Amazônia, Povos Indígenas e Projeto Nacional Popular
12/05/2002
- Opinión
A Amazônia na construção de um projeto para o país. Tem gente que acha que
poderia ser melhor o contrario: o país na construção de um projeto para a
Amazônia. Porém, as duas perspectivas não são contraditórias, mas sim
complementarias. Uma vez que é preciso situar a luta local no âmbito maior,
marcado pela globalização.
Preocupa-me, quando discutimos projetos alternativos, quiçá levados pela
indignação, o que parece lógico, pela vontade de nos contrapor e fazer o
contrário do que nos é imposto: políticas de integração, que priorizam o
mercado, a dimensão econômica e comercial, o desprezo pela vida; falamos, por
exemplo, enfaticamente em desenvolvimento sustentável, sem perceber que podemos
estar repetindo o linguajar que o próprio neoliberalismo nos impõe.
Não esqueçamos que os países ricos e seus instrumentos de dominação (OMC, FMI,
Banco Mundial, ALCA, Consenso de Monterrey etc.), também falam de
sustentabilidade. De quê desenvolvimento sustentável nós falamos? Não estaríamos
falando da implementação de projetos que aprofundam a nossa dependência e a
nossa instrumentalização no meio e longo prazo pelos interesses estratégicos dos
países ricos? Projetos esses que podem estar penhorando as nossas riquezas
naturais, de solo e subsolo, e a nossa biodiversidade, em outras palavras, o
nosso futuro? Necessitamos nos debruçar sobre estas questões e pensar o quê
mesmo queremos, desde a realidade concreta dos nossos povos e comunidades.
Também me parece que não é suficiente listarmos uma série de demandas, seja a
respeito do meio ambiente, do aproveitamento dos recursos naturais, da infra-
estrutura e dos serviços básicos essenciais, se não identificarmos a demanda-
mãe, se não situarmos as nossas propostas no contexto de um projeto maior. É um
direito nosso demandar e fazer propostas de política pública, mas nada disso é
possível se não quebramos os cenários instituídos exatamente para obstaculizar
sua implementação: a dívida externa, por exemplo, responsável pela sangria, o
deterioro e a desagregação social em nossos países, como foi no México, como
está sendo na Argentina. Não podemos perder de vista a prática diabólica do
imperialismo e dos organismos multilaterais, que ficam esperando que a crise
leve os nossos países até o fundo do pouço, para finalmente socorre-los, já sob
condições de poder impor com facilidade suas políticas de ajuste, e barganhar,
até onde podem, a troco de mais dívida, valores estratégicos do nosso patrimônio
nacional: petróleo, empresas públicas, recursos naturais em geral.
Acontece tanta coisa e nós ficamos imobilizados. Qual é o projeto de Nação que
nos queremos? O quê a esquerda brasileira nos apresenta, neste período
eleitoral, como alternativa? Qual é o nível de participação que o povo tem na
formulação dessa proposta? É possível construir um projeto democrático e plural,
que abarque, sem distinção, os interesses e perspectivas de índios, camponeses,
mulheres, negros, operários, e demais setores oprimidos e marginalizados?
A diversidade de realidades, formas de pensar e agir é uma riqueza e não
deveria ser visto como um obstáculo à nossa unidade. É preciso encarar o desafio
de construir a unidade na diversidade, de superar o sectarismo, o complexo de
cada um se achar o dono da verdade. Sem essa união não chegaremos a lugar
nenhum. Sem comprometer a autonomia dos diferentes movimentos e sem abrir mão
dos nossos princípios, temos de atualizar os nossos métodos de luta e parar de
repetir chavões de 15 ou 20 anos atrás, cujo efeito político já é inoperante,
mas que isso não signifique começar a repetir mecanicamente novos conceitos hoje
apropriados pelas elites. É o que acontece, por exemplo, quando falamos de ampla
participação da "sociedade civil". Como foi no caso da sustentabildade, de quê
sociedade civil falamos? Lembre-se que foi sob esse nome que a Federação das
Câmaras de Industria e Comércio, a classe média e a cúpula do sindicato dos
petroleiros, saíram às ruas e fraguaram o golpe de Estado que tirou por algumas
horas o presidente Chávez do poder na Venezuela. É preciso entender as razões
que configuraram esse quadro no país vizinho. Lá, de 10 milhões da população
economicamente ativa, mais da metade, 5.5 milhões, na economia formal e 1.5
milhão desempregada, sendo que apenas 15% está sindicalizada. Daí que só um
pacto com a cúpula sindical somaria a farsa da "sociedade civil".
Portanto, não podemos seguir repetindo mecanicamente termos, que além de serem
manipulados pela oligarquia, nacional e transnacional, foram cunhados pela
intelectualidade européia, os franceses, que igualmente cunharam a categoria
América Latina, para nos diferenciar dos anglosaxones. Precisamos recuperar o
que é nosso, sem a vergonha de quem renega seu passado. Pensemos e construamos a
partir da nossa realidade. Voltemos a levantar a bandeira do democrático e
popular, do projeto alternativo, da aliança indígena, negra e popular, da
participação cidadã, do sujeito político, da organização e mobilização social.
Porque não há dúvida, os Estados nacionais acabaram nas análises dos neoliberais
mas, no fundo, continuam sendo úteis ao capital, como espaços diferenciados de
especulação e farra. Nessa perspectiva, continuam em jogo dois projetos de
nação: o das elites, nacionais e transnacionais, e o dos empobrecidos, índios,
camponeses, negros, mulheres etc. Em período eleitoral, qual é o Projeto de
Nação que as esquerdas apresentam para nós. Um projeto no qual sejam
reconhecidos e respeitados os direitos de todos esses setores, e que por sua vez
esteja articulado com muitos outros projetos dos excluídos e marginalizados das
outras partes do mundo?
Na luta por essa alternativa precisamos olhar a questão dos povos indígenas da
Amazônia, a luta local e regional, no âmbito maior, nacional e internacional, no
contexto do processo de recolonização do continente que os Estados Unidos
promovem através da proposta de Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e
outros planos de ocupação geopolítica do continente.
https://www.alainet.org/es/node/105902?language=es
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