Quem está cego para a história?

29/08/2001
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No dia 28/08/01, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao sancionar a lei que cria o sistema público de registro de terras, pronunciou um discurso em que afirmou que o seu governo "está fazendo uma transformação social como nunca foi feita em outro período da história." Afirmou que o MST, apesar dos excessos que comete "prestou uma cooperação à mudança da sociedade brasileira". "Dizem que o governo não faz nada porque são cegos para a história, mas não são cegos para os interesses imediatos de muita gente que precisa de uma ação rápida". "E não foi só o MST, são muitos movimentos sociais. Mesmo aqueles documentos, alguns da Pastoral da Terra, altamente, eu diria até injustos, alguns baseados em dados profundamente equivocados, nunca reconheceram o óbvio. Não obstante ajudaram para que o óbvio pudesse existir." Diante disto a CPT quer reafirmar o que tem dito inúmeras vezes. As medidas que o governo FHC tem adotado para "conter os excessos" dos movimentos sociais, como a criminalização das ocupações de prédios públicos, o não assentamento das pessoas que fazem ocupações de prédios públicos ou de terras, o cadastramento dos sem terra pelo correio, são todas medidas autoritárias e antidemocráticas que visam diretamente impedir a ação e força dos movimentos sociais. Estas medidas visam diretamente desmantelar a organização e a mobilização dos Movimentos Sociais. No âmbito da Reforma Agrária tem sido feito muito mais propaganda do que ações reais. O orçamento do Incra neste ano de 2001 é o mais baixo de todo o governo FHC, 1.227 milhões Do orçamento para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, 1,5 bilhão, do qual faz parte o INCRA, segundo dados do INESC que faz o Acompanhamento de Execução Orçamentária, até o dia 03/08/01, foram gastos apenas 106,5 milhões, ou seja 7,09%. Por outro lado, em propaganda, foram gastos 45% do orçamento. Realmente o governo FHC foi quem mais assentou famílias no campo (400 mil), segundo ele mesmo anuncia, mas como conseqüência da política econômica adotada muito mais famílias foram obrigadas a deixar o campo no mesmo período (400 mil só de 1995 a 1998) e a tendência é o total esvaziamento do campo. A agricultura familiar de forma alguma é prioridade do governo. Ela é tratada com políticas compensatórias e a ela são destinadas migalhas, de forma que os diversos movimentos tem que se engalfinhar para conseguirem dividir entre si estas migalhas. Dos 213 milhões orçados para a Agricultura Familiar, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, foram gastos até 03/08/01, apenas 800 mil reais, 0,41%. Obedecendo aos ditames do FMI e do Banco Mundial, o governo está cada vez mais abandonando o instrumento constitucional de desapropriação de terras para a Reforma Agrária para dar lugar à Reforma Agrária de Mercado, objetivada nos programas Cédula da Terra e Banco da Terra. Dos 365 milhões destinados para desapropriações, no orçamento deste ano, foram gastos até agora, 17 milhões, 4.78%. O governo balizou a sua política econômica dentro dos princípios do Consenso de Washington que defendia privatizações, controle de contas públicas, desregulamentação da economia, abertura aos mercados internacionais, entre outras medidas. Tais reformas dariam sustentabilidade financeira ao Estado e possibilitariam o crescimento econômico e a equidade social. Na realidade não houve crescimento econômico e a desigualdade social cresceu. A crítica que os movimentos sociais fazem ao atual modelo econômico, estão sendo endossadas por diversos atores do cenário nacional e internacional. Nos últimos dias documento elaborado por pesquisadores ligados ao CEIP (Fundo Carnegie para a Paz Mundial) e ao IAD (Diálogo Interamericano), colocam o Consenso de Wahington em xeque, constatando que a receita fracassou. A situação dos países latino-americanos se agravou. Estes pesquisadores estão propondo o que está sendo chamado como "Dissenso de Washington" que sugere que a prioridade deve ser o combate à pobreza e à desigualdade social e não a eficiência econômica. Entre as medidas propostas está "uma nova geração de programas de reforma agrária", capaz de "dar oportunidades justas aos camponeses pobres". (FSP - 26/08/01 - pg A 12) Na mesma linha vai o ex-ministro e atual secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), Rubens Ricúpero.. Segundo ele, os países asiáticos que mantiveram um desenvolvimento mais acelerado nas décadas de 70 e 80 tinham em comum: um Estado eficiente, com uma burocracia estatal competente; todos tinham visão estratégica clara do desenvolvimento; e todos implantaram um "programa de distribuição de renda. Japão, Taiwan, e Coréia do Sul realizaram reformas agrárias radicais depois da 2ª Guerra, distribuindo não só terras, mas os meios de produção. Em uma geração reduziram suas parcelas de população abaixo da linha de pobreza de 65% a 70% para 8% a 12%, criando um mercado interno pujante". Todos investiram pesadamente em educação e desenvolvimento tecnológico. (OESP - 28/08/01 - pg. B4) José Luís Fiori, professor da UFRJ, em artigo que publicou dois dias depois do lançamento do Plano Real (FSP - Caderno Mais - 03/07/94) dizia que "o Plano Real não foi concebido para eleger FHC, foi FHC que foi concebido para viabilizar no Brasil a coalizão de poder capaz de dar sustentação e permanência ao programa de estabilização do FMI e dar viabilidade política ao que falta ser feito das reformas preconizadas pelo Banco Mundial". (FSP - 26/08/01 pg. A 12 in "Consenso" foi criado nos EUA em 1989). Não estamos sós em nossas constatações. Cada vez menos recursos são aplicados no social e a situação de nossa gente é cada vez mais dura. E o presidente tem a coragem de afirmar que "nunca houve transformação social igual na nossa história!" Afinal, quem está sendo "cego" para a história? A Coordenação da Comissão Pastoral da Terra Goiânia, 30 de Agosto de 2001
https://www.alainet.org/es/node/105309
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