Pequenas humilhações

05/05/2002
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É a velha história: quanto piores as condições de vida, tanto maior a nossa irritação. O marido desconta na mulher, que desconta no filho, que desconta no cachorro, que desconta no gato... Poucos se indagam por que a vida fica mais difícil, o salário mais curto, os direitos mais distantes. O cotidiano revela uma espécie de guerra surda, não declarada, mas na qual há muitos feridos. São as pequenas humilhações: filas intermináveis nos bancos e nos correios; aumento semanal das tarifas públicas; síndico que confunde autoridade com mau humor e prepotência; ônibus que passa superlotado e não pára ao nosso sinal; telefone que não funciona; criança de rua que rouba o relógio. Sem ufanismo, metemos a viola no saco. Nosso futebol quebrou a perna, o cinema faliu, nossos ases do volante parecem ter morrido com Ayrton Senna. Sobrevivem apenas esses imbecis que, atrás de um volante, se julgam no direito de exigir que o motorista à frente corra tanto quanto eles ou consideram um abuso o pedestre calmamente atravessar a rua. Nenhum país bate o Brasil em mortos no trânsito: 50 mil por ano. E a democracia? A Argentina, aluna aplicada do FMI, afunda que nem o Titanic e ninguém se apressa em socorrê-la. O presidente Chávez, da Venezuela, foi derrubado por um golpe e, rapidinho, FHC manifestou a esperança de que Carmona, que se autonomeou presidente, convocasse eleições... Chávez voltou ao poder e o nosso Presidente ficou com aquela cara de amigo que, para dar força ao colega que se separou da mulher, comenta: "vi logo que ela não prestava". Dia seguinte, o casal se reconcilia... Como nos livrar de tantas humilhações? * Frei Betto é autor de "Hotel Brasil"
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