Adeus às armas
16/12/2003
- Opinión
Em São Paulo, uma criança de 12 anos atirou numa de 5. Em Denver, nos EUA,
dois adolescentes chacinaram 13 colegas. Alunos têm sido encontrados com
armas em salas de aula no Brasil. Por que as armas são tão acessíveis e
fáceis de usar? Experimente abrir um vidro de aspirina americana. O mau
exemplo vem de cima.
Se Clinton, à revelia da ONU (o sinal verde foi obtido após início dos
bombardeios), despeja bombas sobre crianças e donas de casa que retornam
das compras, na Iugoslávia, por que não pode experimentar o mesmo prazer
mórbido quem se encontra na idade de imitar seus ídolos?
Nos anos 70, o Brasil figurou entre os países dotados de avançadas
indústrias bélicas. Ensaiaram-se os primeiros passos para a construção da
bomba nuclear. Até que, ao ver as tropas de Saddam Hussein exibir armas
fabricadas no Brasil, os EUA deram um basta na pretensão tupiniquim de
ocupar uma fatia no mercado da morte. O parque bélico do Vale do Paraíba
foi praticamente desativado e a usina nuclear de Angra dos Reis destinada
a gerar apenas energia.
O refluxo de nossa indústria de guerra coincidiu com a expansão da
violência na mídia (filmes, desenhos, telenovelas, programas de auditório
etc.) e nas ruas, em decorrência do aumento da pobreza da população e do
consumo de drogas. A inoperância policial favoreceu a multiplicação de
firmas de segurança privada. O homicídio passou a ser a principal causa de
óbitos de adolescentes nas grandes cidades. Hoje, um bate-boca no
trânsito, o ciúme numa danceteria, o furto de uma carteira, uma briga na
escola podem acabar em morte. O que fazer frente à escalada da violência?
Não se resolve o problema fundiário no Brasil reprimindo o MST nem se
acaba com a fome distribuindo cestas básicas. Porém, a recíproca vale para
as armas: se fossem proibidas, as fábricas fechadas, o comércio reprimido,
sem dúvida muitas contendas acabariam em agressões e ferimentos, mas não
em mortes. Calcula-se que haja, no Brasil, duas armas ilegais para cada
uma legalizada. Só no Rio o arsenal clandestino contaria com cerca de 600
mil armas.
A UNE lançou a campanha "Sou pela Paz", simbolizada por mãos enlaçadas de
modo a evocar a pomba - que a Bíblia, ao relatar o fim do dilúvio, nos
legou como mensageira de novos tempos, sem dor e conflito. A campanha
ainda não pegou. Com certeza, por desinteresse da mídia e do poder
público. Mas é positivo constatar que muitos meios de comunicação se
recusam a veicular propaganda de armas, a exemplo dos grandes jornais dos
EUA.
Naquele país, fábricas de armamentos, que faturam US$ 3 bilhões por ano,
sofrem processo na Justiça, movidos pelas prefeituras de cidades como
Chicago, Nova Orleans e Miami, para cobrirem custos de despesas médicas
decorrentes do uso indiscriminado de armas de fogo. Quanto gasta o poder
público no Brasil na investigação de crimes, no tratamento de vítimas e no
encarceramento de homicidas?
Seria promissor que os movimentos pela cidadania e os jovens erguessem a
bandeira do fechamento de fábricas de armas e lojas que as comercializam.
A polícia, a exemplo dos guardas ingleses, poderia muito bem evoluir para
o abandono das armas de fogo, restritas a operações especiais. Deveria
também ser duramente reprimido o contrabando de armas, de fora para dentro
do país, e do interior dos quartéis para as ruas.
São utopias, bem sei. Mas quem imaginaria que, em tão pouco tempo, o
cigarro se tornaria socialmente inconveniente? O tabagismo é prejudicial à
saúde. As armas, prejudiciais à vida. Quem se arma não ama. E corre o
risco, tão freqüente, de ser atingido pelo tiro que sai pela culatra,
como aquele pai em Belo Horizonte que, ao escutar um ruído no jardim tarde
da noite, olhou pela janela, vislumbrou um vulto e atirou em defesa da
família. Matou a própria filha, que retornava de uma festa.
O governo federal dirá que também a questão o preocupa. Mas infelizmente
não o ocupa. Prova disso é a não obrigatoriedade de travas de gatilho nas
armas, a facilidade com que se trafega e se trafica em nossas fronteiras,
o espantoso acesso dos traficantes de drogas aos armamentos privativos das
Forças Armadas. Sem falar no envolvimento de oficiais da Aeronáutica com o
narcotráfico.
Aliás, o Brasil daria um bom exemplo ao mundo extinguindo as Forças
Armadas, cuja ociosidade permite que autoridades federais usem jatos da
FAB para turismo familiar. Bastam-nos a polícia, incluindo a de
fronteiras. Seria uma boa economia de R$ 17,5 bilhões, o suficiente para
erradicar a miséria, desde que o governo não repassas se o montante aos
banqueiros. Não há nenhuma possibilidade de o nosso país vir a se envolver
numa guerra. Caso ocorra, as superpotências não ficarão de espectadoras, e
seus sofisticados armamentos farão o arsenal bélico brasileiro parecer um
estilingue.
https://www.alainet.org/es/node/105182?language=es
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