Trabalho escravo no Brasil
22/07/2001
- Opinión
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) consagrou o ano de 2001
ao combate do trabalho escravo no mundo. Embora o presidente FHC
tenha vindo a público, no primeiro semestre de 1995, prometer que
poria fim ao trabalho escravo no Brasil, o Ministério do Trabalho
avalia que, para cada trabalhador resgatado, existem mais três em
regime de escravidão.
Estatísticas da Secretaria da Inspeção do Trabalho (SIT), daquele
ministério, revelam que foram libertados do regime de escravidão, em
1999, 639 trabalhadores; em 2000, 588; e até 5 de maio deste ano,
435.
Dia 9 de abril, firmou-se um "termo de compromisso", em Marabá (PA),
entre representantes da SIT; do Ministério Público do Trabalho da 8ª
Região; da Delegacia Regional do Trabalho do Pará; e três fazendeiros
do sul do Pará: Roque Quagliato, Maurício Pompéia Fraga e José Coelho
Victor, donos de 23 fazendas naquela região.
Malgrado a resistência dos representantes da SIT, a negociação
retirou da Polícia Federal a fiscalização do trabalho escravo, maus
tratos e desrespeito à legislação vigente. Sem a Polícia Federal, os
fiscais não têm segurança para cumprir sua missão. E os trabalhadores
rurais não gozam do clima de confiança necessário para orientar as
investigações.
Surpreende que um dos acordantes seja um fazendeiro acusado de
manter trabalho escravo em suas terras. Das 13 fazendas do grupo
Quagliato, seis já foram denunciadas por este crime: Rio Vermelho,
Primavera, Califórnia, Brasil Verde, São Carlos e Santa Rosa.
A Brasil Verde foi fiscalizada em 1988, 1989, 1992, 1993, 1997, 1999
e 2000. Em todas as ocasiões constatou-se a reincidência de
gravíssimas infrações. Apesar de nova infração em 2000, e de dois
recentes inquéritos criminais na Polícia Federal, por crime
ambiental, a revogação da suspensão do processo ainda não foi
requerida pelo Ministério Público Federal.
Por causa da Brasil Verde, o governo brasileiro é alvo de uma
representação na OEA por "omissão e negligência em investigar
diligentemente a prática do trabalho escravo". Se as advertências,
acordos anteriores e ações judiciais não conseguiram pôr fim aos
crimes constatados, o que dizer do novo termo de compromisso?
Desde 1999, a CPT (Comissão Pastoral da Terra) denuncia os recuos
sucessivos do governo federal na repressão ao trabalho escravo. Em
decorrência de pressões articuladas de grandes proprietários e
políticos cúmplices, a fiscalização móvel vem perdendo seus
principais atributos (sigilo total e centralização do comando), bem
como espaço e recursos. A punição dos infratores continua virtual:
as multas não são pagas; os processos se arrastam ou caducam por
prescrição; e a Justiça Federal declina de sua competência. A
desapropriação das fazendas flagradas com trabalhadores escravizados,
mediante indenizações altas, significa um prêmio para o proprietário.
O acordo de 9 de abril inviabiliza qualquer fiscalização futura,
abrindo a brecha para todo e qualquer infrator se colocar à margem da
lei. Isso consagra a impunidade, pois de que serviria o reforço da
punição se não há mais o que fiscalizar?
A fiscalização realizada, de abril a maio, na fazenda Forkilha, do
latifundiário Jairo Andrade, flagrou 114 trabalhadores em regime de
escravidão. Todos foram resgatados pela Polícia Federal, mas o
responsável permanece impune.
Em 12 de junho, o Grupo Móvel do ministério do Trabalho libertou 97
trabalhadores que se encontravam escravizados nas fazendas de
Ediones Bannach, no município de Bannach, no sul do Pará.
A CPT considera que o combate sério ao trabalho escravo exige a
anulação do acordo de 9 de abril; a reafirmação da competência
exclusiva do Grupo Móvel na fiscalização; a definição da competência
da Justiça Federal neste tipo de crime. No contexto atual das
denúncias de desvios na SUDAM, urge excluir de qualquer financiamento
público as empresas rurais flagradas com trabalho escravo ou
reincidentes em infrações trabalhista.
O ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, aprovou, a 30 de maio,
parecer da Consultoria Jurídica de seu ministério, concernente ao
conflito de interpretação da legislação aplicável à determinação das
multas na ocorrência de infração trabalhista em atividade rural. A
CLT concede ao empregador rural um sistema de multas
consideravelmente mais leve que o aplicável ao empregador urbano
(art.18).
Pela lei 5889 de 8/6/1973, a multa do empregador rural tem seu valor
rebaixado em relação à do empregador urbano. Tendo em vista a
equiparação de direitos estabelecida pela Constituição de 1988 entre
os trabalhadores urbanos e rurais (art. 6), e no intuito de assegurar
o imediato ressarcimento de seus direitos aos trabalhadores flagrados
em situação de trabalho forçado, a Inspeção do Trabalho tem se
pautado sempre nas determinações da CLT (que não faz essa distinção
rural-urbano), não obstante a contradição dos textos existentes.
Essa posição está sendo inviabilizada pelo parecer ora aprovado. Com
a nova orientação, a efetiva penalização dos infratores perde o
pouquíssimo efeito que ainda comportava, pois a perspectiva da multa
levava, na maioria dos casos, a um pagamento imediato das verbas
sonegadas pelo infrator, em benefício dos trabalhadores. Essa pressão
deixa de existir. Pelo valor irrisório a ser cobrado, tudo indica que
os valores em débito não terão como ser incluídos na dívida ativa da
União.
O parecer que impôs este retrocesso foi publicado três dias depois
da divulgação, pela OIT, do seu relatório ŒStopping Forced Labour" em
vista da 89ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, reunida
em Genebra. Diz parágrafo 81 do relatório, sob o título "Leis mais
duras, mas execução ilusória:
O Governo brasileiro sancionou recentemente nova legislação, visando
penalizar mais eficazmente vários aspectos de trabalhos degradantes,
entre eles o trabalho escravo. Apesar dessas medidas, pouquíssimas
pessoas culpadas de praticar o trabalho forçado têm sido penalizadas.
Embora tenham sido resgatadas do trabalho forçado, em 1999, mais de
600 pessoas, graças às operações do Grupo Móvel de Fiscalização, há
informação de apenas duas prisões em decorrência desses fatos.
Enquanto o governo menciona a necessidade de sanções mais severas, a
evidência destas continua muito tênue. A impunidade dos responsáveis,
a morosidade dos processos judiciais, e a falta de coordenação entre
órgãos do governo, acabam protegendo os responsáveis pela prática do
trabalho forçado no Brasil, como ocorre em outros países. E mais: os
poucos casos de condenação, pelo que parece, dizem respeito a
intermediários ou a pequenos proprietários, mais que grandes
fazendeiros ou grandes empresários."
Não há como deixar de estranhar este novo recuo das autoridades
brasileiras no combate ao trabalho escravo. Existe clara pressão das
bases ruralistas do governo para tornar inócua a repressão a este
crime hediondo.
A impunidade à violação aos direitos humanos não pode permanecer
escrava da inoperância do governo federal.
https://www.alainet.org/es/node/105255
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