Jânio & Eu

21/08/2001
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No próximo dia 25, faz 40 anos que Jânio Quadros renunciou à presidência da República, poucos meses depois de eleito com ampla maioria de votos. Concorrera com o general Lott, apoiado por um leque que abria um arco das Forças Armadas às forças de esquerda. Em junho de 1961, aos 16 anos, pela primeira vez provei o gosto de uma vitória eleitoral. Fui eleito 1º vice-presidente da UMES, União Municipal dos Estudantes Secundários de Belo Horizonte, na chapa encabeçada por Tomás Aroldo da Mota Santos, mais tarde reitor da UFMG. Logramos derrotar a chapa monitorada por um estudante de Direito que insistia em não largar a política secundarista: Newton Cardoso, hoje vice-governador de Minas. Jânio era um histriônico. Fizera sua campanha na base do sanduíche de mortadela mordiscado nos palanques e do símbolo da vassoura, prometendo livrar o Brasil da corrupção. Em viagem a Cuba, ouviu de Fidel Castro como ele renunciara ao cargo de primeiro-ministro e retornara ao poder graças à pressão popular. Jânio tentou a mesma via, convencido de que o povo o faria retornar à presidência com plenos poderes. Os militares, porém, abortaram tais propósitos. 25 de agosto de 1961 era uma sexta-feira. O presidente da UMES refugiou-se em local ignorado quando a polícia de Minas ocupou as ruas da capital. Senti-me no dever de assumir a direção da entidade e postei-me no "pirulito" da Praça Sete, o obelisco que ocupa o centro de Belo Horizonte, para convocar os estudantes a resistirem às ameaças de golpe militar. Era o meu primeiro comício. E foi também a primeira vez que respirei gás lacrimogêneo atirado pela cavalaria do Exército para dispersar a manifestação estudantil. Aluno do curso noturno do Colégio Municipal, escapei do cerco militar direto para a escola. Jânio, como Jango repetiria três anos depois, afastou-se do poder sem apresentar resistência. Sequer identificou as "forças ocultas" que o teriam levado a trocar as sessões de cinema no Alvorada pelo exílio em Londres. Governado provisoriamente por uma Junta Militar, o Brasil foi entregue, pouco depois, ao comando de seu vice-presidente, João Goulart. Nunca mais soube de Jânio, exceto por esporádicas notícias na imprensa. Até que o vi no Ibirapuera, no início dos anos 80, furar a fila de autógrafos no lançamento de "Fogão de Lenha ­ 300 anos de cozinha mineira", de Maria Stella Libanio Christo, minha mãe. Comprou dez exemplares, esperou a autora dedicar um por um, e ainda irritou os presentes ao entabular com ela uma conversa sem fim, regada pelas generosas doses de uísque que os garçons lhe serviam. Mais tarde, manteve com a minha mãe uma curiosa correspondência culinária. Na época, eu atuava como voluntário no Cepis (Centro de Educação Popular do Instituto "Sedes Sapientiae"), em São Paulo. Ajudava a formar lideranças em movimentos populares da periferia. Certa noite, retornávamos da Zona Leste da capital paulista, numa Brasília caindo aos pedaços, quando vimos um homem, parado numa esquina, estender o polegar pedindo carona. Freamos adiante, perplexos: "Será o Jânio?". O que fazia um ex-presidente da República, perdido altas horas da noite, num bairro de periferia? Na dúvida, diante de insólita aparição, demos ré. Era o Jânio. "Os senhores seriam suficientemente obsequiosos para trasladar-me a um ponto de táxi?" Recordei-me de Ruy Barbosa à beira do rio São Francisco, tratando um barqueiro para levá-lo à margem oposta: "Ó mísero etíope, quanto queres de pecúnia para transportar-me no bojo côncavo deste madeiro, deste pólo àquele hemisfério?" O pobre homem fitou-o espantado: "Doutor, o senhor pode entrar que o cachorro não morde não". Conduzimos Sua Excelência à porta de sua casa, no Alto de Pinheiros. "Quedem-se aqui ­ rogou-nos ­ até que Eloá os veja, para que confirme que vim em boa companhia". Arrancamos logo que a mulher o recebeu à porta e avistou-nos na calçada. Fiquei matutando na fragilidade de nossas lideranças políticas. Aquele homem mereceu a confiança de 6 milhões eleitores, que esperavam que ele fosse, de fato, varrer o Brasil de tanta podridão. O que não imaginei é que, anos depois, essa mesma esperança da população recairia sobre Collor e, mais tarde, FHC, deixando-nos a mesma frustração. Anos depois, prefeito de S. Paulo, Jânio proibiu nas escolas do município meu livro de OSPB, "Introdução à Política Brasileira".
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