A ruptura instauradora

09/06/2002
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Nunca houve na história do Brasil ruptura instauradora que interrompesse nossa herança colonial, neocolonial e globocolonial. As elites que ocuparam o poder político desde o século XVI jamais foram apeadas dele. As mudanças havidas nunca trocaram a natureza deste poder que sempre foi elitista e excludente, frustrando o projeto-Brasil-de-todos. Os poderosos, em tempo algum, se reconciliaram com o povo, negaram-lhe direitos e o empurraram para a marginalidade, onde pensam que lá é seu lugar natural. O inconformismo popular foi sempre reprimido com extrema violência a ponto de o historiador mulato Capistrano de Abreu ter dito rudemente que “o povo foi capado e recapado, sangrado e ressangrado”. Não obstante e contra a vontade das elites, sempre submundializadas, criou-se aqui, ao longo de cinco séculos, um experimento civilizacional singular. No dizer do saudoso historiador José Honório Rodrigues, “somos uma república mestiça, étnica e culturalmente. Não somos europeus nem latinoamericanos. Somos tupinizados, africanizados, orientalizados e ocidentalizados. A síntese de tantas antíteses é o produto singular e original que é o Brasil atual”. Deste caldo cultural está surgindo uma nação inventada por nós mesmos, com características próprias, capaz de fundar um Brasil de outros quinhentos. Uma utopia-Brasil-diferente está em curso, gestada no seio das classes populares, nos movimentos sociais libertários, nos sindicatos autênticos, nas igrejas da libertação, nos segmentos das elites econômicas, intelectuais e artísticas que se associaram à causa dos oprimidos. Tais atores criaram expressivo poder social de resistência e de libertação, que está se canalizando em poder político, sem se esvaziar como poder social. Surgiram partidos identificados com a utopia-Brasil- diferente. E já realizaram tanta acumulação que, articulados, podem comparecer como novo sujeito histórico, capaz de ocupar o estado e conferir outra natureza ao poder. Desta vez o poder é para criar a sociedade brasileira a partir de baixo, democrática, popular, aberta à nova fase da humanidade, a planetária, mas de forma soberana e não subalterna, sociedade na qual todos possam caber, a natureza incluida. O que está em jogo nas próximas eleições é precisamente o confronto de duas opções: aquela da continuidade que prolonga a lógica do passado, se orienta pelo projeto-mundo no qual o Brasil entra como sócio menor e agregado, sob o férreo controle dos paises opulentos e militaristas do capitalismo globalizado; e a outra, da ruptura instauradora que re-inventa o Brasil, com projeto nacional autônomo, aceita entrar na globalização, fase avançada da humanidade, de forma soberana e crítica, consciente do que podemos, como nação, dar e receber. É imperativo que a utopia-Brasil-diferente triunfe nas próximas eleições para romper o eterno pacto conservador e fundar uma nova esperança. Se não o fizermos agora, o Brasil poderá ser amarrado ao destino do projeto-mundo da globocolonização com um nó indesatável e irreversível. O tempo corre veloz e contra o propósito libertário. Os indicadores apontam para a vitória do novo sujeito histórico emergente. E como bem sentenciava Dom Quixote, “não devemos reconhecer as derrotas, sem antes dar as batalhas”. E desta vez, vamos dá-las todas, todas. * Leonardo Boff, Teólogo
https://www.alainet.org/es/node/105967?language=en
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