Um Fórum para durar

08/02/2002
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O êxito do II Fórum Social Mundial de Porto Alegre, que terminou no último dia 5, residiu no modo como soube interpretar o contexto internacional e oferecer uma alternativa credível O segundo Fórum Social Mundial (FSM) correspondeu inteiramente às expectativas. Foi mais uma afirmação pujante do único facto político na cena internacional neste limiar do século, o movimento contra a globalização neoliberal e a favor de uma globalização alternativa, solidária, pautada pelo respeito da dignidade humana. O contexto internacional dos últimos meses que precederam o Fórum não parecia favorável, e houve mesmo quem manifestasse cepticismo acerca da oportunidade do Fórum. O modo como os EUA utilizaram os trágicos acontecimentos do 11 de setembro, para lançar uma guerra global potencialmente sem fim contra um inimigo difuso, pareceu relegar para segundo plano os interesses meramente econômicos da busca incessante de lucros através da ditadura dos mercados contra a qual o povo de Porto Alegre se vinha manifestando. No entanto, os cépticos não tinham razão. Não só mais do que duplicaram os participantes e as organizações e movimentos presentes, como foram muitos mais os temas tratados e as propostas formuladas. Quais foram as razões deste êxito? Distingo duas fundamentais. Em primeiro lugar, o Fórum soube interpretar bem o contexto internacional; em segundo lugar, soube buscar nessa interpretação a nova exigência e a nova urgência dos seus objetivos. Interpretou o ressurgimento da guerra e do militarismo, não como um facto novo e diferente da globalização neoliberal, mas antes como um dos seus componentes, que adquiriu agora mais proeminência e visibilidade, conferindo uma nova complexidade à dominação mundial do capitalismo global. Confrontados com a debilidade e o declínio crescentes da sua economia, inseguros quanto a futuros acessos a fontes de energia, temerosos da concorrência potencial de uma nova moeda forte, o euro, os EUA lançaram mão de um recurso, a guerra e o militarismo, onde detêm total supremacia, com o objectivo de atenuar ou compensar as suas debilidades ou incertezas. O que o neoliberalismo deixou de poder fazer exclusivamente através dos mercados passou a pretender fazê-lo com a guerra. Esta interpretação por parte do Fórum exigiu que este desse uma resposta à altura da nova complexidade da cena internacional. E assim sucedeu. A resposta foi dada a dois níveis. Num primeiro deles, o Fórum procurou dar resposta às novas problemáticas e exigências debruçando-se sobre temas que anteriormente não tinham sido abordados, nomeadamente os temas da guerra e da paz e o tema da segurança colectiva contra a violência estatal ou não estatal. Ante uma globalização neoliberal que se procura reforçar sob a forma de uma cruzada militar contra o terrorismo, o FSM juntou às suas reivindicações econômicas e sociais a reivindicação da paz e de uma concepção de segurança colectiva assente no diálogo e na diminuição das desigualdades sociais, como condição para que a segurança de uns não seja obtida à custa da insegurança dos outros. No momento em que os EUA procuram justificar, com a cruzada antiterrorista - como antes fizeram com a cruzada anticomunista e a cruzada antidroga -, a imposição da sua vontade a todos os países do mundo e, nomeadamente, aos seus rivais econômicos, a União Européia e o Japão, e parecem fazê-lo com pleno êxito, o encontro de Porto Alegre afirmou-se como o único acontecimento político internacional deste período realmente autônomo em relação às imposições norte-americanas. Ao contrário, o FSM orientou-se apenas pelos seus objectivos próprios e alimentou-se com a energia de todos os que vêem nesses objectivos o único modo de sair de um mundo injusto, destruidor da vida e da natureza, movido, não pelas necessidades da humanidade, mas pela avareza daqueles que se pretendem apropriar dela. Mas o FSM respondeu ao contexto internacional com um segundo nível de respostas. Teve uma preocupação consistente em complementar o discurso da denúncia com a apresentação de propostas. O segundo Fórum foi, assim, muito mais conclusivo e propositivo. Redigiram-se centenas de documentos com milhares de propostas sectoriais para serem transformadas em temas de lutas políticas nos diferentes países e globalmente. E esta preocupação começou desde logo com a necessidade de defender a legitimidade dessas lutas contra um contexto securitário e militarista e a tentação autoritária que dele emerge no sentido de criminalizar as manifestações de protesto contra a globalização neoliberal. Assim, as centenas de cidades que participaram no Fórum Mundial das Autoridades Locais, que se reuniu nos dias imediatamente anteriores ao FSM, comprometeram-se a defender o direito às manifestações. Contra um clima de guerra, as propostas afirmam o valor supremo da paz. Contra a concorrência desenfreada pelo acesso aos recursos naturais e pela privatização daqueles que até agora foram livres e públicos, o FSM aborda pela primeira vez a questão da água e propõe que ela seja considerada património mundial da humanidade. O êxito do FSM esteve muito para além do que nele se decidiu. Esteve na afirmação e consolidação desta gigantesca rede de movimentos sociais e de organizações, uma rede que não se deixou intimidar pelos acontecimentos recentes e que, pelo contrário, colheu deles a urgência para prosseguir e ampliar a pressão organizada e pacífica contra aqueles que pretendem transformar o mundo num gigantesco condomínio fechado. * Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal)
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