Espionagem oficial

03/09/2001
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
O jornalista Josias de Souza vem demonstrando que o órgãos militares de inteligência (sic) do governo FHC possuem espiões duplos. Prova disso é que alguém de dentro da comunidade de informações tem permitido que o contribuinte brasileiro fique a par de como são utilizados seus recursos por parte dos arapongas da República. Os dados são estarrecedores. A espionagem oficial trabalha à base de subornos, eufemisticamente qualificados de "gratificações e recompensas", e considera um exemplo de "eficiência" a chantagem sexual, como a do agente "Giacomo" que, em Roma, seduziu Krystina Trushenski, da embaixada da Polônia. Os movimentos sociais são tratados como "forças adversas" ­ o que faria corar um sociólogo da USP -, seus militantes podem vir a ser "eliminados" e admite-se "arranhar direitos dos cidadãos" em nome da preservação da ordem pública. A desastrada "inteligência" da espionagem oficial arranha, sim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a própria Constituição. Mais se assemelha ao senhor Ciappelletto, personagem do "Decamerão" de Boccaccio, que confessava boas intenções para encobrir seus maus procedimentos. Vez ou outra deparo com um desses arapongas em meu caminho. São tão sutis como os soldados do Corpo de Bombeiro. Só falta vestirem-se de vermelho. Com um semblante aprazível, acercam-me como se fossem repórteres ou estudantes interessados em entrevistas. Um deles até se propôs a escrever a minha biografia. É o método para se aproximar, conhecer hábitos e idéias da vítima, saber o que ela anda a fazer e pensar. Requeri do general Alberto Cardoso, por carta, em 28/05/98 minha ficha na Subsecretaria de Inteligência da Presidência da República (atual nome do SNI). Em março de 1999 recebi cópia do meu prontuário - vinte páginas em tamanho ofício, carimbadas uma a uma, com o selo da República, e assinadas pelo senhor David Bernardes de Assis, "assessor". Continha 225 informações, abrangendo um período de 28 anos - de 1961 a fins de 1989. Nenhuma referência aos anos 90, o que me faz supor que os dados só são liberados encerrada a década. Talvez para não deixar pista de como os arapongas, que adoram recortar jornais, andam nos espreitando nos últimos tempos. Entre informações corretas e curriculares, tipo "foi professor do Instituto Pastoral da Arquidiocese de Vitória/ES, assessor da Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais", constam novidades para mim mesmo, como a de que fui "membro-fundador do Instituto Sócio-ambiental (ISO)", do qual jamais ouvi falar, ou "agente de pastoral em Brasília", onde jamais residi. "Em 1964, mantinha ligações com Carlos Marighella e era tido como responsável pela fuga de diversos elementos terroristas do território nacional". Só conheci Marighella em 1967 e dei fuga a militantes políticos em 1969. Há um elenco de informações fantasiosas, como a de que participei do congresso da UNE de 1968, em Ibiúna (uma falha em meu currículo), ou que, em abril de 1981, eu era "colaborador do Centro de Reflexion Tecnológica, com sede no México". Quem dera, pois a tecnologia anda carente de que se reflita sobre o seu significado no mundo atual. Consta que "em agosto de 86 foi nomeado componente da Comissão Agrária do Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento Agrário no Estado de Pernambuco (MIRAD/PE)". A nomeação, da qual fiquei ciente só agora, não me chegou até hoje. Serei um funcionário público federal e virtual? "Em 1979, segundo a Cúria Diocesana de São Paulo, o requerente teria se desligado da Igreja Católica Apostólica Romana". A cúria é arquidiocesana, permaneço católico desde o dia de meu batizado, em 1944, e frade dominicano há 36 anos. O curioso é que, logo adiante, há informações de que participei da "XXI Assembléia Geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, realizada em Itaici/SP, no período de 06 a 15 abril de 83" e do "20º Aniversário da I Assembléia Geral da Conferência Episcopal Latino- Americana (CELAM), realizada de 15 a 17 de julho de 88, em Nova York". Não é confederação, é conferência; não sou bispo ou assessor da CNBB e, portanto, não participo de suas assembléias; o CELAM foi fundado em 1955 e, por ser um órgão latino- americano, jamais faria reuniões em países da América do Norte. Registra a ficha que "em 1986, foi eleito pela União Brasileira de Escritores (UBE), como "O Intelectual do Ano". Isto é certo. O que não está anotado é que o título e o prêmio foram-me entregues em cerimônia solene no teatro Sérgio Cardoso, em S. Paulo, pelas mãos do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Agora, leitores, imagem "eliminarem forças adversas" baseados nesse tipo de desinformaçãoŠ Filho de família que conta com dois generais e um almirante, temo que setores das Forças Armadas no Brasil, desde que deixaram de enxergar o inimigo externo, tratem como tal seus compatriotas. Não são os movimentos sociais que ameaçam a segurança nacional. É a atual política econômica, que promove gritante desigualdade social e o empobrecimento da nação, monitorada de fora para dentro pelo FMI.
https://www.alainet.org/es/node/105286?language=en
Suscribirse a America Latina en Movimiento - RSS