E a libertação continua
20/05/2002
- Opinión
Não são poucos os que perguntam: à quantas anda a teologia da libertação?
Não obstante o persistente controle por parte das autoridades
doutrinárias do Vaticano, ela continua viva nas Igrejas que tomaram a
sério a opção pelo pobres, contra a pobreza e em favor da vida e da
libertação. Marx não foi nem é pai e padrinho deste tipo de teologia.
Ela nasceu como resposta ao grito dos oprimidos e dos estertores da
Terra. Ao agravar-se a injustiça social e ecológica, esse grito se
transformou hoje em clamor. Daí a permanente atualidade da teologia da
libertação nos lugares onde cristãos se recusam a aceitar essa anti-
realidade e encontram em sua fé motivos poderosos para lutar contra ela,
ombro a ombro com outros.
No âmbito das Igrejas ela lançou raízes nas cem mil comunidades de base,
nos milhares e milhares de círculos bíblicos e nas várias pastorais
sociais. Nestes espaços os cristãos aprendem a confrontar página da
Bíblia com página da realidade e derivar compromissos transformadores.
No âmbito da sociedade, a teologia da libertação ganhou corpo em inúmeros
movimentos sociais, como nos Sem-Terra, em alguns movimentos de negros,
de indígenas, de mulheres marginalizadas e outros. A assim chamada
Igreja da libertação comparece como uma das forças que ajudou a fundar o
Partido dos Trabalhadores e ainda hoje lhe dá substâcia ética e
espiritual e lhe garante caráter popular.
Fenômeno relevante é constatar que ela penetrou no campo especificamente
político e contribuíu na elaboração de uma nova ética pública. Como se
não bastasse, fêz suscitar uma mística de transformação e de cuidado para
com as coisas do povo, sem a qual as políticas sociais correm risco de se
atolarem no pântano do populismo e desembocarem em medidas pobres para
com os pobres.
Pude constatar tal fato nos inícios de maio quando me coube dar palestras
e debates, a convite de grupos da Igreja da libertação e do Governo
petista de Jorge Viana no Acre. Estive muitas vezes neste Estado nos
anos 70 e 80, pois aí se instaurava um dos ensaios de Igreja libertadora
dos mais consistentes sob a animação da excepcional figura do bispo Dom
Moacyr Grecchi e hoje continuada pelo Pe. Luiz Ceppi, articulador
inteligente entre fé, política e libertação. Esta Igreja não só
organizou vasta rede de comunidades eclesiais de base senão que formou
quadros comprometidos com a realidade da floresta. Estes quadros
ganharam hoje a cena política, como o Governador Jorge Viana, seu irmão,
o senador Tião Viana, a seringueira e senadora Marina Silva, o deputado
federal e teólogo leigo Nilson Mourão entre tantos outros, de grande
valor ético e político. Eles implementam uma política democrática e
popular, realmente inspirada nos ideais da libertação.
Não há espaço para detalhar os conteúdos do projeto político em curso no
Acre. Mas cabe ressaltar duas características relevantes. A primeira, a
criação de uma metáfora forte que define ação política: “governo da
floresta” e “florestania”. Desenvolvimento não se faz destruindo a
floresta, mas preservando-a, extraindo dela sua incomensurável riqueza e
integrando quem lá habita.
A segunda, foi a de ter criado uma verdadeira mística de re-invenção do
Acre que se apoderou das mentes e corações de seus operadores. Irradia-
se uma aura benfazeja que impregna a todos, num despojamento exemplar dos
símbolos de poder em função dos ideais de cuidado com o bem comum e de
aproximação à realidade crua do povo.
Mais importante que a teologia da libertação, é a libertação concreta dos
oprimidos. Tal evento é parte da política de Deus no mundo, chamada, não
Igreja, mas Reino de Deus.
Leonardo Boff, teólogo
https://www.alainet.org/es/node/105932?language=es
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