Anistia para o povo brasileiro!

31/10/2000
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Comemoram-se 20 anos, a 28 de agosto, da anistia concedida, pela ditadura militar, a suas vítimas e algozes. Os cárceres foram abertos em 1979, e os exilados e banidos puderam retornar ao país. O decreto do general Figueiredo não foi um gesto de benevolência, mas fruto da mobilização de milhares de brasileiros, sobretudo mulheres lideradas por Therezinha Zerbini, em São Paulo; Helena Greco, em Minas; Nildes de Alencar Lima, no Ceará; Heloneida Stuart, no Rio etc. Entre os homens, um nome merece ser destacado, o do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia. Neste país, em matéria de direitos nada se dá. Tudo se conquista. Fui beneficiado pela anistia. Ela zerou meu prontuário na polícia (mas não no consulado americano, que exige, a cada solicitação de visto, que eu explique em detalhes por que estive preso...). Fez-me recuperar os direitos políticos, cassados por dez anos em 1972. Ao deixar a cadeia, em 1973, descobri um curioso paradoxo da justiça castrense: o frade havia sido cassado, o cidadão não. Eu podia e não podia votar, algo semelhante ao fenômeno físico do gato de Schrödinger, que fica morto e vivo ao mesmo tempo. Se o cidadão votasse, o frade incorreria em crime. Se o frade não votasse, o cidadão deveria se explicar à Justiça eleitoral. Optei pela única saída: nas eleições, ausentava-me do domicílio eleitoral e justificava-me numa agência dos Correios. A tradição jurídica brasileira é uma história de aberrações, como a recente absolvição dos oficiais responsáveis pelo massacre de Eldorado dos Carajás. E a lei da anistia não é exceção. Ela assegura a impunidade dos torturadores. O que encerra uma confissão de culpa do regime militar. O corporativismo predominou, espécie de 30 moedas pagas a Judas pelo trabalho sujo. Hoje, a tortura é crime inafiançável. Um avanço no papel. Na delegacia da esquina, o pau come solto. A anistia marcou o processo de abertura política do país. Abertura formal, limitada pelos interesses das elites, cuja concepção de democracia ainda exclui os direitos dos sem-terra, dos sem-teto, dos aposentados e dos desempregados. Assim como, na colônia, nação e cidadania excluíam índios e escravos, analfabetos e assalariados. Outro paradoxo é constatar que o governo presidido por um ex-cassado e exilado, Fernando Henrique Cardoso, promove o "fechamento" econômico. Segundo dados da ONU e do Banco Mundial, o Brasil é campeão mundial de desigualdade social, com 63,4% da renda nacional em mãos de 20% da população. Nossa indústria é sucateada pela abertura irresponsável ao capital estrangeiro; nosso patrimônio público privatizado, encarecendo os serviços prestados, nem sempre de qualidade satisfatória; nossa agricultura carece de política adequada e continua refém do latifúndio. Apenas 1% dos proprietários rurais controla 44% das terras do país. São aqueles 6%, entre 22 mil devedores do Banco do Brasil, que arcam com 80% da dívida e, agora, exigem anistia fiscal. Há no Brasil 18,5 milhões de aposentados. Ganham em média 1,8 salário mínimo. Do total, 11 milhões sobrevivem com apenas um salário mínomo. De novo, o garrote econômico aperta o pescoço da maioria. Os aposentados pelo Congresso Nacional (ex-deputados e senadores) recebem, em média, 57,8 salários mínimos; pelo poder Executivo federal, 14,4; e pelo Judiciário, 43,7 salários mínimos. Os militares são aquinhoados, na expressão de Lillian Witte Fibe, com "aposentadorias hereditárias". Enquanto isso, o governo reduz o pecúlio dos aposentados da iniciativa privada, condenando-os à mendicância. Em julho, a presidência da República gastou cerca de R$ 9 milhões por dia com material de consumo (copa, cozinha, alimentação, combustível, homenagens, roupas de cama etc). Em junho, foram previstos R$ 16 mil para a compra de frutos do mar, R$ 5 mil de bacalhau, e R$ 7 mil de queijos e frios. E, no entanto, o Incra propôs ao MST cesta básica de R$ 20 para cada família assentada. A tortura da fome de 47 milhões de brasileiros é mais dramática que o terror de Estado sob a ditadura. Entre tantos brasileiros, eu esperava que FHC tivesse um mínimo de sensibilidade para o social. Iludi-me. Agrava-se o leque de questões sociais: saúde, educação, emprego, moradia. A reforma agrária só existe em discursos oficiais. Basta conferir a força da bancada ruralista no Congresso. E, ainda por cima, velhas raposas da política brasileira tripudiam sobre a nação ao falar em acabar com a pobreza. Como se a natureza de suas raízes com o sistema de exclusão social permitisse que, súbito, se tornassem defensoras do galinheiro... A 26 de agosto, milhares de pessoas estarão em Brasília para proclamar um Basta! a essa política que anula, na esfera econômica, as conquistas políticas simbolizadas pela anistia de 1979. O povo brasileiro merece ser anistiado de tanta miséria e injustiça! Quando comandantes de massacres de agricultores são absolvidos, assim como o foram os torturadores pela lei de anistia, é hora de regressarmos às ruas, antes que a falência da democracia nos empurre para um novo ciclo autoritário. Então, será tarde demais.
https://www.alainet.org/es/node/105184

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