O reino encantado do livro
01/09/2001
- Opinión
Pode-se contar a história de um velho pescador que, após muita luta para
fisgar um peixe, termina por ter em mãos uma carcaça. A narrativa oral,
contudo, nem de longe se compara com o prazer de ler O velho e o mar, de
Hemingway.
O mesmo ocorreu com a 9a. Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo
(RS). Só estando ali foi possível sentir a intensidade daquele megaevento
literário, que superou qualquer feira ou bienal do livro. Foram cerca de
10.000 pessoas, a maioria jovens, espremidas sob a lona de oito circos,
atentas aos debates em torno do tema deste ano, 2001: Uma jornada na
galáxia de Gutenberg da prensa ao e-book.
O ônibus que, na terça, dia 28/8, trouxe de Porto Alegre os escritores
convidados, fez uma viagem drummoniana. No meio do caminho havia uma pedra,
que se enfiou entre duas rodas. O percurso de três horas foi coberto em
cinco. Antonio Skármeta não perdeu a pose e manteve o bom-humor da comitiva
improvisando um poema.
O grande ausente da abertura foi Paulo Renato, ministro da Educação. Enviou
carta, na qual informava seu projeto de incentivo à leitura nas escolas.
Dizia que, em breve, irá a uma delas para ler com os alunos. Ignácio de
Loyola Brandão ironizou no palco: "A carta do ministro contém ao menos uma
boa notícia: ele lerá um livro". Tânia Rosing, coordenadora do evento,
propôs ao público enviar uma resposta do ministro assinada por todos.
Na noite de quarta, 29/8, jornalismo tradicional versus jornalismo
eletrônico foi o tema de debate entre Cláudia Barcelos, do jornal Valor
Econômico; Haroldo Sereza, do Estadão; e Augusto Nunes, que anunciou sua
demissão da revista Época para assumir um crgo de direção no Jornal do
Brasil. Sereza enfatizou a importância da Internet na democratização das
opiniões. Ela funciona também como uma espécie de contra-jornalismo, na
medida em que permite a divulgação de notícias e opiniões contrárias às que
figuram nos órgãos de imprensa.
Cláudia Barcelos criticou a canibalização e a autofagia da mídia
brasileira, propondo maior abertura à pluralidade de opiniões. Augusto
Nunes acrescentou que o jornal do futuro será de grife, ou seja, marcado
pela qualidade literária de seus articulistas e pelo compromisso ético na
relação notícia e leitor. Aos estudantes de jornalismo sugeriu a leitura
dos clássicos, como caminho adequado a quem pretende dominar a arte do
texto bem escrito.
Entre as novidades deste ano, a 1a. Jornadinha Nacional de Literatura, que
reuniu 2 mil crianças em múltiplas atividades, como contato com autores,
leitura em diferentes linguagens, teatro, música e jogos.
A Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo é o Brasil que dá certo. No
debate em torno da relação do livro com o e-book, na quinta, 30/8, Valter
Galvani, escritor gaúcho, frisou que as novas tecnologias não representam
ameaça ao livro, assim como a fotografia não sepultou a pintura e o cinema
não aposentou o teatro.
Recordou o espanto dos monges de Oxford quando souberam que Gutenberg
inventara a prensa (exposta do museu da cidade gaúcha, por gentileza do
Museu de Mainz). O que seria dos professores e das escolas, agora que a
máquina dispensava o cuidadoso trabalho dos copistas e as pessoas podiam
aprender sem sair de casa?
Lucas Figueiredo criticou o governo federal por não se empenhar pela
multiplicação de bibliotecas e tornar o livro mais acessível ao público,
enquanto propala a chegada de computadores em salas de aula do sertão e o
uso de cartão magnético por aposentados rurais. Num país que se queixa da
falta de recursos energéticos, como posar de moderno se os professores
ganham mal e os alunos escrevem em papel de embrulho na falta de cadernos?
Ziraldo e Ruth Rocha inauguraram a Jornadinha de Literatura sob a lona de
um circo lotado por 2 mil crianças. Ali a meninada teve contato com
múltiplas linguagens, como ler o Menino Maluquinho através de um teatro de
bonecos e da dança de crianças cegas. Nas oficinas, as crianças aprenderam
a criar e desenhar histórias em quadrinhos.
Os 10 mil inscritos na Jornada de Literatura foram preparados durante
quatro meses, entre abril e agosto, por uma caravana que percorreu 166
municípios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e quatro cidades
paulistas: São Paulo, Ribeirão Preto, Araraquara e Catanduva. Formaram-se
grupos para estudar as obras dos autores convidados à Jornada e realizaram-
se quatro seminários de literatura. De modo que crianças, jovens e
professores chegassem a Passo Fundo, não como meros espectadores de um
evento, mas como participantes nos debates que começavam pela manhã nas
oficinas literárias, prolongavam-se pela tarde nas mesas-redondas e nas
conversas paralelas(em que cada autor ficava disponível ao diálogo com o
público interessado em sua obra), até culminar nas atividades noturnas, que
se iniciavam com um debate sob a lona do circo que abriga 4.400 pessoas e
se encerravam com um show.
Para Tânia Rosing o objetivo não se resume em favorecer o contato entre
público e autores, estudantes e livros, mas sobretudo formar leitores
críticos e despertar vocações literárias, sem os quais uma nação não
preserva a sua identidade cultural, sobretudo em tempos de
"globocolonização", conforme se enfatizou no debate final. Em 2003 tem
mais.
https://www.alainet.org/es/node/105283?language=en
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