessidades da população do município; 2) Acompanhar criticamente a atuação dos Conselhos Paritários e de Direitos (saúde; criança e adolescente; educação; assistência social etc.); 3) priorizar o acompanhamento nutricional de gestantes, e de crianças até 6 anos de idade, e exigir o efetivo funcionamento do Sistema de Vigilância Alimentar Nutricional; 4) Preparar pessoas e lideranças para a função de multiplicadores. O trabalho do Mutirão Nacional priorizará a campanha pela construção de 1 milhão de cisternas no semi-árido brasileiro; a campanha nacional pelo limite máximo da propriedade da terra; a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas; a participação consciente nas eleições deste ano; e a criação de comitês da lei 9840, contra a corrupção eleitoral. Como Bom Samaritano, a CNBB continua atenta à realidade social do país e, agora, ao processo eleitoral, denunciando o terrorismo daqueles que falam em democracia, mas não admitem a mudança de rumos na política econômica do país. Por isso, procuram assustar os eleitores evocando o fracasso argentino e a retração dos investidores estrangeiros. Convém lembrar que, tanto a Argentina quanto os investidores, têm um só mestre e senhor: o FMI. Talvez seja hora de os brasileiros darem ouvidos à própria capacidade de administrar este país, e não àqueles que levaram a Argentina à falência. * Frei Betto é escritor, autor de "Hotel Brasil" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/105970?language=en
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