Estar com os de baixo
22/02/2000
- Opinión
Não é de bom tom defender os pobres, numa sociedade como a nossa, que valoriza a
riqueza. Afinal, os pobres são pobres, não nos pagam polpudos salários, não nos
promovem na carreira, não nos convidam para viagens, não financiam campanhas
eleitorais, não nos facilitam financiamentos de consumo. Enfim, como pobres,
são fracos, sem influência, sem poder.
Se não é possível defender as elites, criminalize-se os pobres, especialmente
quando eles não se resignam a ficar quietos no seu canto, no máximo objeto de
campanhas anuais de caridade. A objetividade os inclui, quando se divulgam
estatísticas, mas nunca defendê-los em suas lutas, em suas reivindicações, em
seus direitos.
Mais ainda se eles não se conformam em participar dos canais institucionais que
generosamente a democracia lhes concede, reunindo fundos para custosas campanhas
eleitorais, ingressando nos partidos, preparando-se para fazer discursos bem
postos, fazendo alianças com os ricos para, um dia, chegar ao Parlamento e dali,
no horário regimental, fazer, nos devidos termos e forma, seus petitórios, que
serão devidamente considerados pelos órgãos competentes, pela ordem de entrada e
conforme os prazos regimentais,
Em suma, se fossem pobres conformados, humilhados, ofendidos, discriminados,
assassinados, porém bem comportados, não seriam criminalizados. Como tratar
José Rainha como se trata a Antonio Ermirio de Moraes? Vasculhe-se a vida
privada do primeiro, mas nunca do segundo. Espaços para que um diga
sistematicamente o que pensa e acusações sem espaço não apenas para se defender,
ma também para dizer suas verdades, para o outro. Um sem terra é um pé rapado,
um empresário é um "homem de bem" ? e ai estão suas posses, suas amizades, suas
viagens, para prova-lo.
Como tratar a Cuba e aos palestinos da mesma forma que aos EUA e à Israel? No
máximo, equidistância, como se objetividade fosse isso: os argumentos de um
contra os do outro. Afinal, quem agride são os EUA e não Cuba. Quem tentou
invadir o outro, foram os EUA e não Cuba. Quem têm melhores índices saúde e de
educação é Cuba e não os EUA. Mas quem está disposto a ser tachado ?o tal do
"patrulhamento"- de tal ou qual coisa, de ser discriminado e desqualifiicado,
por dizer que Cuba demonstra que um país não precisa ser rico para ser justo e
que lá a massa da população tem acesso democrático aos bens e serviços, enquanto
aqui temos uma ditadura social, traduzida, nos termos da ONU, no país mais
injusto do mundo?
Como dizer que os judeus têm o seu Estado reconhecido desde 1948, porém negam
pela força, com tropas matando diariamente a palestinos, em territórios
palestinos, esse mesmo direito a estes? Objetividade é equidistância ou dar a
verdade histórica dos acontecimentos? Mas os palestinos são pobres, têm a
hostilidade das potências ocidentais e de suas empresas e capitais, incluidas as
grandes agências internacionais e não fica bem dizer que os judeus passaram de
vítimas a verdugos.
Atacar os pobres, quando lutam por seus direitos, além de tudo, é uma boa forma
de agradar as elites. Chamar os sem terra de "delinquentes" é candidatar-se a
tapinhas nas costas nas recepções, nas galerias, nos aeroportos, nos
ministérios. É ser bem recebido nas hostes do poder, é receber convites para
recepções e congressos, é ser considerado e bajulado.
No entanto, o caráter das pessoas, hoje mais do que nunca, está na sua atitude
com os pobres, com os fracos, com os oprimidos, com os explorados, com os
humilhados, com os discriminados. Não na piedade, mas na solidariedade ativa em
sua luta para reverter uma sociedade estruturalmente injusta, que faz dos ricos
cada vez mais ricos e mais poderosos e dos pobres, cada vez menos capazes de
emancipar-se da miséria, da degradação, da humilhação, da simples luta pela
sobrevivência em que se tornou a vida para a grande maioria da humanidade.
Estar com os de baixo, não apenas porque estão embaixo, mas porque são maioria,
porque vivem do seu trabalho, porque lhes é negado o direito elementar a
escrever nos jornais, a elaborar e dizer suas verdades, a disfrutar da riqueza
que produzem. Estar com eles não apenas por piedade, mas por justiça, por
indignação, por sentimentos morais e decisão política. Assim se divide o Brasil
e o mundo hoje: entre os que estão com os de baixo e os que estão com o de cima,
com as elites que concentram poder, riqueza e inofrmação ou com a grande maioria
dos homens, mulheres, crianças, jovens, idosos, de todas as raças e credos,
explorados, dominados e discriminados. Dize-lo, sem medo a ser acusado de
maniqueismo, lutar para subverter esse mundo e construir uma sociedade soidária
é o compromisso do humanismo contemporâneo.
https://www.alainet.org/es/node/105208?language=en
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