Segredo de confissão
19/05/2001
- Opinión
Não são os senadores ACM e Arruda que estão em apuros. É o país. Não é só à
dupla bisbilhoteira que Regina Borges, diretora do Prodasen, debe pedir
desculpas. É à nação. Se as urnas eletrônicas do Congresso Nacional são
violáveis, o que dizer das urnas eleitorais espalhadas pelo país? Quem garante
que o meu voto não é alterado nas instâncias apuradoras? Eis a perda de
confiança na democracia.
Em 1989, um amigo deu-me de presente uma cédula oficial do 2º turno das eleições
presidenciais. Passei-a a Lula. Era a prova da falta de lisura na escolha do
novo presidente da República. Nenhum cidadão poderia ter em mãos. fora da cabine
eleitoral, uma cédula, a menos que alguém da Justiça Eleitoral estivesse
empenhado em inflacionar as urnas em favor de um dos candidatos.
Sou pelo voto aberto, agora oficializado pela Câmara Municipal de São Paulo.
Representantes da população, os políticos têm o dever de prestar contas de sua
atuação. Por que votações secretas? Para trair o eleitorado e a fidelidade
partidária, favorecer lobbies e assegurar mais gordura no caixa 2?
Nenhum político deveria envergonhar-se de seu voto, assim como o eleitor não
teve vergonha de votar nele. O voto aberto deixa claro quem é quem na política,
fazendo jus ao "diga-me o que votas e eu te direi quem és".
Inconfidência é um traço de mau-caratismo. Daí minha resistência em aceitar,
para Tiradentes e seus companheiros, a pecha de "inconfidentes", de que não
souberam guardar confidências. Nessa linha, hoje a rebelião de Vila Rica seria
chamada de Deduragem Mineira.
Nossa inconfidência começa no ti-ti-ti sobre a vida alheia, no gostinho de
desvelar a intimidade da amiga, de mostrar que sabe algo apimentado sobre o
amigo, de consumir publicações que descaradamente invadem a privacidade de
figuras públicas. Esse voyeurismo compulsivo vulgariza-nos a palavra e torna-nos
vulneráveis a egredos.
Preparada a invasão da Normandia, na Segunda Guerra Mundial, a data só era
conhecida por comandantes e chefes de Estado aliados. Um assessor de confiança
tentou induzir De Gaulle a contar-lhe qual seria o Dia D. O general francês
perguntou-lhe: "Você é capaz de guardar segredos?" "Sim" - respondeu o homem,
ansioso pela confidência. "Eu também sou" - encerrou De Gaulle.
O segredo de confissão, a que são obrigados os sacerdotes, é ainda, nesse mar de
inconfidências, a prova ética do sigilo. Por isso, na França um padre sofre
processo por não apontar à Justiça o nome de um assassino que teria se
confessado com ele. Segredo que os terapeutas aprenderam com a Igreja, embora
alguns cometam o equívoco de registrar por escrito, sem codificar, o que dizem
seus pacientes.
Confiança e fé têm a mesma raiz. Confiar é acreditar com fé, sem violar ou trair
a palavra alheia.
https://www.alainet.org/es/node/105164?language=en
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