A dívida no banco dos réus

31/10/2000
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O Tribunal da Dívida Externa reúne-se no Rio, de 26 a 28 de abril, no teatro João Caetano. Promovido pela CNBB, MST, CMP, CONIC, CESE, PACS, sindicato dos economistas e Conselho Regional de Economia/RJ, tem como lema "A vida acima da dívida". Integram o júri popular: o cardeal Paulo Evaristo Arns; um índio Pataxó; a atriz Zezé Mota; Vicentinho, presidente da CUT; o cantor Mano Brown; Maria Andrada, da Federação dos Aposentados de Minas; Maria de Fátima Ribeiro, da direção nacional do MST; e um desempregado. Entre depoentes e juízes, Luiz Vicente Cernichiaro, ministro do STJ; Salete Macalós, juíza federal no Rio; João Pedro Stédile, do MST; o bispo católico Demétrio Valentini; o pastor Valter Altmann; François Houtart, da Universidade de Louvain; o sociólogo suíço Jean Ziegler; o jurista Raimundo Faoro; a economista Tânia Bacelar; e os professores Milton Santos, Theotônio dos Santos e Kiva Maidanik (Rússia). A dívida externa é um câncer nas entranhas do Brasil. Em 1964, era de US$ 3 milhões. No início do governo FHC, em 1994, chegava a US$ 146 bilhões. Hoje, devemos aos credores e agiotas internacionais US$ 212 bilhões. E temos em caixa pouco mais de US$ 30 bilhões! A dívida interna era de US$ 64 bilhões em 1994. Hoje, soma US$ 390 bilhões! Entre 1989 e 1997, só de juros e amortizações o Brasil depositou, nas mãos de quem nos aperta o garrote no pescoço, a quantia de US$ 216 bilhões. A dívida era de US$ 115 bilhões. Pagamos US$ 216 bilhões e continuamos devendo US$ 212 bilhões! Como apareceu essa dívida espantosa? No final dos anos 60, os países ricos tinham os cofres abarrotados. Como dinheiro parado é dinheiro perdido, passaram a aplicá-lo através de empréstimos a juros baratos. A ditadura militar tratou de correr o chapéu para financiar "o milagre brasileiro", inclusive obras fantasmas como a Ferrovia do Aço e a Transamazônica. Veio a crise do petróleo em 1973. O preço do barril subiu e, com ele, os juros. A dívida inflou até estourar na recessão que atingiu o Brasil no início dos anos 80. Na década seguinte, os países ricos fizeram dos países periféricos, como o Brasil, a sua caderneta de poupança. Financiaram o aumento de nossas reservas cambiais, emprestando-nos dinheiro para que comprássemos seus produtos. Passamos a importar mais do que exportar. Quanto mais importados, mais falências industriais e desemprego. E nos tornamos reféns da agiotagem internacional. O governo FHC agora está num mato sem cachorro. Faz questão de "honrar" a dívida (embora a custo de degradar as condições de vida da maioria da população), mas como não tem recursos, toma novos empréstimos. Como é arriscado pôr dinheiro no Brasil, o governo aumenta as taxas de juros. Assim, atrai capital, os agiotas tomam dinheiro lá fora a juros de 12%, compram títulos do governo e o Banco Central estoca o dinheiro. Pouco depois, os agiotas resgatam os títulos: devolvem o papel e pegam o dinheiro ­ a juros acima de 40%, os mais altos do mundo! É o governo tentando apagar o fogo com gasolina. Para rolar os papagaios das dívidas interna e externa, o governo desembolsa, por ano, mais de US$ 100 bilhões! Se o dinheiro ficasse aqui, o brasileiro teria mais e melhores escolas, hospitais, postos de trabalho, moradias e transporte público. Os aposentados não seriam tratados como mendigos nem os professores como plebe ignara. Haveria menos pobreza e, portanto, menos violência e mais qualidade de vida. Ocorre que o governo não pensa assim. Para ele, programa social é derivativo de primeira-dama. Dane-se o povo, mas jamais desagradar o FMI, os banqueiros internacionais e também os nacionais, que gozam de informações privilegiadas e antecipadas sobre as medidas oficiais, de modo a jamais perderem dinheiro. Os estrangeiros, aos poucos, compram o Brasil a preço de banana, sem que haja melhoria dos serviços para a nossa população. Basta comparar a VASP e os serviços telefônicos antes e depois da privatização. Daqui a pouco estarão privatizados a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, as praias, os parques públicos e o ar que se respira. Ao levar a d ívida externa ao banco dos réus, a sociedade civil mobiliza-se para deter a sangria que empobrece e avilta o Brasil. Cada brasileiro nasce, hoje, devendo cerca de US$ 1.300, sem que o dinheiro emprestado ao país tenha sequer reduzido o crescimento da pobreza e o sofrimento da maioria da população. Comemorar Tiradentes e a rebelião mineira neste 21 de abril é recordar a luta contra a derrama e reforçar a posição do governo de Minas ao decretar a moratória. Há 14 anos falecia nesta data aquele que conclamou o não pagamento da dívida externa "às custas do sangue dos brasileiros" - Tancredo Neves. É hora de deixar que os mortos governem os vivos.
https://www.alainet.org/es/node/105170
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